terça-feira, novembro 27, 2012

Salazar e a emigração

Há algumas semanas, fui contactado pelo historiador luso-francês Victor Pereira, que me dava conta da edição do seu livro "La dictature de Salazar face à l'émigration - l'État portugais et ses migrants en France (1957-1974)". Não conhecia o autor mas, após ler o livro, não hesitei em tomar a iniciativa de convidá-lo a fazer o respetivo lançamento na embaixada, o que aconteceu ontem. 

Com uma apresentação feita por Yves Léonard, um grande historiador do Portugal contemporâneo, a sessão deu origem a um animado debate, na presença de largas dezenas de pessoas que se inscreveram para a ocasião, depois de uma divulgação feita através do Facebook. 

Espero que não tarde muito uma edição portuguesa deste excelente livro, o qual, a meu ver, marca um tempo novo na historiografia sobre a nossa diáspora.

segunda-feira, novembro 26, 2012

Salamina

Irei morrer ainda a Salamina
mesmo que da antiga perdida grandeza
não reste mais do que desordem e ruína
irei morrer ainda a Salamina
pelo sol pela luz pela beleza

Manuel Alegre

domingo, novembro 25, 2012

Notas polémicas

Não gosto do politicamente correto e apetece-me dizer o que penso. É para isso que serve um blogue. E isso leva-me a duas notas, propositadamente tardias, as quais, imagino, podem não ser do agrado de alguns dos meus amigos. É a vida...

1. Não gostei de ouvir as declarações da dirigente do Banco Alimentar contra a Fome, Isabel Jonet, sobre a temática do empobrecimento da sociedade portuguesa, numa insensível confusão entre quem é pobre com quem o não é. Um pouco a exemplo do que já aconteceu no passado com Fernando Nobre, é prudente que pessoas que estejam envolvidas em áreas que relevam da intervenção solidária da sociedade civil sejam muito parcimoniosas, na sua expressão mediática, em tudo quanto não se ligue diretamente da promoção das suas atividades. Ao saírem desse estatuto, por tentação de mandarem "bitaites" em áreas de política geral, fragilizam-se e, paralelamente, enfraquecem as próprias entidades por que são responsáveis. Não gostaria de ver alguém a retrair-se de contribuir para as atividades do Banco Alimentar contra a Fome só por não ter concordado com o que Isabel Jonet disse - como me dizem que hoje já acontece com a AMI, depois da aventura política de Fernando Nobre. Dito isto, convém deixar muito claro: Isabel Jonet tem uma obra magnífica à frente do Banco, é uma pessoa a quem o país deve imenso, em termos de empenhamento e dedicação, ao longo de vários anos. Esse excecional património deveria ter sido tomado em conta por quantos a criticaram, por vezes de forma soez.

2. A procura pela polícia, junto da RTP, das imagens dos incidentes violentos junto à Assembleia da República, no dia da greve geral, é uma questão séria. Por duas razões. Se eventualmente não foram seguidos os procedimentos que a lei determina, e se isso ficar provado, esperam-se punições rigorosas ao níveis oficiais adequados, porque a culpa não pode continuar a morrer solteira em Portugal, se pretendemos continuar a ser vistos como um Estado de direito, mesmo em tempos de exceção. Não há interesse nacional que justifique a via da ilegalidade, em especial por parte de quem compete combatê-la. Mas há um segundo aspeto a ter em conta. A polícia, que estava a proteger o edifício da Assembleia, foi provocada e agredida, de forma sistemática e inaceitável, por um bando de energúmenos. Acho perfeitamente normal que o Estado se proteja e tente identificar e responsabilizar criminalmente quem não respeita a autoridade legítima e atenta contra o património público e privado (bancos, viaturas e outros bens). E que o faça utilizando, para tal, todos os meios disponíveis, desde que em estrita observância da lei. Quando vejo alguns comentadores como que a desculparem os arruaceiros, gostava de saber se persistiriam nessa simpatia se acaso os seus carros pessoais tivessem sido danificados nas ruas vizinhas do palácio de S. Bento, como aconteceu a muito boa gente.

É o que eu penso. Não gostam? "Dommage"...

Por Eça

Foto de Hermano Sanches Ruivo

Dou comigo a imaginar o que pensaria José Maria Eça de Queiroz da homenagem que hoje, dia do seu aniversário, lhe prestámos aqui em Paris, afixando uma placa na primeira das três moradas que teve na capital francesa, cidade onde viria a morrer, em 16 de agosto de 1900, com 54 anos, como Cônsul-geral de Portugal. 

