quinta-feira, setembro 15, 2011

Googlisboetas

Cada vez tenho mais simpatia pelo Google.

Origens

Desde há uns meses, a Renault tem como seu diretor-geral delegado, correspondente a nº 2 da empresa, mas a quem cabe a gestão executiva, o português Carlos Tavares, um reputado quadro internacional, vindo da indústria automóvel americana.

A revista económica "Challenges" dedica-lhe hoje quase duas páginas, desenhando o seu perfil e entrevistando-o sobre o que pretende vir a fazer naquela que é uma das "jóias" identitárias da indústria francesa, recentemente abalada por alguns problemas.

No passado, quando o nome de Carlos Ghosn, o PDG da Renault, era citado na "Challenges", recordo-me de aparecer uma frequente referência à sua nacionalidade brasileira. Agora, ao falar-se de Carlos Tavares, um homem que sei que tem grande orgulho nas suas origens lusitanas, nem uma palavra sobre o país e a cultura de onde é oriundo.

Curioso, não é? Tanto mais que Carlos Tavares, como bem sabemos, está longe de ser o primeiro português a trabalhar na Renault...

Euro

A declaração franco-alemã, segundo a qual o futuro da Grécia é na zona euro, reveste-se de grande significado. 

A contrario, e a olhar para o comportamento dos mercados, talvez se pudesse também dizer que o futuro da zona euro está na Grécia. 

Sem ironias, e cada vez mais, hoje somos todos gregos.

quarta-feira, setembro 14, 2011

Razão

Mário Soares olhou, um tanto surpreendido, para o homem. Não percebera o que ele queria significar ao afirmar:

- O senhor é que tinha razão. Eu não acreditei.

O português, empregado do restaurante onde ontem jantávamos, acrescentou:

- Em 1973, quando o servia num almoço por aqui, perguntei-lhe se aquilo, lá por Portugal, ia mudar. O senhor disse-me que não tardaria muito. Tinha razão. Mas, na altura, não fiquei convencido. Ando há anos para lhe dizer isto.

terça-feira, setembro 13, 2011

Richard Hamilton (1922-2011)

Lágrima "pop" por Hamilton.

Ouvi bem?

Leio na imprensa, nesta madrugada, que o comissário europeu de nacionalidade alemã teria sugerido que as bandeiras dos países membros endividados fossem colocadas a meia-haste. 

Independentemente de outras razões bem ponderosas que justificariam que certos países mantivessem a sua bandeira a meia haste, pode presumir-se que a sugestão possa ter efeitos retroativos - isto é, que assim se recorde todos os países que, em 2003, violaram os limites do défice público previstos no "pacto de estabilidade e crescimento" e que, desta forma, iniciaram o processo de fragilização de todo o sistema.

segunda-feira, setembro 12, 2011

Memória

Era uma senhora de 67 anos. Fui-lhe apresentado no sábado à noite, na baixa Normandia.

Disse-lhe: "Lembro-me de si a passear de motocicleta, em Clermont-Ferrand".

"Mas eu nunca vivi em Clermont-Ferrand!", respondeu-me, amável.

"Pois não! Mas passeou por lá, de motocicleta. Ou não?"

Reação, alguns segundos depois: "Ah! no filme?!" e fez um largo sorriso: "Que simpático! Ainda se lembra?"

Era Marie-Christine Barrault, que tinha acabado de declamar uma bela seleção de textos, a ilustrar a peça musical "Carnaval des Animaux", de Saint-Saenz, num magnífico festival cultural, numa zona rural, perto de Alençon.

Em 1969, no seu primeiro filme, aos 25 anos, protagonizou uma cena inesquecível do cinema da "Nouvelle Vague" francesa, o "Ma nuit chez Maud". Depois disso, teve uma carreira muito diversa. Repetiu Rohmer, por exemplo, no delicioso "L'amour l'après-midi" (que inspirou a frase de um amigo meu: "mais vale à tarde do que nunca!"), fez o já histórico "Cousin, cousine", esteve no "Stardust Memories", de Woody Allen, e até em "Le soulier de satin", de Manoel de Oliveira.

Foi um prazer cruzar a memória com a vida, ainda que cinematograficamente virtual. E lá bebi, com Marie-Christine Barrault, uma cidra normanda, saudando esses tempos. 

