domingo, maio 12, 2013

PSG

Há quase duas décadas que o Paris Saint-Germain (PSG) não vencia o campeonato francês. Curiosamente, a França é um dos poucos países do mundo cuja capital não teve, até hoje, um clube com grande expressão nacional. O reerguer do PSG, com capitais árabes a ajudar, pode ser um sinal de inversão desta tendência.

Pedro Pauleta, uma figura modelar de desportista, unanimemente considerado o maior jogador da história do clube, ajudou muito os portugueses em França a passarem a apoiar o PSG. Recordarei sempre a impressionante homenagem que o clube lhe prestou, em 2010. 

No dia de hoje, muitos portugueses, em especial na região de Paris, estão seguramente muito felizes com a vitória do seu clube francês. (E digo "francês" porque, em todos e em cada um deles existe sempre um outro clube português de adoção). E eu também estou, porque o PSG é o "meu" clube em França. 

A bomba

O facto de um passageiro ter sugerido, numa graça de duvidoso gosto, que uma sua mala poderia conter uma bomba, fez há dias atrasar, por cerca de quatro horas, um avião que trazia um ministro português de S. Tomé.

Há já bastantes anos, no aeroporto de Lisboa, dentro de um avião, pertencente à companhia de um país para o qual viajaria um ministro português que eu acompanhava, o voo não partia e ninguém era capaz de explicar as razões do atraso. Uma estranha agitação atravessava idas e vindas para a cabine de pilotagem e induzia um ar preocupado à generalidade dos tripulantes. A certo passo, argumentando com a presença do ministro, tentei saber o que se passava. Foi então que me disseram que se tratava de uma ameaça de bomba. Exigi que saíssemos, de imediato, do aparelho, enquanto o assunto não fosse esclarecido em definitivo. Assim aconteceu, mas apenas para a comitiva oficial, que foi colocada na sala VIP. Os restantes passageiros, para nosso grande espanto, foram mantidos no avião, enquanto as buscas sobre a possível bomba prosseguiam.

Lembro-me de que não deviam ter decorrido mais de 20 minutos quando fomos convidados a regressar ao aparelho. A viagem iniciou-se e estávamos já a voar há mais de meia hora quando o comandante do avião, com grande simpatia, veio pedir desculpa ao ministro português pelo atraso provocado. Inquirimos pormenores sobre o que se passara e foi-nos dito que uma chamada telefónica anónima desencadeara o alarme. Todos ligámos o incidente à morte violenta em Portugal, na véspera, de um opositor do regime do país que íamos visitar.

O comandante do avião, explicou então ao nosso ministro:

- Este atraso foi lamentável, mas nós tentámos que ele fosse o menor possível, tanto mais que fomos informados que o senhor ministro tem um programa muito sobrecarregado, logo à chegada. Por isso, muito embora as regras habituais neste tipo de situações obriguem a uma busca muito mais rigorosa e a um tempo de espera de cerca de quatro horas, posso revelar-lhes que recebemos instruções da nossa capital para apressar as buscas. E assim fizemos. Espero que estejam satisfeitos!.

Entre os membros da delegação, olhámos uns para os outros, siderados. Vi um pânico nos olhos de alguns, chocados com a "simpatia" que levara à ligeireza no rigor da vistoria feita. No que me toca, devo confessar que me custou bastante começar a dormir...  

Em tempo: para quem aprecia a precisão factual, e se interrogou quando à veracidade dos factos, posso informar que a viagem teve lugar no dia 22 de abril de 1988. E mais não direi.

sábado, maio 11, 2013

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Aquele casamento estava a ser uma coisa interminável. O baile abrira com os noivos a convidarem todos os convidados para um pé-de-dança. O velho diplomata hesitou um pouco mas, a certo ponto, para ajudar a passar o tempo, lá se decidiu convidar uma senhora que lhe pareceu um pouco solitária.

Em jeito de início de conversa, perguntou o nome à sua parceira:

- Juliana Sardinha Carneiro, respondeu a senhora.

- Ó minha senhora! Isso é uma refeição completa!, foi a reação imediata do seu par.