Conhecendo o verbo do meu "colega", nem quero pensar o modo como "fuzilaria" esta iniciativa e como ironizaria essa ideia da afixação destes marcos comemorativos. Correndo embora o risco virtual dessa sua quase inevitável diatribe crítica, lá estivemos, cerca de uma trintena de pessoas, nessa homenagem simples à figura maior que honra a memória portuguesa nesta cidade. 

De Lisboa, deslocou-se expressamente para o ato Fernando Guedes, presidente do Círculo Eça de Queiroz. Tivémos também o gosto da presença de Hermano Sanches Ruivo, um eleito de origem portuguesa, que ocupa lugar de destaque na municipalidade da capital. Mas, igualmente, tradutoras de Eça, professores portugueses e diversas outras pessoas aceitaram o nosso convite e testemunharam a inauguração formal da placa. A qual, a partir de hoje, passa a figurar numa casa onde, por uma feliz (embora nada surpreendente) coincidência, a "concierge" é da nacionalidade de Eça, e se juntou à comemoração, bem como ao pequeno encontro que, com todos, organizámos depois na Embaixada.

Duas igrejas

"Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar" - o estribilho deste hino do progressismo católico, ontem ouvido a Francisco Fanhais, no jantar para recolha de fundos para a Santa Casa da Misericórdia de Paris, reconduziu-me, por instantes, a um tempo em que a inquietação que atravessava setores da igreja católica portuguesa era um prenúncio do estertor do regime ditatorial.

Francisco Fanhais era uma das vozes mais conhecidas desse mundo do cristianismo crítico, então apresentado como "Padre Fanhais", condição que exerceu por três anos, antes de proceder a uma rutura com a Igreja. À época, mesmo quem, como eu, vinha de "outra freguesia", não podia deixar de olhar com simpatia aquela figura que, em si mesma, consubstanciava o mundo dos baladeiros contestatários e o catolicismo agitado, ambos conjugados na luta contra o regime.

Agora, ouvindo-o ecoar esse discurso poético e musical, para alguns muito datado, dei comigo a interrogar-me sobre as ondas de dúvida que hoje devem estar a abalar os católicos portugueses, neste novo tempo de crise, embora num quadro político-institucional que contém, em si mesmo, todos os espaços para a descoberta das soluções de futuro. Graças à democracia que a luta de gente como Francisco Fanhais ajudou a consolidar.

sábado, novembro 24, 2012

Chove em Bruxelas


Dos jornais

Em entrevista a um jornal, Margarida Rebelo Pinto, que já vendeu mais de um milhão de livros, informa o país que, por via da crise, teve de fazer o que qualificou como um downsizing do seu lifestyle.

A maioria dos portugueses diria apenas que está mais pobre. É o que se chama diferenças de estilo.

Uma outra Europa

A RTP decidiu, alegadamente por razões orçamentais, não participar, no próximo ano, no festival da Eurovisão.

De facto, para fazer uma triste e patética figura, como aquela que a "nossa" representação fez no ano passado - de que a imagem junta é auto-explicativa -, vale mais a pena meter a viola no saco.

sexta-feira, novembro 23, 2012

Negociar na Europa

Tal como muitos previam, não foi possível concluir, nas últimas horas, a fixação do orçamento plurianual da União Europeia, entre 2014 e 2020, aquilo a que, na linguagem comunitária, se chamam as "perspetivas financeiras". Atentas as posições restritivas por parte de alguns países, um compromisso final, consensualizado a 27, vai ser muito difícil de obter.

Sei bem o que significa essa complexa negociação, que tem lugar todos os sete anos (nunca inquiri por que terá sido criada esta regularidade), porque passei muitas e más (mas, no fim, boas) horas embrenhado num desses exercícios, que terminou em Berlim, em infindas noites de março de 1999. Um dia contarei alguns episódios pitorescos dessa "guerra" que nos levou até à "batalha" de Berlim, onde se concluíram muitos e muitos meses de séria barganha financeira.