Presenças

Colóquio, esta manhã, na prestigiosa e prestigiada École Nationale d'Administration (ENA), sobre o "triângulo de Weimar". Oradores anunciados, entre outros: Alexandre Kwasniewski, antigo presidente polaco; Hans-Dietrich Genscher, antigo MNE alemão; Tadeusz Mazowiecki, antigo PM polaco, Hubert Védrine, antigo MNE francês, Hanna Suchoka, antiga PM polaca. Nenhum destes oradores apareceu.

Onde é que eu já vi isto?

sábado, setembro 10, 2011

11 de setembro

Nestes que foram os dez anos passados sobre o 11 de setembro, e porque vivi então a data em Nova Iorque, quando aí era embaixador português junto da ONU, fui chamado a dar testemunhos em diversos jornais, rádios e televisões. 

Não procurei ser original, até porque há muito que sedimentei aquilo que penso sobre o que se passou nessa data e no que se lhe sucedeu.  

Correndo o risco de ser repetitivo, e para quem possa estar interessado, deixo "links" para três textos: aqui, ali e acolá. Hoje, escrevi no "Correio da Manhã" isto.

Mas é isto é o que eu gosto de recordar de Nova Iorque, com um abraço aos amigos que por lá deixei.

sexta-feira, setembro 09, 2011

Encontro

- Já não se lembra de mim?! Pudera! Com a vida que tem...

Era um homem pequeno, magro, de olhar penetrante, tenso, um sorriso que não era mais que um esgar. Tinha-se aproximado pela rua, aos zigzags, e agora, no passeio, travava-me o passo.

Costumo ter boa memória visual, mas, por mais que me esforçasse, não me recordava dele. Podia ser que com o fluir da conversa...

- É natural que já se tenha esquecido de mim. Passou já tanto tempo. Mas eu não esqueço aquelas palavras simpáticas que, há anos, me dirigiu, sobre o meu trabalho. Ficaram-me para sempre.

Que teria eu dito? Continuava mudo, encurralado no passeio estreito, com os carros à disparada, a impedir um início de retirada. O meu esquecimento seria da idade? É que continuava sem me lembrar de nada. O que já me incomodava.

- Pois eu, depois de ter por lá andado - bons tempos! -, tive uma vida muito complicada. Traições, sabe? Não se pode confiar em ninguém.

Onde é que teria sido o "lá" onde ambos nos tínhamos, ao que parece, encontrado? Sem nomes, relatou invejas que o tinham prejudicado, perseguições de que fora vítima, uma carreira profissional arruinada. Até a família! Tudo tinha corrido mal.  Estava no desemprego.

Por essa altura, eu tinha passado aquele limiar temporal em que já me não era possível, com decência, perguntar quem ele era, onde nos conhecêramos, o que realmente fazia ou fez. O discurso do homem, culto e rico na expressão, revelava-me alguém bem preparado, mas, igualmente, uma personalidade abalada, perturbada. Continuava a acreditar que, por uma qualquer referência que acabasse por surgir, ainda ia "agarrar" a origem da figura e ligá-la a uma circunstância que me fosse comum.

Informou-me que lhe aparecera uma oportunidade para dar aulas. Começava na semana seguinte. E, algo críptico, acrescentou:

- O problema vai ser aguentar até lá.

Crendo ter vislumbrado uma escapatória, peguei na palavra, porque até então não tivera espaço para qualquer deixa, e disse-lhe que, se essa oportunidade se abria, seria apenas uma questão de tempo até pôr a sua vida em ordem. E adiantei umas platitudes de sala de espera de médico, como "o mundo dá tantas voltas" ou "sabe-se lá o dia de amanhã" ou "vai ver que tudo acabará por correr bem".

Vi, com alívio, que o meu interlocutor concordava, assentindo com a cabeça.

- Tem toda a razão, disse. Mas há-de concordar que é dificil, como no meu caso, estar sem comer quase há 24 horas. Mas vou aguentar! Não se preocupe...

Aí, fraquejei. Levei a mão à carteira e preparava-me para tirar uma nota, quando ele reagiu:

- Não, não! Nem pense nisso! Não junte uma humilhação mais àquelas por que tenho passado. Nunca perdoaria que o meu amigo ficasse com uma má impressão de mim. Posso ter fome, mas tenho a minha dignidade e, em especial, quero conservar a minha imagem. Como lhe disse, nunca esqueci as suas palavras. Basta-me isso! Eu cá aguentarei...