Com pequenos pormenores de diferença, esta é uma história verdadeira.

quinta-feira, maio 09, 2013

António de Belém Lima

Tenho muita pena de não poder estar, na noite de hoje, na conferência que Jorge Figueira fará, no museu da Vila Velha, em Vila Real, sobre o tema "Imaginar Trás-os-Montes - Belém Lima e a Arquitetura Portuguesa".

António de Belém Lima, um arquiteto transmontano com expressão nacional e crescente divulgação internacional, integra uma magnífica geração que, durante as últimas décadas, ajudou a transformar a paisagem urbana do país e a prestigiar fortemente pelo mundo a arquitetura portuguesa - Portugal é o único país que, com o Brasil, hoje dispõe de dois "prémios Nobel" da arquitetura, os Pritzker, nas pessoas de Siza Vieira e Souto Moura.

A obra de Belém Lima, relevada hoje em livros e diversas publicações nacionais e estrangeiras, qualificou, muito em especial, Vila Real e a sua região, contribuindo fortemente para contrabalançar, no panorama da cidade, o brutal surto de construção que algum "patobravismo" desenvolvimentista, a partir dos anos 70, nos impôs e ainda hoje nos polui o olhar. Obras como o Conservatório de Música ou a Biblioteca de Vila Real, bem como o próprio Museu da Vila Velha, onde a conferência desta noite terá lugar, falam por si próprias, bem melhor do que tudo quanto eu possa dizer - no meu caso, com uma descomplexada  "declaração de interesses" de quem é familiar e amigo daquele cuja obra Jorge Figueira vai hoje retratar.  

Um abraço, António, extensivo ao Jorge Figueira, que encontrei algumas vezes pelo mundo no seu teimoso e magnífico esforço de divulgação da grande arquitetura portuguesa.

Em tempo: sei que o António não gosta do Acordo Ortográfico, mas o cartaz (oficial e que, por isso, deve cumprir estritamente as leis da nossa República) tem dois lamentáveis erros - nem "arquitetura" nem "projeto" têm "c". Aliás, é assim que se ensina em todas as escolas do país, não é? Não tem a menor graça, apenas para teimosamente disputar uma batalha já perdida, estar a criar desnecessárias confusões às crianças! Também eu sou do tempo em que, lá por Vila Real, a "Pharmácia Almeida" tinha o "ph"...

"Salários milionários"

Uma vez mais, a demagogia saloia marca as notícias sobre os "salários milionários" dos diplomatas em posto no estrangeiro. Uma notícia hoje publicada no "Correio da Manhã" insere números globais, descontextualizados, dando a impressão de que os funcionários que o Ministério dos Negócios Estrangeiros envia pelo mundo auferem, por um qualquer "golpe" ou conluio inexplicável, rendimentos astronómicos. E, desta forma, ajudada por alguma "aveludada" insídia sindical sempre marcada pelo despeito, a diplomacia portuguesa é posta no pelourinho da inveja nacional. 

Lamento sinceramente que o MNE, em termos oficiais, não saia de imediato a terreiro para explicar que estes valores incluem salários ao nível dos de quaisquer outros funcionários da função pública (na base dos quais são contadas as respetivas futuras pensões de aposentação), complementados, como não pode deixar de ser, de valores para compensar as diferenças de custo de vida para um cidadão estrangeiro que reside nesses países (fixado com base em tabelas internacionais também utilizadas por outros Estados e organizações internacionais), de montantes para a ajuda ao aluguer de casas no tradicional mercado especulativo de rendas para diplomatas, de apoio parcial às despesas para acorrer à educação dos filhos em escolas internacionais estrangeiras (sem o que lhes será difícil darem continuidade a estudos no regresso dos pais a Portugal), além de (cada vez mais limitadas) verbas de "representação", para o exercício (a ser justificado e detalhado superiormente) de funções no quadro habitual - e universal - da ação diplomática, na promoção dos interesses portugueses que lhe cumpre defender junto de colegas e autoridades locais, com as imperativas atividades de natureza social que lhes compete organizar. Resta dizer que muitos desses funcionários são ainda obrigados a manter uma segunda casa em Lisboa, sem o que teriam de reiniciar contratos de arrendamento ou compra de cada vez que regressassem a Lisboa, e que, para os poderem acompanhar, os seus cônjuges são frequentemente obrigados a suspender os seus empregos, sendo assim obrigados a uma "dupla exclusividade", afetando em definitivo as respetivas carreiras profissionais.