Há dias, em conversa com o meu colega embaixador sueco aqui em Paris, Gunnar Lund, que, ao tempo, era, como eu, secretário de Estado dos assuntos europeus do seu país, recordámos esses tempos. Ele contou-me uma curiosa história. Semanas após a conclusão da negociação, o secretário de Estado alemão, Gunther Verheugen, foi a Estocolmo. Gunnar deu-lhe então os parabéns pelo sucesso obtido pelo seu país no fecho desse difícil dossiê, no âmbito da sua presidência europeia. Verheugen ter-lhe-á respondido: "Correu bem, de facto, só que, ao fim da última noite, demos conta que os portugueses acabaram por receber bastante mais do que aquilo que estava previsto. Souberam jogar muito bem...". 

Ainda um dia hei-de tirar isto "a limpo" com Gunther Verheugen. É que talvez tenha sido por isso que, três dias depois da finalização desse mesmo acordo, estava eu a acompanhar António Guterres numa visita à Bulgária, o nosso embaixador junto da União Europeia, Vasco Valente, me telefonou, preocupado, a dar conta do facto dos alemães terem retificado, em nosso desfavor, já depois das contas principais fechadas, uma certa verba que, em princípio, nos cabia (para quem conhece o assunto, era a chave de repartição dos "reliquats" não utilizados do fundo de coesão, relativos aos países que a ele já não tinham direito). O pouco que perdemos por essa via não chegou para evitar que o saldo final dessa negociação - a chamada "Agenda 2000" - tivesse tido um resultado altamente favorável para Portugal.

Deixo a imagem dos "carros de combate" contra a Política Agrícola Comum (PAC), que, por esses dias, desfilavam, em vistoso protesto, pelas avenidas de Berlim.

Mercado Interno

Nestes tempos em que a imagem da União Europeia é tingida de dúvidas e o seu funcionamento suscita interrogações a alguns dos seus membros - em especial ao Reino Unido -, parece-me oportuno citar alguns dados inseridos num artigo que o comissário europeu para o Mercado interno e serviços, Michel Barnier, e Vince Cable, responsável empresarial britânico, publicaram no último "European Voice".

Nesse texto, ambos recordam 
  • que o Mercado interno europeu comemorará este ano 20 anos de existência;
  • que é o mais integrado e maior bloco comercial do mundo;
  • que abrange 500 milhões de pessoas e 21 milhões de empresas que geram 13,7 triliões de euros;
  • que criou uma liberdade de circulação de bens, serviços, trabalho e capital;
  • que, por exemplo, contribuiu para baixar em 75% os custos de contactos telefónicos através da Europa;
  • que há muitos mais voos a preços baixos, devido a um aumento da competição entre as empresas;
  • que os produtos de qualquer empresa europeia podem hoje ter acesso a qualquer consumidor de qualquer Estado membro, sem a menor barreira alfandegária.
O texto não deixa de lembrar que o Mercado interno está ainda incompleto. Há que aprofundar nas áreas dos transportes e nas infraestruturas de energia, na economia digital, nos serviços, que é importante reforçar a dimensão social do empreendedorismo, bem como a confiança dos consumidores. E, em especial, fazer partilhar melhor as vantagens do Mercado interno pelas pequenas e médias empresas.

Há muito que penso que a vontade dos europeus de terem "mais Europa" dependerá bastante do modo como eles se aperceberem da eficácia da Europa que já têm. E acho que o Mercado interno é uma das áreas de que os europeus se podem e devem orgulhar. Em especial os britânicos, que muito têm ganho com ele, embora, às vezes, os seus governos pareçam envergonhados em lhes lembrar isso.

Colegas

Dois colegas deixaram-nos há pouco: os embaixadores Favila Vieira e Melo Gouveia. Tinham ambos 82 anos. Desde muito cedo que, na "casa", eu ouvira falar, a colegas mais antigos, do "Favila" e do "Melo Gouveia". Acabei por conhecer o primeiro em Viena, logo em 1976, quando por lá passei "de mala" (isto é, transportando a mala diplomática) e, depois, a espaços, fomos conversando, em encontros fortuitos pelas Necessidades. Melo Gouveia era visto na casa como um homem "do Oriente", por ter andado sucessivamente pela Austrália, pela Tailândia e pelo Japão. Convivemos mais quando regressou definitivamente a Lisboa, em meados dos anos 90. Deixo aqui este registo sentido em sua memória.