A cena invertera-se. Ele estóico, eu a pedir-lhe que aceitasse, dada a situação em que estava, uma simples nota para aconchegar o estómago. Não tinha nada a ver com humilhação ou dignidade, disse-lhe. Eu tinha muito gosto...

A relutância do homem começou a esbater-se. Condescendente, lá cedeu:

- Bom, se o meu amigo quer mesmo fazer-me esse favor, eu posso aceitar. Mas com uma condição! Isso é imperativo! Sem ela, não aceito! O meu amigo vai dar-me o seu endereço, para eu lhe enviar, logo que receber o primeiro salário da escola, aquilo que agora faz o favor de adiantar-me. Tenha paciência! Isso não dispenso! Nem eu aceito esmolas nem o meu amigo, pessoa que muito admiro, alguma vez seria tentado a dar-mas. Eu conheço-o!

Concordei, claro, "flattered" e aliviado com afastamento da suspeita de que eu pudesse ousar dar-lhe uma esmola. E lá lhe avancei alguns euros, acompanhados de um cartão pessoal. Sei lá porquê, senti-me aliviado. Parecia que o homem me acabara de fazer um favor. Na verdade, eu estava grato por ter recuperado a minha "liberdade", saído daquela conversa tão intensa. E lá se foi ele, rua abaixo.

Já passaram alguns meses, nunca mais tive notícias, claro. Quem seria o homem? Teria ele a menor ideia de quem eu era, antes de ter visto o meu nome no cartão?

quinta-feira, setembro 08, 2011

Apaches

É muito simpático ler, num novo blogue onde preponderam profissionais da palavra escrita, coisas simpáticas sobre este nosso espaço.

Muito obrigado ao "Forte Apache", nestes seus primeiros dias, com sinceros votos de bom trabalho na blogosfera. Nestes tempos que o bom senso aconselha a que sejam "de bonne guerre", é de esperar que possam contar com Cochise... 

Táticas

Já estou a imaginar o preço que vou pagar por este post! Mas vou arriscar.

Hoje, numa conversa, e a propósito de um filme, veio à baila a relação entre o futebol e as mulheres. E surgiu a ideia que pode haver uma clara homologia entre táticas que lhes respeitem. 

(Advirto que só deve continuar a ler este post quem saiba alguma coisa de futebol e de mulheres. Ou, para ser menos ambicioso, quem saiba alguma coisa de futebol).

No futebol, há algumas equipas que têm como típica caraterística deixarem a posse de bola ao adversário. Para os observadores menos avisados, em especial para quantos olham para as estatísticas que a televisão revela em termos quantitativos, uma equipa que demonstre elevada percentagem de posse de bola - isto é, do tempo em que a bola se mantém nos pés dos seus jogadores - revela um domínio efetivo sobre a outra equipa e, em princípio, tem mais oportunidades para ganhar o jogo. Ora a experiência mostra que, muitas vezes, o tempo de posse de bola acaba por ser um indicador bastante enganoso: não raramente, que anda muito tempo com a bola nos pés, dando ideia de dominar completamente o jogo, acaba por ser derrotado. Porquê? Porque há uma tática futebolistica que consiste em dar oportunidade à outra equipa de ter a ilusória ideia de que controla o jogo, "entragando-lhe" a gestão da partida, quando, na realidade, continua a deter os "cordelinhos" essenciais da mesma.

Mas que diabo tem isto a ver com as mulheres? Tudo. Conheço casais em que o marido parece conceder todo o espaço à sua cara-metade, em que esta gere a coreografia social de afirmação exterior do casal, num aparente desequilíbrio, que, às vezes, chega a ter laivos de algum masoquismo. Porém, uma análise mais fina e em "séries" de observação mais longas dá conta de que quem verdadeiramente controla o casal acaba por ser o homem, o qual, apagado numa aparente modéstia, e sujeito até a um "downgrading" público ostensivo, acaba, na realidade, por ser o decisivo "mastermind" da equação matrimonial. Tenho exemplos de alguns casais que funcionam neste registo e, diga-se, tenho a sensação que os homens que o assumem acabam até por se sentirem muito felizes.