Mas de tudo isso ninguém se lembra, nesta mediatização populista, e não vejo a comunicação oficial, tão exímia nas Necessidades para outros fins, surgir preocupada em esclarecer estas coisas simples. Porquê? Talvez porque não vá bem com "l'air du temps" e fique melhor com a colagem a um certo discurso miserabilista que marca os dias do país. E é tão fácil comparar estes "salários milionários" com a média dos salários portugueses ou com a trágica situação dos desempregados, não é?

Sei de certeza segura que esta será sempre, para os diplomatas, uma "guerra" mediática perdida. Mas porque já estou completamente afastado da carreira, sinto-me mais à vontade para poder colocar aqui, para todos os fins úteis, algumas da explicações que o Ministério tinha a estrita obrigação de usar para tentar esclarecer e desmontar este tipo de notícias. 

Estratégia nacional

Ontem e anteontem, em contextos completamente diferentes, estive envolvido, por horas, em debates que se prendem com a definição da nossa futura estratégia nacional enquanto país. Em análise estiveram as diversas condicionantes externas que nos envolvem, a maioria das quais insuscetíveis de podermos influenciar, a nossa política de alianças e a discussão sobre o melhor modo de poder vir a defender os nossos interesses à escala global.

Para quem, como eu, começou há muitos anos neste tipo de exercícios, mas que só os frequentou a espaços, está a ser notória uma mudança da qualidade dos intervenientes, cada vez mais "soltos", mais imaginativos e menos presos ao medo de explorar alternativas e de pôr em causa certos tabus. Cada vez estamos mais longe de algum "politicamente correto" que nos tolhia a expressão e isso deve-se, em grande parte, ao esforço feito por vários "think-tanks", por vezes ligados a universidades, que nos têm ajudado a refletir muito para além das ideias feitas e de alguns determinismos que agora se constata não terem qualquer sentido.

Considero esta "democratização" do debate estratégico essencial e entendo que ela talvez nos possa ajudar a consensualizar (expressão que hesitei em usar, por razões de conjuntura) algumas linhas de rumo para um país onde elas escasseiam. Confesso que, não tendo descoberto o "graal" nos exercícios em que participei, saí deles mais animado e moderadamente otimista.

quarta-feira, maio 08, 2013

Ainda o Tua

Ao que me chegou, a UNESCO decidiu aceitar por boas as explicações dadas pelo Estado português na questão da compatibilidade entre a construção da barragem na foz do rio Tua e o estatuto do Alto Douro Vinhateiro como "património mundial". Desta forma, a construção da barragem pode prosseguir. 

Aqueles que se opõem à construção da barragem afirmam que não concordam com essa decisão e vão recorrer da mesma, junto das instâncias competentes da organização. Estão no seu legítimo direito.

O que me parece menos curial é que a diplomacia portuguesa, que trabalhou o dossiê o melhor que soube e pôde, correspondendo a instruções do poder político, venha agora a ser acusada, por quantos se opõem à construção da barragem, de "um zelo diplomático que não tem limites".

Essa agora! Então não compete aos servidores públicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros executar o que lhes é determinado? O que aconteceria se os diplomatas que tinham o dossiê a seu cargo se tivessem recusado a cumprir as instruções recebidas?

Posso perceber a frustração das pessoas, e respeito os valores afetivos que motivam muitas delas, mas, no meu caso pessoal, não aceito ser criticado por ter cumprido o meu dever. Acho que os opositores à barragem deveriam parar um pouco para entender e respeitar a posição de quem mais não é que um mero agente da administração pública.     

Estatuto bloguista

Hoje, num jornal "de referência", deparo com o autor de um artigo a dar como elemento curricular ser "co-autor" de um determinado blogue.

Vamos a ver se nos entendemos: escrever num blogue é um exercício de participação no espaço público que pode ter a sua graça - para o próprio e para quem entender lê-lo - mas que não deve ser assumido como uma espécie de estatuto. Trata-se de uma atividade de dimensão lúdica, mais ou menos efémera, que não se pode levar nunca muito a sério. Para escrever num jornal é preciso que alguém nos convide; para escrever num blogue, basta ter vontade e um computador. Quem dá importância excessiva àquilo que exprime através de um blogue, por maior leitura que ele conjunturalmente possa ter (e há blogues excelentes com escassos leitores), é porque não tem, na vida real, coisas mais relevantes em que se consiga realizar.

