segunda-feira, setembro 12, 2011

Memória


Era uma senhora de 67 anos. Fui-lhe apresentado no sábado à noite, na baixa Normandia. 

Disse-lhe: "Lembro-me de si a passear de motocicleta, em Clermont-Ferrand". 

"Mas eu nunca vivi em Clermont-Ferrand!", respondeu-me, amável. 

"Pois não! Mas passeou por lá, de motocicleta. Ou não?" 

Reação, alguns segundos depois: "Ah! no filme?!" e fez um largo sorriso: "Que simpático! Ainda se lembra?" 

Era Marie-Christine Barrault, que tinha acabado de declamar uma bela seleção de textos, a ilustrar a peça musical "Carnaval des Animaux", de Saint-Saenz, num magnífico festival cultural, numa zona rural, perto de Alençon.

Em 1969, no seu primeiro filme, aos 25 anos, protagonizou uma cena inesquecível do cinema da "Nouvelle Vague" francesa, o "Ma nuit chez Maud". Depois disso, teve uma carreira muito diversa. Repetiu Rohmer, por exemplo, no delicioso "L'amour l'après-midi" (que inspirou a frase de um amigo meu: "mais vale à tarde do que nunca!"), fez o já histórico "Cousin, cousine", esteve no "Stardust Memories", de Woody Allen, e até em "Le soulier de satin", de Manoel de Oliveira.

Foi um prazer cruzar a memória com a vida, ainda que cinematograficamente virtual. E lá bebi, com Marie-Christine Barrault, uma cidra normanda, saudando esses tempos.

6 comentários:

Anónimo disse...

A propósito de motocicleta, na foto, parece mais um “solex” de agradável memória.

Isabel Seixas disse...

"Foi um prazer cruzar a memória com a vida"In FSC

A expressão é de todo bonita e muito interessante.

Também interessante é o enigmatismo de seleção que rodeia e conserva memórias intemporais...
Indivisivel.

Cunha Ribeiro disse...

Subscrevo Isabel Seixas: " Bela frase".
Mas isso fez-me pensar noutra frase:
" Très tard dans ma vie, j`ai retrouvé ma mémoire..."

margarida disse...

É um privilégio dispor de uma memória assim e ter um tal percurso de vida.
Estas crónicas minimais nunca são repetitivas.
Existe algo no reconhecimento e no reencontro dos seres, que nos sugere o eterno regresso à energia original.
Talvez seja a partir desse cerne que surge a emoção causada em quem está apenas a assistir a esses cruzamentos poéticos.
Muito bonito.
Mais, s.f.f.
:)

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Margarida: o problema é que estas coisas não se improvisam, acontecem. Essa é, aliás, a sua graça. Assim, a memória nem sempre tem destas "chances"...

patricio branco disse...

talvez filha de jean-louis barrault

A Europa de que eles gostam

Ora aqui está um conselho do patusco do Musk que, se bem os conheço, vai encontrar apoio nuns maluquinhos raivosos que também temos por cá. ...