Tinha eu contado isto a uma pessoa, pensando ter "descoberto a pólvora", quando ela me adianta: e o contrário? E quando são os homens quem julga controlar o jogo? Fiquei perplexo. Vou rever esta tese "tática"...

quarta-feira, setembro 07, 2011

Jornalismo televisivo

Hoje, durante a hora de almoço, "zappei" entre os telejornais da RTP e da SIC. Em cerca de 45 minutos deste exercício, apenas as palavras de Lula da Silva deixaram um leve registo de otimismo. Os telejornais portugueses, antes de chegar a sua hora gloriosa do desporto, são construídos em torno de uma agenda quase exclusivamente negativa, seja no plano nacional, seja no quadro internacional. Às vezes, a medo e a contra-ciclo, lá surge uma nota sobre uma iniciativa pontual positiva, quase sempre como contraponto a uma circunstância negativa.

É verdade que há cortes orçamentais, que os preços sobem, que há mais desemprego, que há empresas a encerrar, escolas e hospitais com problemas, ameaças de greve, incêndios, desastres nas estradas. E que, no estrangeiro, há bolsas a cair, bombas a explodir, guerras, inundações, cataclismos e outras maleitas, feitas pelo destino ou pelos homens. Mas não haverá, de facto, mais nada? 

Por que será que, quando observo telejornais da França, da Espanha, do Reino Unido ou dos Estados Unidos, onde também há crise, nunca encontro nada que se pareça com este obsessivo tropismo para a tragédia, para apenas sublinhar o que corre mal, para a criteriosa escolha, como comentadores, de aves agoirentas que apenas prenunciam dias piores? Num tempo em que as coisas são difíceis para os portugueses, não seria importante - eu sei que não se usa, mas arrisco: e patriótico - que a comunicação social ajudasse a "puxar" pela nossa auto-estima, por aquilo que corre bem, pelos efeitos positivos que se esperam dos esforços coletivos que estão a ser feitos, pelas empresas que estão a tentar firmar-se no mercado internacional, pelos saltos na investigação científica, pelo muito que tantos estão a fazer para que o país ande para a frente? Ou será que existe uma censura, nas redações televisivas, para evitar publicitar as coisas positivas?

Como embaixador de Portugal, confesso a minha revolta pela imagem que as televisões portuguesas, na tabloidização medíocre em que caiu grande parte da sua informação, transmite do nosso país às nossas comunidades pelo mundo. 

Agora volto a perceber melhor aquilo que um dia, ouvi a uma criança, filha de portugueses residentes na Suíça, a quem perguntavam o que gostava mais de ver na TV:  "os desastres". Com um jornalismo televisivo deste quilate, estamos a criar uma cultura geracional de depressão.

terça-feira, setembro 06, 2011

O Arnaldinho

Tínhamos convidado aquele jovem casal brasileiro para jantar, em nossa casa, em Oslo, nesse início dos anos 80. Ele era um diplomata que, numa situação transitória, viera fazer uma "encarregatura de negócios" - isto é, substituir o embaixador - à Noruega, por alguns meses. A mulher e filho haviam-se-lhe juntado, por algumas semanas. Perguntaram se podiam trazer a criança, porque não tinham com quem a deixar. Dissémos que sim, naturalmente.

Eram pessoas muito simpáticas mas, desde o primeiro segundo, percebeu-se que a criança, o Arnaldinho, aí com uns três anos, era uma figura incontrolada na família. Logo após a chegada, desapareceu sozinho pela casa, sob o olhar benevolente dos pais, entrando e saindo, numa infernal correria, de todas as dependências. Na sala, preocupado com os efeitos dessa peregrinação turbulenta por um apartamento não preparado para agitação infantil, ousei perguntar se não seria melhor mantermos o Arnaldinho por ali. Temi - e, mais tarde vim a verificar, com razão - por um puzzle de milhares de peças com que entretinha parte das noites longas, no meu escritório. A custo, percebendo a minha preocupação, o pai lá se decidiu a ir procurar o Arnaldinho. Que chegou, puxado pelo braço, para se sentar junto de nós.

Alguns bibelots que estavam sobre a mesa da sala concitaram, segundos depois, a atenção do Arnaldinho, que se pôs a brincar com umas delicadas peças de cristal. Os pais, esses, sorridentes, mantinham uma serenidade total. A certa altura, não me contive:

- Arnaldinho, não mexa nessas peças, por favor.

A mãe do Arnaldinho lançou-me um olhar onde se lia alguma leve reprovação pelo meu comentário repressivo, aparentemente por estar a limitar a liberdade da criança, que, por acaso, nada tinha partido. Ainda. O pai foi um pouco mais sensível e repercutiu, docemente, o meu alerta:

- Você não toca nessas coisas, querido.

