sábado, maio 04, 2013

A outra senhora

No tempo da "outra senhora" - isto é, da ditadura, para os leitores mais novos -, o meu pai, servidor público cumpridor e madrugador, costumava deitar-se relativamente cedo. Por ironia, que não por convicção, há muito que me repetia - a mim, que sempre fui um impenitente notívago - que só admitia que o acordasse se, nas notícias televisivas do fim da noite, fossem anunciados aumentos para a Função Pública, coisa que há anos não acontecia e que era muito improvável que ocorresse.

Numa noite de um desses anos cinzentos, comigo um pouco distraído a ler, mas com a televisão ligada, ouvi um comunicado oficial que anunciava, em linguagem oficiosa, típica do "discurso" do Estado Novo, que tinha sido determinado um aumento salarial para os servidores públicos. A internet estava a décadas de existir e, por uma qualquer razão, não consegui "recortar" a suposta informação nos noticiários da Emissora Nacional. Não era ainda muito tarde, mas o facto de eu ter ouvido a notícia sem grande atenção, fazia-me desconfiar de "tanta fruta". Optei por não acordar o meu pai, com receio de ter entendido mal e poder suscitar-lhe falsas esperanças. No dia seguinte, ao almoço, encontrei-o exultante, com a confirmação de um pequeno aumento salarial decidido para os funcionários públicos.

Porque é que me lembrei disto agora? Sei lá! Talvez porque a ditadura acabou em 25 de abril de 1974.

17 comentários:

Anónimo disse...

A outra senhora nao falava alemão, ao contrario desta, que até fala alemão de leste.

Anónimo disse...

Como tudo muda.Agora as noticias dos
aumentos chega às 20h,com pompa!
CC

freitas pereira disse...

A ditadura do Estado Novo foi substituída pela ditadura dos mercados e de Bruxelas.
Recuperamos a liberdade de gritar na rua a nossa miséria, e recuperamos a liberdade de deixar o pais sem ser obrigados de partir a monte.
Recuperamos a liberdade de criticar o governo e as autoridades, sem correr o risco de ir parar ao Tarrafal.
Recuperamos mesmo o direito à instrução e à formação profissional: os Portugueses nunca foram tão bem qualificados para trabalhar, mas são obrigados a partir e são mesmo incitados pelo governo a partir para o estrangeiro para poder realmente trabalhar!

Em suma, a liberdade não existe quando não há trabalho!

O caminho percorrido desde o fim da ditadura, se nos trouxe motivos de satisfação na medida em que nos permitiu de ingressar no conjunto das nações livres, iguais a todos os outros, no quadro do sonho europeu, deixa-nos um gosto amargo pela classificação na cauda da Europa, a reboque das nações ricas, e tratados com uma certa condescendência.

Em férias na Cote d’Azur, tive ontem um acesso de raiva, no cais prestigioso do porto de Saint Tropez, ao ver descer do seu magnifico yatch, um cavalheiro acompanhado do seu séquito, vir sentar-se numa mesa do Sénequier, o “must” cá do sitio, onde “é imperioso” ser visto a tomar o café!
Por curiosidade, passei junto da mesa, porque me parecia ter ouvido falar Português. Eram realmente Portugueses. Analisei melhor o barco e realmente lá estava a bandeira das quinas, triunfante, ondulando ao vento do Mediterrâneo! A bordo, contei dez tripulantes, que não deviam ser Portugueses, porque normalmente a “gentry de la mer” contrata Filipinos, porque são ainda mais baratos que os Portugueses!

Minha Esposa, Francesa, comentou: « La crise dans ton pais, n’est pas pour tout le monde ! E nao de facto

Anónimo disse...

"por que a ditadura acabou em 1974"? Sabe-a toda! Aquela, digo ditadura, não reduzia os salários. Esta, digo ditadura, de 2013, não só baixa os salários, como estuda uma estratégia para eliminar os seus concidadãos que estão a viver mais tempo!
JS

jj.amarante disse...

Vamos a ver nos próximos episódios se acabou mesmo ou se foi apenas interrompida, seguindo demntro de momentos.

São disse...

Tem a certeza de que acabou? Começo a ter cada vez mais dúvidas, acho que estamos numa fase bem pior, por disfarçada em democracia.

