sexta-feira, março 20, 2020
Você
Disseram-me agora, mas não consegui confirmar, que o governo tenciona decretar, à luz das medidas de emergência, que passa a ser obrigatório o tratamento por “você”. Diz que é para manter as distâncias sociais.
A cidade imaginária
Cá em casa, desde há vários dias, há um jogo: onde vamos comer fora?
Nos primeiros dias deste confinamento caseiro, surgiu a ideia: “Com este sol, aquela janela da Tágide deve estar com uma vista lindíssima!” E “fomos”. Depois, no dia seguinte, deu-nos vontade do bacalhau à minhota que a dona Adelaide faz na Imperial de Campo de Ourique. Numa destas noites, o eleito foi o “rollsbeef” de Lisboa, no Café de São Bento. Mas também já nos apeteceu a esplanada do Faz Figura, as empadas que o Duarte faz no Salsa e Coentros, os secretos do Magano ou uns filetes no Montemar, regados a vinho verde. Neste fim de semana, logo se vê!
Ainda não decidimos onde “vamos” hoje. Com esta chuva, às tantas, ainda nos dá para comer em casa. Mas temos “ido” a sítios magníficos!
4ª Conferência de Lisboa
A 4ª Conferência de Lisboa, organizada pelo Clube de Lisboa, que deveria ter lugar na Fundação Calouste Gulbenkian nos dias 14 e 15 de maio próximo, sob o tema “A Aceleração das Mudanças Globais”, mudou de data, por óbvias razões.
A 4ª Conferência terá lugar no dia 30 de setembro e 1 de outubro, no mesmo local. Oportunamente, serão dados pormenores sobre o programa definitivo e participantes.
quinta-feira, março 19, 2020
As medidas
Parecem muito sensatas e equilibradas as medidas hoje anunciadas pelo governo, ao abrigo do estado de exceção.
Todos os mitos que correm, relativamente a um possível atentado às liberdades e direitos fundamentais, por exagero na aplicação de decisões, são assim descabidos.
Posso estar enganado, mas acho que a maioria das pessoas não se deu ao trabalho de ler o diploma e “fala de ouvido”.
Os amigos do 28
O humor ajuda a aguentar a crise. Um amigo, com uma preocupação “essencial”: “Não achas estranho que não tenha havido uma única palavra para a quebra de recursos de uma rapaziada que ganhava o seu dia a “operar” no 28, aliviando os turistas de alguns trocos que traziam em excesso?”
A casca da banana
O Skype tem ajudado a percebermos as bibliotecas de muita gente. Ontem, numa televisão, havia um conhecido comentador que tinha-se esquecido de uma casca de banana numa prateleira atrás de si. Isso evitou que corrêssemos (eu, que o conheço de gingeira, não corro) o risco de tropeçarmos nela ao ouvi-lo.
E a Caixa?
Na negociação do processo de recapitalização, a CGD ficou de “mãos atadas” pelas regras de concorrência europeias para poder ajudar às políticas públicas, porque seriam consideradas ajudas de Estado e distorções à concorrência.
O governo não podia pedir agora um levantamento desta restrição colocada ao único banco do Estado? Vivemos uma situação excecional.
Os nossos restaurantes
Costumo falar por aqui de restaurantes. Frequento-os bastante, de Norte a Sul do país. Procuro, em especial, sublinhar o trabalho de muitos que, em localidades fora dos grandes centros, têm dado um imenso contributo à preservação da verdadeira culinária portuguesa. Mas também de quantos, nas grandes cidades, em especial em Lisboa e no Porto, foram, pela sua modernidade, projeção e prestígio, uma fantástica ajuda para potenciar a onda turística que muito beneficiou o país, nos últimos anos.
Em dias como os que correm, sinto uma grande solidariedade com essas pessoas, em que conto muitos amigos, pelo forte abalo que a situação provoca no seu negócio, pelas dificuldades que afetam o seu pessoal e as suas famílias, pelos encargos acrescidos que todos agora suportam.
Só lhes posso dizer, como toda a certeza: dias melhores virão! Se o turismo foi uma fonte essencial para o sucesso recente da nossa economia - através da restauração, bem como da hotelaria e dos transportes - ele vai inevitavelmente ser uma das alavancas essenciais da recuperação que aí terá de vir, passada que seja esta crise.
As “vítimas” da Fox
Nestes tempos em que as séries televisivas enchem o ócio forçado de alguns, fazendo bem as contas, o número de “mortos” na Fox Crime já deve ter excedido o de vítimas do vírus.
Hoje, no “Diário de Notícias”
Um decreto equilibrado, bem delineado e com sentido de proporcionalidade, que elenca medidas a tomar à medida das necessidades. Assim vê Francisco Seixas da Costa o documento assinado por Marcelo Rebelo de Sousa que decreta o estado de emergência em vigor no país nos próximos 15 dias. "Dá-me todas as garantias de respeito pelos direitos dos cidadãos e é adequado à calamidade que estamos a viver", afirma o embaixador, que faz questão de frisar que não é especialista em direito constitucional e fala como cidadão.
O embaixador Seixas da Costa considera que o decreto do estado de emergência é equilibrado e tem sentido de proporcionalidade.
O embaixador considera ainda que vivemos tempos de estabilidade democrática plena - a prova é um Parlamento ativo e o facto dos cargos do Estado e da oposição serem ocupados por figuras com credenciais democráticas.
"O estado de emergência é decretado não por um cataclismo de natureza política, mas de natureza sanitária. E o decreto é cauteloso ao prever que o prolongamento dos 15 dias seja feito nos termos da lei, ou seja, que o mesmo procedimento terá de ser retomado", assinala.
Francisco Seixas da Costa não deixa referir o sentimento de preocupação que atravessa alguns portugueses de que se poderá estar perante uma suspensão da ordem constitucional e dos Direitos Liberdades e Garantias, nomeadamente quando se prevê restrições à liberdade de circulação e a suspensão do direito à greve. "Prezo muito a liberdade, lutei à minha medida por essas liberdades, mas exceções existem para serem usadas nas situações de exceção."
"Temos todos que perceber isto: há uma liberdade fundamental que é a vida."