Encolhido num canto do sofá, os olhos do Arnaldinho estudavam opções ofensivas. E logo brilharam ao ver uma taça com cerca de uma dúzia de ovos pintados à mão, uma compra feita, meses antes, em Praga. Eu, nervoso e distraído da conversa, seguia o Arnaldinho pelo canto do olho. A sua mão sapuda avançou então para um desses ovos, agarrou-o, olhou-o e esmagou-o sobre o tampo da mesa, espalhando a casca pintada.

Fiquei furibundo por dentro. Não eram peças muito valiosas, mas eram objetos de artesanato que, meses antes, havíamos trazido bem acondicionados, de carro, durante milhares de quilómetros. Vê-las desaparecer por uma destruição gratuita excedia a minha paciência. O pai do Arnaldinho teve então a reação máxima que, aparentemente, o estatuto da sua autoridade sobre a criança permitia:

- Arnaldinho, não faz isso! Então partiu o ovo!? Não vai partir outro, não?

O Arnaldinho tomou o remoque como um incentivo e a pergunta como um desafio. E, claro, avançou, não para um mas para dois outros ovos, que tiveram idêntico destino.

A mãe, "cool", sorriu. O pai "reagiu":

- Arnaldinho! Arnaldinho! Não parte mais nenhum ovo, está bem? Senão papai zanga-se!

Se ia partir, não partiu. Voei para o Arnaldinho, icei-o pelos braços para o canto oposto do sofá e, num silêncio pesado que por segundos se fez na sala, coloquei a taça de ovos e todos os bibelots que pressenti pudessem ser alvo da sua ação destruidora na prateleira mais alta de um móvel que estava em frente. As mesas ficaram tristemente desertas de decoração. O Arnaldinho ficou especado, sem "targets". E os nossos convidados, surpreendidos pelo meu afirmativo "preemptive strike", ficaram, em absoluto, sem graça.

- Então?! E o que bebem?, perguntei, já com pena dos copos. 

E, nem sei como, lá se passou mais um jantar... diplomático. Por onde andará o Arnaldinho? Hoje, dia nacional do Brasil, lembrei-me dele.

Livros efémeros

É muito significativa a lista de livros, subscritos por figuras da cena política francesa, que surgem nesta "rentrée". A aproximação das eleições presidenciais, bem como o cumprimento de um ritual que aqui, historicamente, como que "obriga" algumas personalidades, em especial na oposição, a revelarem as suas ideias de forma encadernada, conduz a esta abundância de publicações. Quase sempre, trata-se de obras de natureza conjuntural, que raramente ultrapassam as 200 páginas a letra larga. Cumprida a sua função de intervenção política imediata, estes trabalhos desatualizam-se semanas depois e, com certa rapidez, logo desaparecem dos escaparates.

Os analistas da coisa política dão, quase sempre, escassa importância a este tipo de obras, tidas como meros instrumentos de propaganda. Outros, porém, cuidam em tentar perceber se os textos são ou não redigidos pelos titulares do livros, sabendo que muitos não têm propensão para a escrita ou sequer tempo para tal. Mas o iniludível estilo e conhecida capacidade de escrita de alguns dos autores também faz destacar quem assina o que verdadeiramente escreve e não usa "nègres" (como aqui se diz) para essa tarefa. Por mim, devo dizer que, desde há muito, já aprendi a distinguir o trigo do... outro trigo.

segunda-feira, setembro 05, 2011

Europa financeira

Tive hoje o ensejo de ouvir falar o atual e o futuro presidentes do Banco central europeu, respetivamente Jean-Claude Trichet e Mario Draghi. Confirmei uma vez mais a perceção, que desde há vários anos tenho vindo a criar, de que existe hoje uma espécie de "template" ideológico em matéria financeira, que marca a quase generalidade das personalidades com responsabilidades europeias no setor. 

O que me parece haver de flagrantemente novo nessa cultura comum, dentro da qual subsistem algumas sensibilidades pontuais derivadas da origem nacional das figuras, é o facto de, nestes tempos mais recentes, se ter fixado uma muito alargada comunhão na ideia de que se torna imperativo um salto político federal europeu para a sustentação do espaço monetário do euro.