Honra

Achei muito estranha a reação surgida em alguns setores quanto ao pedido feito às crianças que ontem fizeram exames do 4º ano de subscreverem uma declaração segundo a qual não levavam telemóveis para a sala onde faziam a prova.

Quem é que tem medo que as crianças comecem a entender, desde cedo, o conceito de verdade e de honrar a palavra?

terça-feira, maio 07, 2013

Vitória brasileira

É uma boa notícia para a expressão internacional dos países de língua portuguesa a eleição do diplomata brasileiro Roberto Azevedo para o cargo de diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), há pouco anunciada. Mas esta eleição é, em primeiro lugar, uma grande vitória para a diplomacia brasileira e fico muito satisfeito que ele tenha sido titulada pelo seu ministro das Relações Exteriores, António Patriota, um bom amigo pessoal.

O Brasil tem-se revelado, de há muito, um participante ativo e relevante do processo negocial multilateral na área do comércio internacional. Dispondo de uma diplomacia muito capaz e interventiva, que sabe bem o que quer e como o obter, através de uma hábil política de interlocução e de alianças, o Brasil tem vindo a ganhar um estatuto que lhe permite consagrar institucionalmente, de forma progressiva, a sua influência e o seu poder. O modo como soube colocar-se na fase derradeira do "ciclo de Doha" da OMC, não podendo ser considerado culpado pelo seu fracasso e tendo-se mesmo revelado um parceiro construtivo na construção de modelos de compromisso final que não chegaram a vingar, poderá justificar muito do prestígio de que este resultado também é fruto.

Faço notar que este novo cargo internacional vem a somar-se ao que, desde 2012, foi obtido pelo Brasil na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, com a eleição para seu diretor-geral de José Graziano da Silva, também já sob o consulado diplomático de António Patriota.

Volto a repetir uma ideia que há muito alimento: nenhuma das áreas potenciais de afirmação estratégica do Brasil (como, aliás, de todos os restantes países de expressão portuguesa) é contraditória com interesses portugueses. Pelo contrário, o reforço do papel do Brasil à escala global é positivo para o conjunto dos países de língua portuguesa. E esperamos que, por algum efeito de arrastamento, o possa ser também para a CPLP, enquanto entidade coletiva.

O senhor Matos

Por algumas décadas, a portaria do MNE foi dirigida pelo senhor Jaime Matos. O ministério era então uma "casa" quase "familiar", em que, à entrada, havia mais pessoas com nome e menos rotativos agentes da Securitas.

O senhor Matos era também o mais prestigiado dos "procuradores", essa "instituição" de que já aqui falei, que quase todos os diplomatas eram forçados a contratar e que, na realidade, lhes facilitava a vida e lhes permitia resolver uma imensidão de problemas, em especial quando colocados no quadro externo. Mas ter o senhor Matos como procurador era um verdadeiro "must" de prestígio. Enquanto muitos contínuos e motoristas batalhavam para representar os novos diplomatas chegados à casa, o senhor Matos dava-se ao luxo de selecionar aqueles que aceitava como seus representados. E, não raramente, "cedia" mesmo diplomatas a outros colegas dedicados à mesma tarefa.

Como contei noutro post, o senhor Matos tinha a peculiaridade de informar os seus representados dos rumores que circulavam sobre futuras nomeações para embaixadas ou lugares de chefia superior na casa. A isso chamava, nas cartas que enviava, "o movimento que se diz que vai haver". Raramente se enganava, tal a qualidade e a "reliability" das fontes de que dispunha.