(Graça Henriques /DN)
As tertúlias
Estes dias virulentos tiram-me das minhas tertúlias.
É uma verdade que a do Procópio já tinha estioloado quase de vez, desde que o Nuno Brederode Santos a tinha abandonado. Mas, às vezes, ainda passava por lá, para conversa com a Sedonalice e dois ou três resistentes. À da Parreirinha, em que que o número de mulheres sempre suplanta o dos homens, tenho sido mais relapso e, um destes dias, ainda perco lugar cativo à mesa. Aquela que é de longe a mais constante e persistente, a que flutua, hebdomadariamente, entre o Nobre e o Solar dos Duques, depois de ter perdido o poiso no “falecido” Rota das Sedas, com passagens pelo Apuradinho, continuava em grande forma, sempre diplomaticamente organizada pelo grande Zé. A dos Vila-realenses da nossa geração, que mão amiga oriunda da “Bila” assenta, de quando em vez, no Dom Feijão, é talvez a mais irregular e espaçada. A dos primos, de longe a mais bem regada, acontece também “quando o rei faz anos“, andando do Raposo para a Delícia de Moscavide, do “falecido“ Zé do Cozido para o Sé da Guarda, Tasquinha do Lagarto” e outros poisos também estimáveis, como o Gambrinus. A da Ópera, no hotel homónimo, onde as jantaradas são temáticas e os convidados “tenores” da política, tinha andado um tanto parada, mas anunciavam-se novos episódios. A do Antigo Primeiro de Maio, mais esquerdalha, andava nos últimos tempos fulgurante e continuava barulhenta, como de costume, e sempre semanal, depois de anos passados num tal Chiado que afinal era na Baixa, com outras incursões pelo Bairro Alto e Largo do Carmo e um whisky final, em dias de sol, na esplanada da Brasileira. Da do “Grupo Amizade”, sempre na Trattoria, tenho sido pouco assíduo, mas é daquelas onde às vezes há belas charlas e sempre se come a preceito. A dos três Franciscos, mais aperiódica, vagueia do LX Factory para o Café In, do Vela Latina para o Café Lisboa, tendo passado pelo Círculo Eça de Queiroz. A Academia Portuguesa de Gastronomia, a mais exigente em termos das vitualhas e álcoois servidos ao nosso palato, continuava a saltitar entre os locais lisboetas da mais refinada amesendação, cujos nomes prefiro omitir para não escandalizar, com o Grémio Literário como único lugar de regular passagem. Finalmente, a dos divertidos conjurados do 25 de Abril, homens “sem sono“ e hoje também sem farda, luzia, alternadamente, entre uma excelente Messe de uma unidade que não revelo e o Clube Militar Naval, tendo o almoço anual das alheiras como ponto alto.
Com o diabo do vírus por aí, vão-se as conversas, restam, à distância, os amigos. “Saúde e Fraternidade” para eles, como jacobinamente me habituei a dizer.
quarta-feira, março 18, 2020
O discurso
Não fui um crítico da comunicação por Skype que Marcelo Rebelo de Sousa há dias fez e que muitos não apreciaram. Achei que a sua palavra era então necessária, não obstante o seu estado de obrigatório confinamento doméstico. Olhar essa mensagem à luz das condições técnicas utilizadas, sem atentar no seu conteúdo, revela curteza de vistas.
Dito isto, o discurso que fez esta noite foi, numa só palavra, exemplar. Foi a mensagem certa, feita com grande sentido de Estado e, em especial, com imenso sentido de responsabilidade. O país, num momento dramático como o que atravessa, sabe que tem à sua frente um chefe de Estado em plena sintonia com as suas preocupações.
O decreto
Não sou constitucionalista, nem sequer licenciado em Direito. Assim, apenas como cidadão que aprendeu a ler legislação, fico com a sensação de que o diploma hoje aprovado é muito equilibrado, procura garantir a proporcionalidade das medidas e tem todas as salvaguardas necessárias para não ser usado de forma inadequada. Satisfaz-me, em especial, que tenha uma duração muito limitada no tempo e que a sua eventual prorrogação tenha de passar por um procedimento formal idêntico ao hoje utilizado, salvo na convocatória do Conselho de Estado. Mas a minha principal garantia assenta no facto de o país estar na mão de personalidades cujo apego à democracia é incontestável. Finalmente, para os catastrofistas que acham que, com a entrada em vigor deste diploma, “Abril acabou”, gostaria de lembrar que quem viesse a morrer, pelo facto de não terem sido tomadas as medidas, mesmo que compulsórias, consideradas necessárias pelas autoridades de saúde, poderia ter tido, até ao fim da sua vida todos os direitos, liberdades e garantias, mas não teria o direito à vida.
A lei falsa
O “projeto” de decreto presidencial sobre o estado de emergência que anda pelas redes sociais é falso, avisam de Belém e de S. Bento.
A assim ser, não deixa de ser interessante que um qualquer “maduro” se tenha dado a um imenso trabalho de escrita legal... apenas para o mostrar depois aos amigos.
É que, aqui entre nós, aquilo até nem está mal feito...
“Só para ti”
Vou desiludir alguns amigos, mas eu nem abro, quanto mais divulgo, informações ”de fonte limpa” e que “ninguém sabe”.
Havia um cartaz pelas paredes, no tempo da outra senhora: ”O boato é inconsciência e crime”. Lá por serem ”fachos” eles não deixavam, às vezes, de ser sensatos...
Saída do país
Muitos cidadãos portugueses e estrangeiros que se encontram em Portugal estão bloqueados na fronteira, sem possibilidade de atravessarem a Espanha, de regresso aos países em que vivem na Europa. Percebe-se bem a precaução das autoridades espanholas, com uma situação dramática no seu território. Questiono-me, no entanto, por que razão não se cria um “corredor” (a História está cheia de exemplos), através de estradas determinadas, um percurso obrigatório vigiado pela polícia, com “guias” de apresentação imperativa na fronteira de saída para França. A segurança é um bem essencial, mas os interesses da vida dos cidadãos comuns também têm de ser acautelados.