Quem havia de dizer que seria a Europa financeira a "puxar" pela Europa política!

domingo, setembro 04, 2011

Festas

A "Festa do Avante", que teve lugar este fim de semana em Lisboa, segue o modelo da francesa "Fête de l'Humanité" (criada em 1930), que também inspirou a italiana "Festa dell'Unità" (criada em 1945 e que durou até 1991). Originalmente destinadas a coletar dinheiro para os jornais oficiais dos respetivos partidos comunistas, acabam hoje por ser importantes fontes de financiamento partidário.

As festas portuguesa e francesa são considerados dos maiores eventos do género em toda a Europa. A sua assistência foi sempre muito para além das pessoas ligadas às forças políticas que pretendem apoiar, tendo hoje uma forte população jovem. Em ambos os países, os espetáculos musicais que apresentam, bem como algumas outras iniciativas culturais, atraem uma público heterogéneo. Para além, convém não esquecer, das tasquinhas e lojas regionais, onde se come muito bem e se encontram excelentes produtos. Quem para aí estiver virado, até pode ouvir falar de política...

Estive numa "Fête de l'Huma" (como aqui se designa), em 1980, numa passagem por Paris. Recordo ter por lá comprado um excelente presunto de Auvergne, que levei para a Noruega, onde então vivia, bem como a primeira edição brasileira, hoje rara, de "A Questão Agrária em Portugal", um livro de Álvaro Cunhal, de 1968.

Em Portugal, fui à primeira Festa do Avante, realizada na FIL, em 1976. Creio que em 1978, voltei à festa, então no Jamor. E, em 1986, recordo-me de ter estado numa edição na Ajuda. Nunca fui ao local onde a festa hoje tem lugar, na Atalaia.

Achei sempre muito interessante passear por essas festas comunistas, que são retratos sociológicos impressivos de um mundo muito especial, feito de histórias, de lutas, de mitos, de ilusões e de realidades muito duras. Não me recordo de, em alguma das visitas, ter assistido a nenhum comício político. No caso português, sempre aproveitei as ocasiões para equipar a minha (agora) imbatível coleção de discos de música portuguesa de inspiração política, dos "anos da brasa" de 1974/75, bem como para obter alguns livros em falta. E, também sempre, para me encher de poeira e cansaço, o que me não entusiasma a repetir a experiência no futuro.

Da festa no Jamor, quando a Revolução portuguesa estava ainda "fresca", tenho na memória uma cena passada no stand transmontano onde, naturalmente, fiz questão de ir jantar. Estava eu por lá entretido a degustar uma alheira com um razoável tinto da região quando vi aproximar-se um velho colega de escola primária, de Vila Real, que eu sabia "responsável" do PCP local. Mostrando-se um pouco surpreendido com a minha presença, e suspeitando-me - e bem! - como simples "turista político", fez-me a seguinte, mas algo sofisticada, pergunta: "Vieste cá por vir ou vieste porque devias vir?". Saiu-me esta resposta: "Olha! Eu vim porque me apeteceu. E tu?". Não me recordo se me respondeu. Com as voltas que o mundo comunista entretanto deu, tenho a impressão que ele já por lá não andou este ano.

sábado, setembro 03, 2011

Notas de fim de semana

1. É muito bem escrita, como sempre, a crónica de ontem de Ferreira Fernandes, no "Diário de Notícias". Esta é sobre o estilo de discurso do professor Vitor Gaspar, o novo ministro das Finanças. Já conhecia o tempo e modo desse estilo quando, há já bastantes anos, fiz com ele parte de um júri, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O que a mim mais me impressiona, na forma da sua expressão, que agora é algo de verdadeiramente inédito na política portuguesa, é o ritmo desarmante que sustenta, impávido, perante os estímulos provocatórios dos interlocutores. 

2. Sei que vai chocar algumas pessoas que se diga isto. Mas a revolução líbia só ficará consagrada, na plenitude das suas credenciais de tolerância, no dia em que puder haver rádios, jornais e partidos políticos que critiquem abertamente, sem sentirem o medo de quaisquer represálias, as novas autoridades, ainda que transitórias, que vierem a assumir o poder em Tripoli. E isto, claro, antes de quaisquer eleições.