Além disso, à sua maneira retorcida , Salazar defendia o país, enquanto,infelizmente os actuais governantes denigrem a imagem portuguesa em documentos oficiais enviados a entidades estrangeiras e vão para além das exigências da Troika.

Sou aposentada da Função Pública e tenho muito orgulho de ter servido com dignidade o meu país, coisa que muita gente da que , neste momento, ataca o funcionalismo público, não pode dizer - Passos incluído!!

Os meus respeitos

Anónimo disse...

A ditadura acabou em 25 de Abril de 1974? Definitivamente ?
De acordo com o comentário de Freitas Pereira também pomos dúvidas.
Mais; as práticas dos atuais governantes promovem Salazares, Marcelos, Américos e outros daquela igualha, a democratas e sugerem a comparação de honestidade entre o Ditador-mor que foi Salazar e os governantes atuais; sugerem que se compare a corrupção de então com a de hoje e, nesta comparação, Salazar aparece como um governante incorruptivel, como um patriota, como um homem honesto...
Estas práticas perturbam a memória do povo!
José Barros

Anónimo disse...

Acabou? Sempre fui educado que a justiça é um pilar da democracia. Onde está ela, a justiça? E não viveremos há anos em permanente golpe de estado palaciano, pois as políticas desenvolvidas são as opostas aos programas eleitorais que os cidadãos sufragaram? Por alguma razão vemos o cidadão comum, desconhecedor do método de hondt, defender o não votar, o votar em branco ou nulo.
Cumprimentos
JPS

Anónimo disse...

Acabou? Voltou? Ou é ditadura disfarçada de democracia?

Isabel BP

Anónimo disse...

Vá lá... Já se pode "escrever" assim! Claro que a "ditadura da democracia" já anda por aí há alguns anos. Quem o disse há quatro ou cinco anos foi "p'rá frigideira"... O meu consolo é de que não tenho filhos nem netos... Fomos apelidados de "malucos", e, nas melhores ocasiões de: "boas pessoas"! "Ditos" da "velha senhora"; de quando nos defendíamos do poder inglês... Puxa, continuamos sempre com outros países a "mandar" em Portugal. É o Fado!

Carlos Fonseca disse...

Comecei a trabalhar, ainda estudante em horário pós laboral, no tempo do ditador Salazar. Na minha empresa o horário de trabalho era, então, de 39 horas semanais. De segunda a sexta-feira, 7 horas e, ao sábado, 4 horas.

Parece que, também neste campo, estamos a regredir.

Pobre país, entregue a garotos incultos e sem alma!

Anónimo disse...

Caro embaixador a sutileza lhe é peculiar.

Isabel Seixas disse...

Invento~

Deponho
suponho e descrevo
a pulso

subindo pela fímbria
do despido

Porque nada é verdade
se eu invento
o avesso daquilo que é vestido

Maria Teresa Horta
~










Anónimo disse...

Volta-se sempre ao mesmo !

Em Portugal no 25 de Abril, os militares não conseguiram criar uma estrutura de democracia europeia, porque os únicos portugueses com alguma experiência de vida democrática europeia eram uma minoria face aos ideólogos do MFA de Varela Gomes a Melo Antunes,e Oposição de "esquerda".

Pretendiam que Portugal, resolve-se o problema da guerra colonial que os afectava dadas as inúmeras comissões feitas principalmente por oficiais milicianos.

No interior do MFA os oficiais mais "esclarecidos", de esquerda ajudados pelos ideólogos de serviço, e pelo PCP e MDP, conseguiram numa primeira fase "enganar" os portugueses pelo menos até ao 11 de Março, route!,(era preciso "entregar" Angola ao MPLA,Rosa Coutinho.. os EUA estavam a saír do Vietnam!..) boa armadilha para fazer saltar a direita de Salazar !

O filme seguinte todos sabemos como foi:

Jacobinos, maçons, esquerdistas, farsantes, jotinhas, burlões políticos, alaparam-se na Administração do Estado:

Socialismo-a-cavalo-do-capitalismo selvagem...fazendo experiências, etc, etc !

Chegámos agora ao fim (?)....


Alexandre


Helena Sacadura Cabral disse...