Sobre o estado de emergência
O Grupo Cruz Vilaça Advogados, um conceituado escritório com reputados e experientes especialistas legais, produziu o seguinte parecer, que julgo interessante divulgar
“O estado de emergência é declarado quando se verifiquem ou ameacem verificar casos de calamidade pública. É menos grave do que o estado de sítio, que vigorou alguns dias no pós-25 de novembro de 1975, e apenas determina a suspensão parcial dos direitos fundamentais. Aplica-se a todo ou a parte do território nacional e tem a duração máxima de 15 dias, prorrogáveis por períodos iguais, mantendo-se as causas determinantes.
Vigora a lei 44/86, de 30 de setembro, nos termos do artigo 19º da Constituição da República, que prevê o estado de sítio e de emergência; este é declarado com os mesmos pressupostos do estado de sítio, embora com menos gravidade, sendo relevante apenas a calamidade pública. A declaração compete ao Presidente da República após audição do governo e autorização da AR. Nos termos do artigo 14º da lei referida, a declaração deve conter todos os elementos relevantes, incluindo fundamentação, duração, direitos, liberdades e garantias suspensas ou restringidas, bem como o grau de reforço dos poderes das autoridades administrativas e do apoio que lhes será dado pelas FA, se for o caso.
À renovação do prazo da declaração aplicam-se os mesmos trâmites, não sucedendo o mesmo quanto à modificação e revogação eventuais, que operam por decreto do PR. A concretizar-se a declaração do estado de emergência, deverão ser claros os limites das restrições às liberdades, direitos e garantias, não criando mais alarme social mas estabelecendo de forma clara as regras a seguir. E lembrando que essas restrições não são plenas e têm em conta o princípio da proporcionalidade.
Os Tribunais continuam a funcionar. O Conselho de defesa nacional mantém-se em reunião permanente. A Procuradora-geral da República e o Provedor de Justiça ficam em funções de forma permanente. Não há limitação à atividade dos partidos e sindicatos. Não acatar a proibição de livre circulação de pessoas ou veículos é crime de desobediência.
Num recente artigo, o constitucionalista Bacelar Gouveia referia as vantagens da declaração do estado de emergência, limitando alguns direitos: “a certeza da extensão da limitação dos nossos direitos pelos poderes públicos, como a aceitação da legitimidade da sua intervenção”.
Mas não é suficiente o estado de alerta em vigor, decretado pelo governo?
A Lei de Bases da Proteção Civil (Lei nº 27/2006 de 3 de julho), determina que a declaração da situação de alerta pode ser feita por presidentes de câmara ou pelas entidades responsáveis da proteção civil; conferem poderes alargados face a “acidente grave e catástrofe”, tendo as decisões e atos legislativos efeitos imediatos. Pode ser declarada face à ocorrência ou iminência de acidentes graves e catástrofes, prevista no artigo 3º da Lei, e visa adotar medidas preventivas ou especiais. A declaração aciona as estruturas de coordenação institucional territorialmente competentes e articula os meios de proteção e socorro adequados. Obriga à colaboração dos meios de comunicação social.
Há na proteção civil dois níveis de declaração face a acidentes ou catástrofes superiores ao de alerta: a situação de contingência e a de calamidade, esta da competência do governo, que pode estabelecer inúmeras medidas como a mobilização civil de pessoas ou o livre acesso dos agentes de proteção civil à propriedade privada. Prevê ainda a possibilidade da requisição temporária de bens ou serviços.
O problema principal é saber até que ponto são legais – leia-se constitucionais - limitações a direitos fundamentais protegidos constitucionalmente com base num princípio de necessidade sem que o instituto que a Constituição prevê para que essas limitações sejam possíveis, isto é, o estado de emergência, esteja em vigor.
Muitos constitucionalistas (e nós próprios) acreditam que não o são e por isso se justifica, nomeadamente para limitar o direito de livre circulação se vier a ser necessário, a declaração do estado de emergência.
António Vieira Monteiro
Quando o assunto eram “contas”, Francisco Pinto Balsemão, que presidia ao Conselho da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, voltava-se sempre para António Vieira Monteiro, CEO do Santander, e perguntava: “E agora, qual é a opinião do nosso ‘ministro das Finanças’ ?”. E esse nosso colega naquele simpático grupo lá dava o seu avisado conselho sobre o andamento dos dinheiros da casa, para a qual, aliás, o seu banco também contribuía com bolsas de estudo.
Era um homem muito rigoroso, num estilo determinado, pouco expansivo, mas com grande simpatia e um fino sentido de humor, que bem usava em alguns momentos. Era também, na opinião de quem disso sabe, um notável profissional, que muito contribuiu para o extraordinário sucesso que o seu banco tem hoje em Portugal.
Acaba de saber-se que António Vieira Monteiro foi hoje mais uma vítima mortal do vírus que, com razão, cada vez mais assusta o país. Os meus sentimentos à sua familia.
Um país feliz
Dizer que somos um país feliz, nos dias que vivemos, parece sem sentido. Mas somos. Somos um país com uma sólida estrutura democrática, com um sistema político, desde há décadas, sem uma única falha institucional grave, com uma separação de poderes que oferece garantias, com uma lisura exemplar nos processos de escrutínio da vontade dos cidadãos. Estamos integrados numa aliançapolítico-económica europeia marcada pelos melhores valores, temos um excelente quadro de inserção externa, não temos ameaças diretas à nossa soberania.
Vivemos então num oásis, é isso que quero dizer? Não, não é. Somos um país pobre, o mais pobre da Europa ocidental, temos uma dívida monstra para pagar, uma economia dependente do menor abalo em escassos setores, com baixa competitividade, alimentamos uma cultura comportamental com laivos “terceiro-mundistas” (não se usando, é a palavra que quero usar), marcada por inúmeros vícios e um modo de estar na vida que, se facilita o dia de hoje, compromete bastante o de amanhã. Por tudo isso, acrise aí instalada vai atingir-nos em cheio.
Mas, mesmo assim, somos um país feliz? Somos. No quadro de uma pandemia de proporções extremas, operamos em estreita ligação com Estados e fontes de conhecimento técnico do melhor que o mundo pode proporcionar, dentro do mar de incertezas em que todos vivem, dispomos de um sistema público de saúde que, por muitas fragilidades que tenha, tem a humanidade de não exigir cartão de crédito à entrada dos hospitais, que é igualitário e justo – repito, à medida dos recursos que são os nossos e não os de países mais ricos do que nós.