3. Recomendo vivamente o texto (não tem link livre) de Pedro Mexia, no "Expresso" de ontem, intitulado "Os Alfonsos Guerras". E, mais ainda, recomendo o já antigo livro de Jorge Semprún, que serve de pretexto à crónica - "Frederico Sanchez vous salue bien" -, no qual ele conta a sua experiência de homem do mundo da cultura inserido na política. Só não o recomendo a Francisco José Viegas porque sei que ele já leu tudo.

4. É excelente a notícia de que os trabalhos fotográficos de Gérard Castello-Lopes, de cerca de meio século de atividade, vão ser apresentados no novo Centro Cultural Gulbenkian, em Paris, em abril de 2012. A partir de última semana de outubro, a Gulbenkian de Paris abandonará as instalações da avenue d'Iéna e passará a estar aberta num prédio no boulevard de La Tour-Maubourg.

sexta-feira, setembro 02, 2011

O regresso de Monsieur Morisi




Num café de Montreuil, nos arredores de Paris, a surpresa foi imensa, nesses últimos dias de abril de 1974. As imagens que a televisão trazia da "révolution des oeillets", que, à época, marcava a atualidade portuguesa em França, mostravam a chegada triunfal ao aeroporto de Lisboa de um homem de cabelos brancos, gabardine parda, olhar firme e determinado:

- "Mais c'est Monsieur Morisi!", exclamaram, surpreendidos, alguns clientes.

Era Álvaro Cunhal, o líder histórico dos comunistas portugueses, que tinha vivido clandestinamente em Montreuil nos últimos anos antes do 25 de abril, quando muitos achavam que essa figura mítica se encontrava em Moscovo ou em Praga. Para a vizinhança, ele era apenas o discreto "M. Morisi", como ontem me contou o deputado Jean-Pierre Brard, que foi "maire" da localidade e que, como militante comunista, conheceu pessoalmente Cunhal. 

Está ainda por fazer, de forma organizada e não sectária, a história do papel desempenhado pela França como terra de acolhimento dos exilados portugueses durante a ditadura. Neste tempo de "Festa do Avante", que tanto diz aos militantes comunistas portugueses, aqui fica esta pequena nota, dos tempos de um certo "M. Morisi". 

quinta-feira, setembro 01, 2011

Na hora da Líbia

Em 1 de Setembro de 1969, um grupo de militares chefiados por Mouammar Kadafhi tomava o poder na Líbia. 

Em 1 de Setembro de 2011, a comunidade internacional acolheu, em Paris, os novos dirigentes líbios, numa Conferência onde ecoaram todas as boas vontades para ajudar o novo regime a consagrar um futuro de paz e democracia para o seu povo.  

Portugal, que chefia nas Nações Unidas o "comité de sanções" que ajudou a isolar o regime de Kadafhi e que, no respetivo Conselho de Segurança, deu o seu apoio à resolução 1973, esteve presente nesta Conferência através do chefe do seu governo e do chefe da sua diplomacia. Somos um país com uma ativa política mediterrânica, com uma forte presença económica na Líbia desde há várias décadas e pensamos que a continuidade empenhada nesses laços bilaterais é a melhor forma de, à nossa maneira, contribuirmos para o regresso à normalidade do país.

A nova revolução líbia está praticamente concluída. Agora, é preciso reconstruir o Estado, num país onde o peso tribal e as tensões históricas entre a Tripolitânia e a Cirenaica colocam algumas interrogações. A Líbia não tem grande população, tem uma relativa homogeneidade étnica e religiosa, dispõe de quadros técnicos preparados e, o que é fundamental para ancorar qualquer processo de desenvolvimento, possui importantes recursos naturais. É decisivo que, sobre as feridas de uma guerra que foi muito violenta, se afirme rapidamente uma vontade de reconciliação e de pacificação interna, sob a égide dos novos dirigentes. Recorde-se que a mobilização da comunidade internacional foi feita com o único objetivo de criar condições para uma Líbia democrática e tolerante.

O rápido termo da violência no país, assente num processo intenso de desarmamento e desmobilização dos combatentes, é a chave para o sucesso da nova Líbia. A Europa, que esteve no centro da ação militar que muito contribuiu para a vitória dos rebeldes líbios, não pode dar-se ao luxo de assistir a que um novo ciclo de violência e morte se suceda a esta aplaudida revolução. A Líbia não deve converter-se no Iraque da Europa.

Que tropa!

A ideia de que o serviço militar poderia vir a ser uma tarefa para expiar delitos cometidos é tão absurda que se torna muito estranho que ha...