Na mouche, sem ofensa para mosca!

freitas pereira disse...

Tudo é uma história de “ismos”!

Os Portugueses, que tinham vivido sob o fascismo durante meio século, e debaixo da vigilância moral do catolicismo triunfante e omnipresente, encontraram-se subitamente, mais cedo que previsto, perante duas linhas revolucionárias, dois “ismos” possíveis.

Sabemos que as palavras em « ismos » significam por vezes algo de excessivo! Violento ou poderoso. Desde que o comunismo e o nazismo desapareceram da cena (não direi a mesma coisa do fascismo, que ainda subsiste, mesmo se ainda existem relentos de comunismo louco na Ásia) poderia perguntar-se quais são os « ismos » que nos vêm ao espírito, hoje.

Estou convencido que a resposta de alguns poderia ser o nome dum demónio actual, como o Islamismo, fanático e intolerante. Sobretudo quando se confunde Islão e Islamismo. Mas eu penso noutros.

Dos dois “ismos” presentes em 1974, um, o socialismo, virou cor-de-rosa, para se tornar pouco a pouco num socialismo democrático, muito liberal, por falta de pigmento vermelho! E o outro, por ter pigmento demais, para alguns, foi simplesmente combatido, para se transformar numa força “d’appoint”duma esquerda quando esta precisa de caução popular.

A diferença de “nuance” notava-se já, na foto que o Sr. Embaixador nos presenteou no tema precedente, nos olhares dos dois leaders políticos da Revolução de Abril.

Das nacionalizações e da reforma agrária, passou-se rapidamente ao liberal socialismo. A luta pelo poder tinha então começado entre as duas ideologias. Eventualmente, essa luta poderia ser violenta, porque duas concepções da revolução estavam na liça.

Uma pretendia limpar até à base uma sociedade retrógrada deixada pelo fascismo. Afim de reconstruir uma outra a partir da base, com um objectivo de partilha da riqueza.

A outra concepção pretendia que sobre a mesma sociedade retrógrada era possível reconstruir uma sociedade democrática, deixando a liberdade de acção aos que possuíam e geriam a riqueza... que se encarregariam de a partilhar com os outros.

Nunca saberemos qual teria sido o resultado da primeira concepção da sociedade pos-revoluçao. Mas conhecemos hoje o resultado da segunda!

Penso, ao escrever estas palavras, em Alexis de Tocqueville, um liberal francês, que escreveu, entre outros, “De la Démocratie en Amérique”.
Que escrevia, pois, o nosso aristocrata de Tocqueville? Que para construir uma sociedade a partir da base, todos os meios se justificam. Ele pensava nos Índios da América!

“Os meios sangrentos para conquistar “o outro” podiam justificar-se, e via nisso “ o triunfo da Cristandade e da Civilização”, o que era “claramente um destino criado pela Providência”. Assim estavam justificados os horrores da colonização das Américas, a destruição das civilizações índias.
Não somos índios, mas o tratamento que os novos “colonizadores” da finança internacional nos aplicam assemelha-se bastante à ideia que a sociedade actual saída da última guerra não é mais viável e que é preciso destrui-la. Somos os novos bárbaros, para quem o despotismo financeiro é um modo de governo legitimo, com a condição que o objectivo – de nos transformar e melhorar - seja atingido, e os meios utilizados sejam justificados.

O imperialismo liberal da Frau Merkel, que tende a considerar os países do sul da Europa como os bárbaros de hoje, e pretende organizá-los à volta da Alemanha, das suas leis, e dos seus imperativos económicos é exactamente o caminho que nos é indicado.

Seria realmente perigoso para todos se os deixasse-mos continuar a sugar as ultimas gotas de sangue dum moribundo, que já não pode mais!

EGR disse...

Senhor Embaixador : fico sempre um pouco surpreendido quando a abordagem de temas relacionados com a ditadura suscite umas tantativas de branqueammento do salazarismo/marcelismo.
E de duas uma : ou quem as faz não sabe do que fala, ou então é um saudoso do antigo regime e um aderente aos principios em que ele assentava.
E parece que nem sequer reflectem sobre o simples facto de que se hoje se podem exprimir nos termos em que o fazem é, justamente, porque a ditadura acabou em 25 de Abril de 1974.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...