Ao tempo em que entrei no Ministério, era possível conhecer praticamente todos os colegas. Às vezes, isso demorava uns anos, porquanto alguns andavam por sítios longínquos e deslocavam-se pouco a Lisboa. Quando isso acontecia, não era raro nós estarmos, pela nossa vez, colocados em postos no estrangeiro. Assim, os desencontros eram frequentes. Mas, um dia ou outro mais tarde, acabávamos por colocar uma cara no seu nome. Isso hoje, porém, é muito difícil de suceder.

Esse escasso conhecimento não obstava, porém, a que, quase sempre, tívessemos uma "opinião" relativamente formada sobre cada colega, fruto de conversas cruzadas, de historietas ouvidas, de elogios ou opiniões menos favoráveis propagadas. Não raramente, com alguma leviandade, ao falarmos de alguém, contribuíamos para espalhar aquela que era a sua imagem "de corredor", quase sempre sem cuidar em confirmar se ela correspondia ou não à realidade. Vim, por vezes, a constatar a existência de alguns falsos "génios" e, frequentemente, a corrigir ideias negativas que me tinham passado sobre outros colegas. 

As "bíblias" em que tradicionalmente assentavam as conversas sobre a carreira eram os "anuários", um eufemismo para designar uma publicação oficial do MNE que só sai "quando o rei faz anos" (e não todos os anos como o nome poderia sugerir), onde figuram as nossas biografias oficiais, com os postos ocupados e as datas das promoções, bem como outros dados sobre a "casa". Já um dia aqui falei dos anuários.

Recordo-me sempre de um embaixador que se comprazia em fazer a leitura crítica do anuário, comentando, página a página, sem grande piedade, o perfil de colegas, alguns dos quais verifiquei que conhecia basicamente "de ouvido". Numa dessas ocasiões, vi-o passar muito rapidamente uma página onde, pela lógica alfabética, estaria a biografia de um colega de quem eu sempre ouvira dizer horrores. Perguntei-lhe por que razão saltara a sequência crítica em que se tinha lançado. Respondeu-me: "Ora essa! Porque é meu amigo..."

quinta-feira, novembro 22, 2012

Bons tempos!

Há minutos, participei na votação que decidiu a atribuição a Astana, capital do Casaquistão, da responsabilidade de organizar a Exposição internacional em 2017. Foram muitos meses de disputa cerrada entre aquela cidade e Liège, com uma imensidão de eventos, desde há mais de um ano, para promoção de ambas as candidaturas.

Ao entrar na cabine para a votação secreta - vi que três ou quatro países levaram para dentro da cabine dois delegados, "just in case"... -, na minha qualidade de representante português no Bureau International des Expositions (outro interessante "chapéu" que também tenho, aqui em Paris), não pude deixar de recordar, desta vez com alguma assumida nostalgia, a nossa "Expo 98".

Foi uma bela aventura, imaginada por António Mega Ferreira e Vasco Graça Moura, lançada nos governos Cavaco Silva e realizada nos governos António Guterres, que permitiu mudar a face da zona oriental de Lisboa e cuja concretização constituiu então um fator de grande prestígio para Portugal e, o que não é despiciendo, funcionou como um elemento de grande orgulho para todos os portugueses.

"Venham mais cinco!"

Nesta grande aldeia portuguesa que é Paris, no Théâtre de la Ville, na noite de ontem, foi homenageado José Afonso, neste ano em que se assinalam os 25 anos da sua morte.

Com uma sala entusiástica e a abarrotar, a música do "Zeca" foi interpretada por diversas vozes, femininas e masculinas, que lhe deram ritmos e entoações novas, assumidas como "herdeiras" de uma expressão musical e poética que diz muito a várias gerações - e já não apenas àquela que testemunhou o 25 de abril, como se evidenciava pela plateia, onde também me cruzei com a emoção de muitos franceses. 

Durante o espetáculo, dei comigo a tentar perceber como, de tributário da canção coimbrã, José Afonso partiu para a recuperação criativa de temas populares portugueses e, a certo passo, assumiu modulações africanas que hoje ressoam a uma imensa modernidade. Neste terreno, torna-se interessante verificar, nos seus poemas, um profundo sentimento anti-colonial, numa época em que poucos ainda enveredavam musicalmente por esses caminhos.