Hoje, o presidente da República pode vir a decidir o estado de exceção, dando ao governo e às forças de segurança, sob a sua tutela, poderes acrescidos. Comocidadão, não me custa aceitar que as autoridades democráticas do país possam, nas presentes circunstâncias, vir a adotar medidas excecionais. Sempre com conta, peso e medida, limitadas no tempo e com a sua eventual renovação sujeita a todo o formalismo usado aquando da sua imposição.
Somos um país feliz por termos um parlamento livre, presidido por um homem que lutou toda a sua vida pela liberdade. Por termos um governo chefiado por um dos mais competentes políticos da nossa História recente. Por termos como líder da oposição um homem de bem, com uma exemplar folha cívica. Por termos na chefia do Estado um cidadão com indiscutíveis credenciais democráticas, um patriota, uma pessoa que gosta do seu país como ninguém. Somos um país feliz.
terça-feira, março 17, 2020
As idades da diplomacia
Um jovem diplomata, acabado de chegar a um posto, quase sempre procura conhecer as melhores discotecas e locais de convívio da gente mais nova.
Com os anos, chegado o período intermédio da sua carreira, o tempo de conselheiro, um diplomata tem como interesse coletar a lista dos melhores restaurantes da cidade onde é colocado.
E um embaixador? Chegado ao seu novo posto, que lista procurará estabelecer, em prioridade? A dos melhores médicos locais!
Bolas!
António Costa, na entrevista à SIC, assegurou que o mundo do futebol estava excluído das ajudas públicas. Hoje, a Liga já veio resmungar.
Era só o que faltava que quem se endivida em milhões para pagar ao seu pé-de-obra viesse a ter um cêntimo que fosse de dinheiro público!
O reino
Só não entendo porque razão não se denuncia mais a filosofia malthusiana seguida até agora pelo governo britânico na questão do vírus, numa atitude de irresponsabilidade quase criminosa.
Cruz Vermelha
Excelente decisão do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, ao colocar-se, por iniciativa própria, na rede de combate ao vírus. Parabéns, Francisco George!
À distância
De manhã pelo Zoom, de tarde pelo Skype, participei hoje em duas videoconferências. Um amigo disse-me estar já a dar aulas, a dezenas de alunos, exclusivamente por este meio.
Creio bem que a presente crise vai potenciar, ainda mais, o hábito dos contactos à distância, com a consequente limitação das viagens de trabalho.
Há três anos, para o livro “Olhar o Mundo”, coordenado por António Mateus, escrevi um texto sobre o futuro da diplomacia, de que agora respigo (gosto desta palavra do antigo jornalismo) o seguinte:
“Muito do que se passará no futuro da diplomacia vai ter que ver com uma dimensão que nem uma versão contemporânea de Jules Verne poderá prever com um mínimo de rigor. Refiro-me à evolução da tecnologia das comunicações, ao aperfeiçoamento que cada vez mais se pressente dos mecanismos para colocar em contacto pessoas situadas à distância física, em moldes muito mais eficazes e operacionalmente mais cómodos do que os que hoje existem e que, de certo modo, ainda forçam à execução de penosas e desgastantes deslocações. Se e quando uma tecnologia de contacto à distância vier a ser substancialmente melhorada, o recurso à mediação pelos diplomatas residentes tenderá a diminuir ainda mais e um acentuar da relevância do trabalho direto das capitais pode vir a afirmar-se em seu detrimento.”
Não faço ideia se a diplomacia presencial algum dia acabará de todo, mas que o papel de agente de um “soberano” colocado fisicamente próximo do outro tenderá a esbater-se, disso não tenho a menor dúvida.
Cada um sabe de si
Sei que muita gente não gosta de António Costa e do seu governo. Muito em especial, nesta conjuntura, já se percebeu que não apreciam o trabalho da ministra da Saúde e que não “vão à bola” com a cara de Eduardo Cabrita. Por isso, para eles, faça o governo o que fizer, ou fez tarde, ou faz mal ou não vai ser capaz de fazer bem.
Algumas dessas pessoas vivem numa imensa orfandade política (leia-se: têm saudades de Passos Coelho), porque estão insatisfeitas com as lideranças existentes na sua área, e também porque Marcelo Rebelo de Sousa não lhes traz hoje um mínimo de conforto.
Tenho porém a perceção de que, em face da crise gravíssima como a que hoje atravessamos, lá no fundo, sem nunca o dizerem, essas pessoas acabam por ter alguma confiança na experiência, no bom senso e na capacidade de António Costa.
Ou passa pela cabeça de alguém que um governo Rio-Chicão estaria melhor dotado para enfrentar os desafios da pandemia em Portugal? Não brinquemos!
Como é óbvio e público, sinto-me muito confortável ao ter, neste momento grave, António Costa como primeiro-ministro. Vou mais longe: nenhuma personalidade política portuguesa me daria mais confiança, no tempo que atravessamos, à frente do governo do meu país. Trabalhei com ele, conheço-o e admiro as suas qualidades. Mas, claro, admito que seja suspeito por essa razão.
Um dia dos anos 80, Giscard d’Estaing disse a François Mitterrand, num debate, que a esquerda não tinha “o monopólio do coração”. E tinha razão: conheço bastante gente de direita com preocupações sociais, com cujas ideias nesse domínio frequentemente me encontro, até porque não vivo a política como se isto fosse uma guerra de trincheiras.
Neste tempo excecional, contudo, em que vai ser necessário estabelecer prioridades, em especial em face da onda de problemas sociais que a crise vai potenciar, ter António Costa à frente do executivo português é uma garantia que eu não trocaria por nada.
Mas, mais do que nunca, nestes momentos, cada um sabe de si.
A sogra
Uma sogra a chegar, de surpresa, pode acontecer a muita gente, até aos diplomatas em posto.