Com os anos, com a experiência e tendo já ouvido muito, o senhor Matos chegou mesmo ao ponto de ousar ter opinião sobre a própria justeza de certas indigitações. Um dia, ficou famoso um comentário que, por carta, deu a alguns dos seus representados: "Dizem que o senhor doutor Fulano de Tal pode vir a ser o próximo diretor político. Seja o que Deus quiser!..." Noutra ocasião, depois de anunciar ua determinada colocação, acrescentou, eloquente na sua apreciação: "enfim!..."

segunda-feira, maio 06, 2013

Ainda o consenso

Os apelos ao consenso político, como por aqui já se notou, têm estado no centro do debate público dos dias que correm. A necessidade de tentar alargar a base de apoio, político e social, para a execução de novas medidas de austeridade levou o executivo a procurar chamar a um novo modelo de consenso o principal partido da oposição e os parceiros sociais. O tempo e o modo de surgimento destes apelos foram bem percebidos por esses destinatários e, naturalmente, não deixaram de determinar a forma como por eles foram recebidos. 

Porém, as últimas horas vieram confirmar que, afinal, continua ainda por obter um outro consenso, a ser feito a montante das próprias declarações do governo. Uma vez mais, ficou claro que a falta de consenso político começa por se verificar, desde logo, no âmbito da maioria que suporta o executivo. E não escapa a ninguém que isso condiciona fortemente a credibilidade do discurso deste último.

Se, como tudo indica, esta coreografia declaratória, aliás desenvolvida por todos os lados do espetro político, é, nos dias de hoje, essencialmente "para alemão ver", imagino a perplexidade que deve existir nas mentes geometricamente formatadas de Berlim quanto ao que por aqui se passa. Por isso, confesso que teria uma imensa curiosidade em ler o teor do telegrama que o embaixador alemão vai, daí a poucas horas, mandar para a sua capital. Pior: temo mesmo poder antecipar o que ele vai dizer. 

domingo, maio 05, 2013

Europa

No dia 9 de maio, dia da Europa, a partir das 21.30 horas, participarei de um debate sobre a Europa do pós-guerra, subsequente à apresentação do filme "Alemanha: ano zero", de Roberto Rossellini, a ter lugar na Cinemateca Nacional, Rua Barata Salgueiro, 39.

A Europa já não está fisicamente em ruinas, mas as ameaças sobre o projeto europeu são hoje muito sérias e obrigam a que reflitamos sobre os caminhos do futuro.

sábado, maio 04, 2013

Jogos de azar

Quando foi lançado, há quase 30 anos, o Totoloto tinha como slogan "é fácil, é barato e dá milhões".

Hoje, o moto aplica-se à Função Pública e aos reformados, enquanto alvos tributários. 

Ainda o Estado

Ontem, em Coimbra, após uma reunião do Conselho Consultivo da Faculdade de Economia da universidade, estrutura de que faço parte há uns anos, pude assistir a uma interessante palestra feita por um colega desse mesmo Conselho, o presidente do Tribunal de Contas, Guilherme de Oliveira Martins.

A intervenção, entre outras interessantes questões, abordou os problemas da responsabilidade financeira no exercício das funções do Estado, um tema que o Guilherme soube desenvolver com uma profundidade não contraditória com a sua perceção, sem ambiguidades, por um auditório interessado e inquisitivo. Uma das pessoas presentes, numa pergunta que apresentou, felicitou-se pelo facto daquela palestra, na agitação dos dias que correm, ter servido para nos fazer parar um pouco e ajudar a refletir, com seriedade e rigor, sobre temáticas que o nosso dia-a-dia tende quase sempre a envolver num sinal de polémica de oportunidade e, por essa via, de alguma demagogia. Fiquei a pensar que tinha toda a razão.

Num registo mais alargado, ao ouvir com atenção Guilherme de Oliveira Martins, que tem desempenhado com um notável equilíbrio e competência as funções de presidente do Tribunal de Contas, dei comigo a refletir sobre se o país o não poderia vir a aproveitar noutro tipo ainda mais elevado de responsabilidades, noutros patamares do Estado. No "baralho" das nossas figuras públicas reconhecidamente impolutas e competentes, ele surge como um dos poucos nomes verdadeira lente incontroversos. Será que o país poderá vir a ter a sabedoria para perceber isto?    

Em tempo: correspondendo a alguns pedidos, esclareço que a fotografia representa uma vista interior do hotel Movich, em Pereira, uma cidade da Colômbia. A figura ao fundo, acreditem ou não, é António Barreto, que fotografava o "panorama" seguinte.