Um abraço de gratidão e parabéns ao Emmanuel Démarcy-Mota, diretor do Théâtre de la Ville, por esta sua magnífica iniciativa. 

quarta-feira, novembro 21, 2012

Saudades de Olrik

Blake & Mortimer voltam à ação, no "Serment des cinq lords", uma trepidante aventura onde os conhecidos personagens de Edgar P. Jacobs renascem, uma vez mais, pela mão de Yves Sente e André Juillard.

Para os muitos adeptos desta sempre infinda série de banda desenhada, que, como eu, a acompanham há décadas, pode dizer-se que este álbum se situa a um nível bastante razoável. A história é interessante e tem um ritmo vivo. Por vezes, o recorte estético de algumas personagens está abaixo do desejável. Devo dizer que o desenho de André Jouillard, nos cinco álbuns que elaborou, continua longe de me convencer.

Uma ausência irá desiludir alguns "habitués": o não aparecimento na ação do coronel Olrik, essa figura "do mal" que, qual Fénix, renasce sempre das cinzas das piores situações, mantendo como seus "queridos inimigos" o cientista Philip Mortimer e o seu inseparável comparsa sir Francis Blake, um aviador reconvertido ao MI5, onde, por misteriosas razões, nunca passou do "ranking" de capitão. Olrik - que curiosamente é coronel, nunca se soube bem onde - é um contraponto que dá graça à ação e que, espero bem!, deverá regressar um dia.

O trabalho de Edgar P. Jacobs iniciou-se em 1945. Ele foi responsável por 13 álbuns, alguns dos quais - como o "Mistério da Grande Pirâmide" ou "A marca amarela" - fazem parte do melhor que a consagrada escola belga da banda desenhada alguma vez produziu. Jacobs morreu em 1987 e, a partir de então, surgiram já nove novos álbuns, de desigual qualidade, assinados por diferentes autores.

Três notas ainda: Blake continua fiel ao vinho do Porto, Mortimer ao whisky e ambos ao cachimbo, fugindo saudavelmente ao antitabagismo "politicamente correto" que está a poluir por aí muita banda desenhada. Digo isto com a autoridade de quem nunca fumou... 

terça-feira, novembro 20, 2012

Agricultura potencial

A França, sem surpresas, é um dos países que mais defende a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia, pretendendo que isso se reflita no seu próximo quadro financeiro plurianual, cujas difíceis negociações estão em curso.

Hoje, o "Le Figaro" traz, num artigo do seu suplemento económico, a seguinte avaliação: "A França conta numerosos aliados, na primeira linha dos quais figuram grandes potências agrícolas como a Polónia, a Espanha, a Irlanda, Portugal ou a Roménia".

Há dias em que o ego de um diplomata incha com o exagero da imprensa. São raros esses dias, diga-se, mas sabem bem.

segunda-feira, novembro 19, 2012

Condecorações

Não faço parte de quantos desprezam as condecorações, assunto de que já aqui falei. Nunca pedi nenhuma e tenho apenas as que, ao longo da minha carreira, entenderam atribuír-me, pelo que, naturalmente, sou grato a quem mas concedeu. Embora, com uma única e honrosa exceção, que está na imagem, tenha a consciência de que quase sempre acabei por recebê-las por razões ex officio

Ontem à noite, numa cerimónia oficial no Mónaco, a que tive de assistir por motivos oficiais, hesitei no uso das condecorações, tendo-me, aliás, divertido nesse exercício, à luz de critérios de afetividade internacional que cada um de nós intimamente segue.

Por regra, não gosto de me exibir muito "medalhado", ao contrário de outros colegas que, com toda a legitimidade, seguem critérios distintos, talvez por considerarem que é seu dever dar público testemunho da simpatia com que outros Estados os distinguiram. Mas, por uma ou duas vezes, fiz uma exceção à minha parcimoniosa regra e "engalanei-me" a preceito.

Numa dessas vezes, há mais de uma década, num baile de gala em Viena, encontrei o comissário europeu para a agricultura, Franz Fischler, creio que no "foyer" do Musikverein. Ambos reluzíamos de placas (aquelas "chapolas" metálicas que, até ao limite de quatro, se usam nas "casacas"), cada um de nós com uma vistosa faixa da nossa melhor "grã-cruz" a atravessar o peito e, no meu caso, com uma bem recheada "barrette" com miniaturas de muitas outras condecorações atribuídas. Olhámos um para o outro, sorrimos da "nossa figura" e ele saiu-se com este belo comentário: "Você já reparou que parecemos dois ditadores em traje de gala, como aqueles que o Hergé desenhava nas aventuras do Tim Tim?". E rimo-nos, porque estas coisas são mais para nos divertirmos e, sempre, muito menos, para levar a sério.