No dia seguinte ao do início da visita da sogra daquele diplomata, iria ter lugar a festa nacional francesa, para o qual ele estava convidado, com a mulher. Mas, nas novas condições, com a senhora em casa, era óbvio que tinha de levá-la àquele que era um dos eventos sociais da temporada diplomática. Antes, porém, era em absoluto necessário avisar os franceses, dados controlos à entrada da festa.
Aquele diplomata, que não era português mas andava lá por perto, “por supuesto”, tinha um nível de conhecimento de línguas um pouco básico, em particular do francês. Foi a sua chamada telefónica para um (indiscreto) colega da embaixada de França que o viria a tornar “popular“.
A frase que ele usou para avisar que ia levar a sogra, tinha uma parte final que ficou nos anais de humor social daquela capital : "J'irais avec ma femme et la mère d'elle"...
segunda-feira, março 16, 2020
Visitas
Sei lá bem porquê, hoje estou a receber no meu blogue quase tantas visitas como num dia em que me meti com um treinador da bola. Embora, desta vez, com comentários mais simpáticos, reconheço...
Boas notícias?
Boas notícias são os belos limões que há pouco tirei do nosso limoeiro - naquilo que, cá por casa, foi considerada a única tarefa que fiz, no jardim, nos últimos sete anos. Não é verdade: lembro-me de ter levado para lá uma cadeira, há uns anos. E de a ter trazido para dentro, depois. É assim que levianamente se arruinam reputações.
Da exceção
Há quatro dias, escrevi aqui isto, a que não retiro uma vírgula:
“Sei que não é popular estar a dizer isto, mas gostava de recordar que a solidez de uma democracia se revela pela capacidade das comunidades políticas conseguirem preservar sempre, com firmeza e rigor de princípios, os direitos individuais e coletivos, resistindo aos arbítrios que tendem a surgir nos períodos de exceção e de pânico”.
Dito isto, como cidadão, não me custa aceitar que as autoridades democráticas do nosso país possam, nas presentes circunstâncias, vir a adotar medidas excecionais, mesmo de suspensão de direitos constitucionais. Com conta, peso e medida, limitadas no tempo e com a sua eventual renovação sujeita a todo o formalismo usado aquando da sua imposição.
Sábios em tudo!
Ainda a nação se não refizera da onde da sapiência comum em matéria de aeroportos e aves de arribação, que nos envolveu por semanas, e logo nos caiu em rifa, desta vez infetado pela conjuntura, um batalhão de peritos em saúde pública, experts em epidemias, judiciosos especialistas em controlo de fronteiras, técnicos de abastecimentos, sabedores de máscaras, desinfetantes e coisas correlativas.
A maioria não tem a mais leve qualificação para mandar “bitaites” sobre nenhum dos assuntos, mas isto das redes sociais é como no futebol: todos se acham com valor igual para opinar!
Por aqui, por estas colunas da inimputabilidade teclada, qualquer ignaro se permite rebater, de cátedra, opiniões de técnicos qualificados, sobre “o que devia ter sido feito e não se fez”.
“Ditosa pátria que tais filhos teve”, dizia Camões. Ou, como se diz na minha terra, “Não se enxergam!”
Ness dias de Pilatos
Esta obsessão em que andamos com a lavagem das mãos ainda me vai criar aquela irritação de pele que, como sportinguista, costumo ter (já “costumei” mais, confesso...) aí por outubro/novembro, de tanto esfregar as mãos e pensar (dizer já nem digo): “Este ano é que é!”
Minhas senhoras e meus senhores
Será que não há um mínimo de imaginação para, pelo menos uma vez por dia, cada um escrever por aqui sobre outras coisas, além de falar no maldito vírus?
Está um dia lindíssimo de sol! Até as gaivotas sobem à cabeça do Marquês, para verem a paisagem! (Desde que não sejam águias no Marquês, tudo bem!)
Não transformemos isto num muro das lamentações, caramba!
Jogos com fronteiras
Quem, com simplismo, pede o fecho das fronteiras não terá pensado que o abastecimento do país, em coisas essenciais, depende do que diariamente importamos e que não traz consigo o vírus, como é óbvio. Devemos é controlar as principais fronteiras, desincentivando fluxos turísticos.
Nova filosofia de alcova
Não nos deixeis cair em obsessão - é uma das minhas ”orações” preferidas, nos dias pesados que correm. Por isso, não contem comigo, com ou sem vírus, para deixar de olhar a vida pelo lado alegre.
Há dias, escrevia por aqui que, dado o estado de reclusão forçada em que todos estamos, o próximo mês de dezembro é bem capaz de nos trazer um “baby boom”. “É fazer as contas”, como dizia alguém. As televisões, de manhã à noite infetadas pelo vírus, estão “chatas para burro”, como antigamente se dizia, cheias de “enlatados”, pelo que sabe-se lá como alguns acabarão as noites. Mas é evidente que esta hipótese só é válida para a quarentena das quarentonas, ou de idades abaixo. A demografia pátria agradeceria, aliás.
Tinha eu acabado de dizer isto e logo uma amiga surgiu com outra teoria: é capaz é de vir por aí uma onda de divórcios, porque marido e mulher, obrigados a conviver, por muito tempo, em ambiente de tensão e alguma angústia, são capazes de começar a “fazer faísca”. A alguns casais, dizia ela, “já bem basta terem de passar férias juntos, quanto mais umas semanas de quarentena, fechados em casa com a filharada”. Como essa minha amiga é solteira, levo isto à conta da sua imaginação pessimista sobre a bondade essencial do instituto do matrimónio, sobre o qual a minha crença é inabalável - para que conste, em especial cá em casa.
Mas, logo depois, lembrei-me de ter ouvido um dia a uma outra amiga nossa, à mesa do Flore, em Paris, ao aproximar-se a data da reforma do marido, uma frase lapidar: “Para nós, mulheres, a reforma dos maridos é uma coisa terrível: é ter, em casa, o marido em dobro e o salário dele por metade”.
Enfim, fiquemos por aqui, nesta nova “filosofia de alcova”, sem qualquer sadismo...
domingo, março 15, 2020
A reinar
Não sigo as intrigas da corte espanhola, mas o anúncio feito ontem pelo rei, sobre herança do pai e o seu afastamento institucional, num dia em que o país vive numa crise gigantesca de saúde pública, ou tem algo muito sério por detrás, que deve ser explicado, ou é uma “tonteria”.