A outra senhora

No tempo da "outra senhora" - isto é, da ditadura, para os leitores mais novos -, o meu pai, servidor público cumpridor e madrugador, costumava deitar-se relativamente cedo. Por ironia, que não por convicção, há muito que me repetia - a mim, que sempre fui um impenitente notívago - que só admitia que o acordasse se, nas notícias televisivas do fim da noite, fossem anunciados aumentos para a Função Pública, coisa que há anos não acontecia e que era muito improvável que ocorresse.

Numa noite de um desses anos cinzentos, comigo um pouco distraído a ler, mas com a televisão ligada, ouvi um comunicado oficial que anunciava, em linguagem oficiosa, típica do "discurso" do Estado Novo, que tinha sido determinado um aumento salarial para os servidores públicos. A internet estava a décadas de existir e, por uma qualquer razão, não consegui "recortar" a suposta informação nos noticiários da Emissora Nacional. Não era ainda muito tarde, mas o facto de eu ter ouvido a notícia sem grande atenção, fazia-me desconfiar de "tanta fruta". Optei por não acordar o meu pai, com receio de ter entendido mal e poder suscitar-lhe falsas esperanças. No dia seguinte, ao almoço, encontrei-o exultante, com a confirmação de um pequeno aumento salarial decidido para os funcionários públicos.

Porque é que me lembrei disto agora? Sei lá! Talvez porque a ditadura acabou em 25 de abril de 1974.

quinta-feira, maio 02, 2013

Jornalismo luso

Um ilustrado diário da nossa praça, traz hoje, na sua primeira página, o seguinte título:

Ex-colega do avô de Vitor Gaspar esteve na manif da UGT

Não li (nem tenciono ler) o texto da notícia, injustamente remetida para duas (!!) páginas interiores, mas posso presumir, sem dificuldade, a relevância informativa da mesma.

Os charutos


O jantar naquela embaixada tinha terminado há pouco. À volta da mesa já se serviam os cafés e as bebidas brancas. A embaixatriz lembrou então ao mordomo a necessidade de trazer a caixa dos charutos. Minutos depois, o homem aproximou-se da dona da casa, informando, em voz baixa, que, infelizmente, os charutos tinham acabado. A senhora estava desolada e desculpou-se junto do convidado principal, um diplomata sentado a seu lado, o qual, com imensa subtileza, logo menorizou a falta:

- Não tem a menor importância, senhora embaixatriz. Aliás, é muito raro eu fumar um charuto. Só às vezes, no final de uma grande refeição...

quarta-feira, maio 01, 2013

Consenso

Agora que o "consenso" anda por aí como expressão retórica de uma atitude política que subliminarmente se insinua como diferente, vale a pena recordar, através de uma fotografia, o que foi o ilusório e fátuo consenso que, no 1º de maio de 1974, alguns julgaram possível entre quantos se haviam oposto à ditadura. 

Há 39 anos, o dia do trabalhador passou-se assim. Uma leitura atenta das expressões faciais das duas principais personagens presentes na imagem pode ajudar a explicar, se bem que apenas com a experiência que adquirimos a posteriori, a divergência de projetos que ditou toda a história subsequente da esquerda em Portugal. No ano seguinte, em 1975, Mário Soares seria impedido de entrar no estádio onde se comemorava a data, com Álvaro Cunhal a conseguir ser a figura central da festa, numa vitória pírrica, como iria ficar claro em novembro.

Precisamente porque se afastaram programaticamente dos comunistas, os socialistas passaram a ter vocação de governo, nas décadas seguintes. Para o PCP, nesse mesmo período, as trincheiras iriam ser a Constituição, a área sindical e algum poder autárquico, único setor onde pontualmente se encontrou com um certo PS.

Muita água passou, entretanto, sob as pontes. Bem mais recentemente, há dois anos, o voto comunista voltou a ser determinante para ajudar a derrubar um governo socialista e abrir caminho ao regresso ao poder de uma maioria de sinal bem oposto. Estas coisas pesam para sempre no historial das relações no seio da esquerda portuguesa. 

PCP e PS seguem assim caminhos diversos na vida política portuguesa. Até hoje e, presumo eu, até aos amanhãs que se podem vislumbrar. De algumas vozes, na área socialista, ouve-se às vezes a opinião de que, com um PCP diferente, seria possível um qualquer entendimento. Mas poderia o PCP ser diferente? Podia, mas não era a mesma coisa...

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...