Ontem, antes de colocar qualquer condecoração, lembrei-me da frase que o duque de Edimburgo uma noite disse, num jantar no palácio da Ajuda, ao nosso antigo chefe do protocolo do Estado, embaixador Helder de Mendonça e Cunha, que nesse dia ia ajoujado de placas: "I was afraid you had some in your back too!" 

domingo, novembro 18, 2012

Demasiada memória

Há dias, um amigo dizia-me, levemente crítico, que eu tinha "demasiada memória". Para logo esclarecer: "é que tu lembras-te, às vezes, de certas coisas que mais valia a pena teres esquecido...". Talvez seja verdade. Com frequência, tenho esse tropismo de me recordar de assuntos que outros arquivaram em dossiês de conveniência, que não querem voltar a consultar. Como os leitores deste blogue já se devem ter apercebido, não o faço para visar especificamente ninguém, mas apenas como testemunho de quem acha que, sobre o que conhece, deve tentar "to set the record straight".

Vem isto a propósito de um recente editorial do "Jornal de Angola" que provocou algumas ondas de choque em Portugal, felizmente tratadas já com bom senso e sentido de equilíbrio.

O tema, contudo, fez-me "regressar" a Luanda, aos mais de três anos que por lá passei, entre 1982 e 1986, quando servi na nossa embaixada local. As relações oficiais entre Portugal e Angola eram então muito tensas, fruto da terrível guerra civil que marcava ao quotidiano angolano e da circunstância de certos setores da oposição ao governo de Luanda terem Lisboa como palco privilegiado para a sua afirmação pública. 

A argumentação de que muitos dos titulares das posições do partido do "galo negro", da UNITA, tinham nacionalidade portuguesa e de que, por essa razão, nada os impedia de se reunirem politicamente em Lisboa e daí atacarem, nos nossos media, o governo angolano, não era aceite, porque as autoridades angolanas entendiam que os sucessivos executivos lisboetas tinham o dever político de não permitir a expressão dessas vozes, que davam cobertura a um movimento que combatia, de forma violenta, o poder instalado em Luanda.

Debalde nós tentávamos explicar aos nossos interlocutores locais que a liberdade de imprensa era uma conquista daquele mesmo 25 de abril que abrira caminho à independência angolana e que, no nosso país, nenhuma ideologia, nem nenhum político, estava isento de ácidas críticas, a começar pelos próprios membros dos nossos governos. Mas essa uma "guerra" perdida, nos tempos em que uma certa elite lusitana mantinha um persistente fascínio por Jonas Savimbi, que então organizava os seus "Jamba tours", de onde esses convidados saíam deliciados com tudo o que por lá os deixavam ver, desde logo a começar pelo patético "sinaleiro" (que nos dava um jeitaço, agora, no Marquês!). E ai de quem os tentasse então convencer de que, por detrás da sua suposta bonomia africana, Savimbi era um promotor de atrocidades, hoje bem documentadas e incontroversas. 

À época, os editoriais do "Jornal de Angola" contra Portugal sucediam-se. A embaixada portuguesa em Luanda optara por não reagir, deixando que essa catarse mediática não fosse estimulada por um contraditório que se via como de escassa eficácia. Por isso, líamos matinalmente essas colunas agressivas e, através delas, apenas íamos medindo a febre de acrimónia contra Lisboa, esperando que o tempo a atenuasse, como fe facto acabou por suceder. 

Um dia, vi publicado um texto de rara violência, já não sei bem a propósito de quê. Nele se referia que Portugal, crismado como o "miserável país das caravelas decrépitas" (nunca esqueci esta flor de retórica lusofóbica), era um colonizador frustrado, porque, contrariamente a outros, não deixara em Angola nenhuma herança positiva.

Sem consultar o meu embaixador, tomei a iniciativa de telefonar ao autor do texto, uma pessoa que eu tinha tido ocasião de conhecer pessoalmente, através de amigos angolanos. Era um jornalista e escritor de bastante mérito, nascido em Portugal, creio que em Loures, que vulgarmente usava um pseudónimo que substituía o seu nome português, como então era vulgar em Angola. Disse-lhe que tinha lido o seu texto com interesse e que queria "felicitá-lo" pelo mesmo.