Recordar
Ás vezes, quando vejo o grau de exigência sobre os serviços públicos portugueses, comparando-os nas estatísticas com os restantes países europeus, apetece-me lembrar uma verdade desagradável mas muito real: há muitas décadas que somos o país mais pobre da Europa ocidental.
Mendes bem
Marques Mendes a zurzir o negativismo dos críticos azedos que passam o tempo a sublinhar o que corre mal, como se algum país estivesse preparado para responder com eficácia uma situação como esta.
Marta Temido
Nestes dias estouvados, sinto uma grande segurança por ter Marta Temido como ministra da Saúde, assessorada pela DGS, Graça Freitas. O meu sincero agradecimento a ambas.
A tia Juju
A tia Juju morreu há mais de 100 anos. Era irmã do meu avô materno. Não tenho por aqui os canhenhos da família para ver a idade exata com que se foi, mas, pelas fotografias que andam lá por casa, em Vila Real, teria vinte e poucos anos.
Era bonita e solteira. Tinha uma figura esguia, muito elegante, “modiglianiana”, que se vê em imagens de piqueniques de família, sempre com um ar melancólico, numa postura que, em criança, tinha o condão de me irritar, por me parecer um pouco snobe. Não me perguntem porquê, mas sempre achei que a tia Juju devia ter uma voz rouca. Desenhava muito bem. Sou feliz proprietário de dois belos desenhos a carvão, com perspetivas do parque das Pedras Salgadas.
A tia Juju morreu em 1918, com a “pneumónica” ou “gripe espanhola”, como também por cá ficou conhecida. Na minha família materna, o vírus dizimou então cinco pessoas.
Impressionou-me sempre muito a história que se contava na minha família de que o seu caixão saiu da Casa do Pereiro, em Bornes de Aguiar, onde vivia com os irmãos e com a minha bisavó, através da janela do quarto onde morreu. Porquê? Para que a minha bisavó, muito abalada que ainda estava pela morte, precisamente na véspera, de um irmão, não se desse conta de que tinha acabado também de perder, horas depois, aquela que era a sua filha mais querida.
A “pneumónica” infetou 500 milhões em todo o mundo, estimando-se que possa ter vitimado quase 100 milhões de pessoas, sendo considerada a mais mortífera pandemia da história da humanidade. Em Portugal, terão morrido cerca de 120 mil.
As pandemias, nos tempos de hoje, conseguem-se controlar ao final de algum tempo. Até lá, infelizmente para muitos, a sua sorte está a ser a mesma que a minha tia Juju teve na “pneumónica”.
sábado, março 14, 2020
Flagrante
Vamos acabar o dia com um sorriso.
Este episódio é verdadeiro. Os protagonistas são de língua espanhola e muitos conhecem-lhes os nomes. É uma historieta antiga, um clássico das atribulações afetivas da vida diplomática.
Numa determinada capital, o embaixador mantinha uma relação sentimental com a mulher de um seu jovem colaborador.
Um dia, por um desencontro de agendas (acontece aos melhores!), o diplomata entra na sua residência e encontra o chefe em "vias de facto" com a sua esposa.
Ao embaixador, assumindo a fragilidade em que a situação o colocava, preparado, quem sabe?, para um ajuste violento de contas, só lhe ocorre dizer:
- Estou à sua disposição!
O jovem diplomata, com um sentido de avaliação da conjuntura e uma capacidade de reação que prenunciava já uma bela carreira, ter-lhe-á respondido:
- Quero ir para Roma, com promoção.
E foi.
Deixa-os pousar!
A expectável retração nas viagens aéreas nos próximos tempos, fruto da corrente crise, não tardará a surgir na nova contabilidade de quantos acham que a Portela é mais do que suficiente para as exigências do acesso à capital. O imobilismo é um dos lóbis mais poderosos do país.
O nosso retrato
No comportamento que cada um assumir face aos outros, nos momentos mais complexos desta crise, irá emergir o melhor e o pior das pessoas, sendo que a indiferença fará parte deste último.
Palmas
Bela homenagem aos nossos profissionais de saúde: ás 22 horas, em muitas janelas e varandas do meu bairro, como em várias outras partes do país, muitas palmas se ouviram. Bem merecido!
A rentrée
Há pouco mais de uma semana, andava a tentar encontrar uma data disponível, ainda em abril, para “encaixar” um almoço de trabalho. Agora, tenho à minha frente uma ”bela” e “invejável” agenda em branco. Acho que, com algum realismo, vou começar a preparar a “rentrée” de setembro.
Assim não vamos lá...
Não quero dar notas pessimistas, mas ver hoje à tarde o relvado da Alameda Afonso Henriques com centenas de pessoas, juntas no relvado, crianças à solta, jogos de futebol, em registo de “business as usual”, com muitas esplanadas por Lisboa cheias de gente, dá-me uma sensação de inconsciência.
Caro Mário Centeno
Eu sei, caro Mário Centeno, que você merecia, como poucos, poder ir fazer outras coisas, depois do magnífico trabalho que o país muito lhe agradece. Mas, caso ainda lho não tenham dito, fique sabendo que esse mesmo país nunca lhe perdoaria se abandonasse agora o “cacilheiro”!
Imunidades
Humor em tempo de vírus. Reação de um diplomata estrangeiro em Lisboa a quem telefonei a saber como andava: “A nós, o que nos vale é a imunidade diplomática!”
As mãos
Manuel Alegre tem um poema que, noutros tempos, muitos da minha geração sabíamos de cor.
Era “As Mãos”: “Com mãos se faz a paz, se faz a guerra / com mãos tudo se faz e se desfaz / com mãos se faz o poema - e são de terra / com mãos se faz a guerra - e são a paz”.
Nestes dias em que todos andamos preocupados com as mãos, que colocamos atrás das costas quando um conhecido se aproxima, imprudentemente, para uma “mãozada” das antigas, tenho-me lembrado muito desse texto, que também dizia: “Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra./ Não são de pedras estas casas, mas de mãos. / E estão no fruto e na palavra / as mãos que são o canto e são as armas”.