Do lado de lá da linha, a resposta foi a esperada: "Você está a gozar comigo?". Respondi-lhe que não estava e que o texto, cuja liberdade de apreciação sobre Portugal eu não contestava, comportava, contudo, uma evidente contradição, de que ele talvez não se tivesse dado conta, mas que era a única razão do meu telefonema. O meu interlocutor estava cada vez mais perplexo, até pela deliberada cordialidade que atravessava o meu discurso.

Pelo que decidi explicar: "O seu texto, independentemente do conteúdo agressivo contra o meu país - o mesmo, aliás, onde você nasceu -, está extremamente bem escrito e exprime, de forma brilhante, uma leitura crítica face ao comportamento do meu governo. Embora eu não concorde, rigorosamente em nada, com aquilo que escreveu, quero dizer-lhe que entendo que você está no pleníssimo direito de exprimir o que pensa, embora eu imagine o que "por aí iria" se, lá em Lisboa, o "Diário de Notícias", que nem sequer é um jornal oficioso como o seu, se abalançasse a escrever um coisa de natureza similar sobre o governo angolano. Mas não é essa, hoje, a minha questão. O que eu queria sublinhar é que o texto está redigido num português exemplar, numa escrita de grande elegância estilística. Ora você diz, nesse mesmo texto, que nada ficou em Angola de herança lusitana! E essa língua em que você escreve tão bem? É uma herança de quem? Ou será que você é capaz de escrever um editorial em quimbundo, em umbundo ou em chocué, que qualquer angolano que saiba ler possa perceber? E em que língua se publica o "Jornal de Angola"? Que outra língua une hoje Angola? Essa é ou não é uma herança do tempo colonial?".

Já não me recordo da resposta do meu interlocutor, que terá sido, com toda a certeza, inteligente e informada, porque era alguém com uma grande qualidade intelectual e política. Uma figura infelizmente já desaparecida.

Esses tensos tempos na relação entre Luanda e Lisboa já passaram, há muito. O bom senso, o fim dos traumas da era das armas, a afetividade natural entre as gentes dos dois lados, a diluição da crispação que a queda dos muros ideológicos proporcionou e, acima de tudo, a emergência de importantes interesses mútuos, tudo isso conduziu ambos os países a patamares novos de entendimento, assentes num diálogo político construtivo e maduro. Portugal está hoje em Angola com gentes e capitais, tal como Angola participa, com toda a naturalidade, na vida económica portuguesa. Ainda bem que as coisas assim são. Tudo isso tem como corolário inescapável a necessidade do respeito mútuo pelas respetivas instituições nacionais e, em ambos os lados, pela plena liberdade de expressão e de crítica. A mesma liberdade que, a mim, me permite de citar hoje aqui esta historieta, que dedico aos bons amigos que deixei por Angola, alguns que até fazem parte do seu atual governo e que recordo com esta minha "demasiada memória". 

sábado, novembro 17, 2012

As novas fronteiras

Na passada sexta-feira, almocei com o "maire" de Hendaye, que foi o amável anfitrião do encontro de que já aqui falei, dedicado à imigração portuguesa em França. Referi-lhe a minha surpresa pelo facto de, nos últimos anos, de cada vez que visitava a sua região, notar uma presença crescente dos sinais da cultura basca. Perguntei-lhe quando é que essa tendência se impusera, porque conhecia aquela zona desde os anos 60 do século passado e nunca me tinha apercebido de algo que fosse nesse sentido.

A sua resposta foi esclarecedora e trouxe-me novos dados. Disse-me que essa evolução datava apenas dos anos 90, mas que tivera uma adesão e um crescimento tal que, por exemplo - e esta foi, confesso, a minha grande surpresa - a primeira língua em que são educadas as crianças da região é hoje a língua basca e, só depois, a língua francesa. Televisão, rádios, editoras e jornais em basco estão hoje em franca expansão, havendo uma crescente coordenação transfronteiriça entre municípios, franceses e espanhóis, com rotatividade de chefia, que abrange cada vez mais áreas de uma administração comum. 