Um velho amigo, que se foi afastando de mim, desde há uns anos, por razões, pelos vistos, ideológicas (imaginem!), um homem do Norte que verifico que tem vindo a “adolescer” com a idade no seu crescente radicalismo, mantinha, ao que me lembro, uma velha tese que nunca vi provada mas que sempre apoiei, por um corporativo tropismo regionalista: ”Nós, a malta da Norte, lavamos as mãos com muito mais frequência do que estes tipos do Sul, em especial os de Lisboa”. Assisti a gente a reagir, indignada, a esta teoria. Será verdadeira? Não quero abrir o debate, longe disso! Se ele se instalar nos comentários, “lavo daí as minhas mãos”...
Imagino que esse meu amigo, agora distante, hoje convertido a uma espécie de nacionalismo esquerdista, num regresso às origens onde acalentou “amanhãs” que ele deve achar que não cantaram suficientemente, o que até lhe acidulou a escrita, possa andar agora, como sabão e álcool, a desinfetar os seus dias e as suas mãos, até porque, tal como muitos de nós, “já não vai para novo”.
Como ele também andou por Coimbra, e como o mundo já deu muitas voltas, posso imaginar que, nesta fase da vida, ele goste da poesia de Manuel Alegre, de que aqui deixo as estrofes finais do soneto que acima fui transcrevendo: “E cravam-se no tempo como farpas / as mãos que vês nas coisas transformadas./ Folhas que vão no vento: verdes harpas. / De mãos é cada flor, cada cidade./ Ninguém pode vencer estas espadas:/ nas tuas mãos começa a liberdade.”
sexta-feira, março 13, 2020
“Revolução”
Começo por um “disclaimer”: sou um orgulhoso sócio da Associação 25 de abril e, numa muito modesta medida, também dei “uma mão” a que a Revolução desse dia se fizesse. E, por isso, gosto muito da palavra Revolução, sempre com maiúscula, claro. Ao contrário de muitos amigos meus.
Dei conta, há dias, de que o restaurante da Associação, que se chamava “Com Tradição”, passou a chamar-se “Revolução” e passou a ter uma nova equipa. Infelizmente, em função dos dias que correm, encerrou logo depois de reabrir. Aguardemos, assim, melhores tempos.
No passado, o espaço teve uma existência atribulada, com gerências sucessivas, com uma ”produção” gastronómica errática: já por lá comi bastante mal, já por lá comi razoavelmente, confesso que nunca de lá saí com a sensação de ter comido um repasto de sonho. Mas isso acontece-me em muitos outros locais.
Esta minha nota, porém, não é gastronómica, é semântica ou mesmo toponímica. Com o devido respeito ao meu amigo Vasco Lourenço, verdadeira alma da Associação, quero aqui deixar claro que considero um erro dar a um restaurante, mesmo a este, o nome de ”Revolução”.
O restaurante da Associação 25 de abril é um espaço aberto ao público, não exclusivo para os seus associados. E sendo a palavra Revolução, assuma-se isso ou não, um vocábulo forte e divisivo, conferi-lo a um espaço de restauração ligado ao 25 de abril é, a meu ver, um erro comercial.
As casas comerciais, para terem sucesso, não podem ter a menor conotação política e eu não estou a ver uma pessoa de direita, que detesta o 25 de abril, um “retornado” de África, que vota CDS, dizer para a família: “Esta noite vamos ali ao “Revolução” comer umas pataniscas com arroz de feijão. Parece que estão a servir bem...” Se me disserem que esses clientes não interessam ao restaurante, então já entenderei o que se espera do seu balanço comercial.
Mas isto sou eu a pensar alto! Por mim, quando o “Revolução” reabrir, vou lá almoçar ou jantar, claro. E viva o 25 de abril!
Atenção aos vigaristas!
O acréscimo de despesas determinado pela situação de saúde pública vai sair do “bolso” orçamental dos portugueses e da UE.
O Estado tem de ser de um rigor extremo no controlo desses gastos, nomeadamente em matéria de ajudas a entidades coletivas ou a pessoas, devendo ser punidos severamente quantos procurem cavalgar oportunisticamente a conjuntura.
O grande mistério
Conhecendo o caráter especioso de algumas teses universitárias, quero crer que já deve estar a aí a preparar-se um estudo aprofundado sobre esse imenso mistério, pelos vistos internacional, que é a prioridade dada ao açambarcamento do papel higiénico.
Automóveis
Esperemos que a EMEL e as empresas similares, por esse país fora, sem prejuízo de preservarem a liberdade de acesso de viaturas e peões, mostrem neste tempos uma flexibilidade sensata.
Eles
Ontem, dia do consenso, ao verem as forças políticas alinhadas, silenciaram-se. O país não perceberia outra coisa e apontaria a dedo a quem se colocasse de fora. Hoje, devagar, devagarinho, como quem não quer a coisa, eles vão aparecer. Estejam atentos.
As outras vítimas
Por que será que, nos dias que correm, tenho já imensa pena dos muitos e simpáticos cidadãos do Nepal, do Sri Lanka ou do Bangladesh, que pagaram o que não tinham para vir aterrar num país de turismo pujante, onde se empregavam precariamente, ganhavam pouco e viviam em condições difíceis?
O poder da natureza
Há qualquer coisa de terrivelmente fascinante na natureza.
Até há cerca de um mês, as dinâmicas à escala global comportavam diversas variáveis, reconhecidamente com um elevado grau de indeterminação. O futuro da relação entre os EUA e a China, a capacidade da União Europeia superar o desafio do Brexit e as crises políticas internas, em especial na França e na Alemanha, o mutante saldo dos equilíbrios no Médio Oriente – eram, e continuam aliás a ser, temas que nos interrogavam. Alguns especulavam sobre a forma de levar algumas décimas ao crescimento débil com que a economia mundial estiolava. Apesar dessa indefinição, já de si muito diferente daquela que moldara a relativa estabilidade de décadas anteriores, esse tempo de ontem já quase nos parece hoje sinónimo de um mundo previsível.