Se olharmos para o que se passa na Catalunha, se pensarmos no referendo que irá ter lugar na Escócia, associando tudo isto a casos como esta área transnacional de cultura basca - e outros exemplos existem por essa Europa fora -, não estaremos a caminho de um novo paradigma de poderes na Europa? E como vai ser possível compatibilizar as representações dos Estados com a emergência, precisamente porque têm muito diferente natureza e capacidade de afirmação, de novos e criativos poderes regionais europeus? Qual irá ser a evolução e a importância, face às instituições existentes, do Comité das Regiões, no seio da União Europeia do futuro?

Gaza na Europa

A União Europeia, a espaços, "faz peito" e, da sua trincheira verbal bruxelense, lança avisos graves ao mundo, aquando de conflitos que sabe que são mais ou menos remotos para os interesses e compromissos relevantes dos seus Estados membros.

Nos outros casos, como hoje ocorre a propósito dos acontecimentos em Gaza, quando têm a antecipada certeza de que cada um joga para o seu lado, os esforçados redatores do Justus Lipsius, ancorados na sólida cultura de ambiguidade estilística que, com mérito indiscutível, lhes vai construindo a profissão, elaboram habilidosos textos que disfarçam as divergências, feitos de palavras como "inquietação", "contenção", "proteção das populações civis", "apelo ao diálogo" e outras platitudes que mais não são do que um retrato da eterna impotência europeia no mercado político do Médio Oriente.

Há pouco mais de um ano, por ocasião da votação da adesão da Palestina à UNESCO, cinco Estados membros da União Europeia (onde se destaca a Alemanha) opuseram-se a essa entrada. Onze países da União (entre os quais a França e a Espanha) foram a favor dessa adesão. Na ocasião, nove outros (com relevo para o Reino Unido, a Itália e a Polónia, com Portugal no grupo) decidiram abster-se.

Perante este significativo panorama, alguém, de bom-senso, pode levar a sério uma qualquer tomada de posição em nome da União Europeia sobre o que hoje se passa em Gaza, a qual, nem pelo facto de poder ser coletiva, deixa tudo a desejar em termos do que significa poder ter uma natureza comum? Será que passa pela cabeça de alguém, em Bruxelas, que esse texto será lido em Tel-Aviv?   

sexta-feira, novembro 16, 2012

Hendaye

Meio século de imigração portuguesa em França esteve ontem em análise num colóquio realizado em Hendaye, graças ao entusiasmo dessa "força da natureza" que é Manuel Dias - a principal figura que, aqui em França, tem pugnado pela preservação da memória de Aristides de Sousa Mendes. A cidade de Hendaye foi, e bem, o local escolhido para esta evocação, porque foi a porta da França para as imensas vagas de trabalhadores portugueses desses primeiros tempos.

O dia foi preenchido com diversos painéis temáticos, todos com uma qualidade de exposição muito rara. Historiadores, jornalistas, sociólogos e outros especialistas trouxeram dados e interpretações com imenso interesse, que espero seja possível coligir rapidamente em livro. Numa ou outra intervenção, como não podia deixar de ser, aflorou a memória emocionada de quantos fizeram parte dessa imensa aventura. Alguém lembrou, a certa altura, a história de um português que, como única referência identificativa do local para onde pretendia ir, exibia uma folha de papel onde tinha escrito "São Pinhi" - transcrição fonética que identificava o "bidonville" de Champigny, nos arredores de Paris, onde eventualmente o esperava algum conterrâneo.

Uma bela exposição do fotógrafo Gabriel Martinez, sob o título "Sala de espera", mostrou-nos, paralelamente, muitas imagens do ambiente vivido nesses anos 60, na estação ferroviária de Hendaye, um local por onde passou muita da esperança e da tragédia de um Portugal obrigado a emigrar.

Sei que muitos cidadãos de origem portuguesa, hoje residentes em França, convivem menos bem com a reiteração sistemática das evocações desses tempos a-preto-e-branco, que já não acham muita "graça" a este tipo de exposições, porque temem que, eventualmente, isso possa prolongar no imaginário francês um certo esteriótipo dos portugueses, desses tempos menos áureos da dificuldade e de miséria. Mas também devo compreender o sentimento de quantos teimam em preservar e mostrar esses documentos, testemunhos desses olhares rurais lusitanos, perdidos na incerteza, à chegada a uma terra estranha, uma geração a quem o país negava o futuro.

Amanhã, que cores ilustrarão os tempos de hoje?

Em tempo: a este propósito, a Lusa reproduz hoje algo que eu disse sobre este tema.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...