É que, de súbito, uma crise de saúde, de proporções gigantescas, passou a sobredeterminar o nosso quotidiano. Por quanto tempo? Uma economia como a italiana “fechou para obras”, a indústria universal do turismo e a economia da circulação de pessoas estão a sofrer um imenso choque, o qual, aconteça o que acontecer, demorará já muitos meses para recuperar. De um instante para o outro, os orçamentos dos Estados, desenhados para o “business as usual”, passaram a meras curiosidades estimativas do passado. Há que encontrar novos recursos, porventura com acolhimento forte na dívida, para fazer face aos impactos inadiáveis que aí estão à vista.
Um surto de desemprego é já inevitável, os serviços públicos entraram em estado de anormalidade. O nosso dia a dia está fortemente condicionado, escolas fecham, espetáculos são cancelados, adotámos uma “coreografia” defensiva nas relações pessoais, vivemos numa espécie de clima “de guerra”, com a estranha sensação de que os direitos têm de passar para segundo plano, condicionados por aquilo que surge como um imperativo incontornável. Entrámos em visível “estado de exceção”.
Estaremos a exagerar os nossos medos? Pode ser que sim, mas também pode ser que não. Apesar dos “bitaites” com que os especialistas inundam as televisões, é óbvio que ninguém sabe, de ciência certa, por quanto tempo e com que dimensões, a presente crise acabará por marcar a nossa vida. É curioso observar já, em alguns comentários mais despudorados, a fria crueldade da diferenciação dos riscos etários: os mais velhos serão os mais atingidos, como manda a lei da vida, pensam ou dizem alguns, adotando intimamente uma espécie de juízo de justiça terminal.
Aturdidos pelas incógnitas, absorvemos as imagens alheias deste novo “tempo da peste”, com a íntima esperança que tudo não passe de um exagero, que possamos evitar o tal vírus, nós e os nossos. Afinal, pensamos, já houve crises desta natureza no passado – e aqui estamos para contá-las. “Não há-de ser nada”, dirão os otimistas, convencidos de que, com o calor, o vírus sairá de cena. “Isto pode ser o diabo”, resmungarão, por seu turno, os céticos.
Quem se ri, com estas partidas, é a poderosa mãe natureza.
Há cinco anos
O fotógrafo era um nabo e autocritica-se por nunca ter conseguido imagens de jeito. O Google Fotos, há minutos, sem eu lhe ter pedido nada, lembrou-me que a fotografia tem exatamente cinco anos - e quem sou eu para duvidar. Nela se vê que a São Jordão relata uma situação ou conta uma história a que o Nuno Brederode estava a achar graça. Do outro lado da Mesa Dois, ali no Procópio, quem estaria? O António Dias ou o João Durão ou a Margarida Figueiredo ou a Sedona Alice Pinto Coelho ou a Graça Vasconcelos ou o Zé Vera ou o “tio” Vilhena ou o Chico Soares ou a Sara Amâncio ou o Jorge Strecht ou a Suzy ou o Zé Augusto ou sei lá quem mais. O Raul Solnado, esse, de certeza que já lá não estava, nem o Zé Medeiros Ferreira, nem o Kiko Castro Neves, nem, claro, desde há muito, o Zé Cardoso Pires. Pela coreografia da imagem, fico com a certeza de que a Céu Guerra não tinha ainda chegado. E, claro, por ali não tinha chegado também a tristeza.
quinta-feira, março 12, 2020
Quase guerra
Pode parecer uma afirmação exagerada, mas acho que a situação de exceção que atualmente se vive é a mais próxima de um clima “de guerra” que, até hoje, os atuais cidadãos portugueses alguma vez conheceram.
Virus & virus
Para os que, no remanso do lar, se entretêm, por estas horas, a usar a internet, convencidos de que assim estão a salvo de maléficos contágios, deixo o aviso: não se esqueçam de atualizar o anti-vírus...
Homework
Estou a ter tantas visitas naquilo que escrevo nas redes sociais que começo a suspeitar que a maioria do país está hoje a fazer o mesmo que eu, isto é, nada!
Bolas
O país aguarda, a todo o momento, que seja anunciado que os comentadores televisivos de futebol vão entrar de estrita quarentena verbal, por cerca de um mês. Há a certeza absoluta de que daí resultaria um imenso ganho na saúde mental da pátria.
Tremores
O “Festival Tremor”, nos Açores, foi cancelado, segundo as notícias. Que raio de humor negro deve existir naquelas ilhas, cheias de sismos, para porem um nome desses a um festival!
A crise belga
“Na Bélgica é que a crise do coronavirus é grave!”, dizia-me um amigo. Estranhei. Desde há vários dias, “blindei-me” quase por completo das notícias sobre o assunto (sei que devo ser caso único, mas eu sou assim), limito-me deliberadamente a um curto “digest” oral da família, não sabia da tal situação na Bélgica. “É que lá davam sempre três beijos!”. Ah!
Os “escritores” da quarentena
A tentação é imensa e altamente perigosa: esta malta, forçadamente em casa, de quarentena voluntária, sem ter nada para fazer, apenas com ilusórios sintomas de “escritor”, é gente para se pôr aí a escrever livros a eito... O que aí virá de ”lançamentos” em outubro e novembro! Até eu já ando com ideias!
Social desintensivo
Esta é uma ocasião única na história “social” portuguesa: as conversas já não acabam com o ritual “... a ver se a gente vai almoçar um destes dias, pá!”
Hoje
Isto está de tal modo imprevisível que já me interroguei intimamente: hoje, cá em casa, janta-se?
Lembrar
Sei que não é popular estar a dizer isto, mas gostava de recordar que a solidez de uma democracia se revela pela capacidade das comunidades políticas conseguirem preservar sempre, com firmeza e rigor de princípios, os direitos individuais e coletivos, resistindo aos arbítrios que tendem a surgir nos períodos de exceção e de pânico.
Modéstia
Tratando-se de um tema que nos afeta a todos, todos temos o direito de ter uma opinião sobre as medidas tomadas na crise de saúde pública. Mas, sejamos modestos: há gente que sabe muito mais do que nós sobre questões técnicas ligadas à saúde e, por isso, aquilo que diz vale bastante mais do que os nossos “bitaites” de cidadãos preocupados.
Sem pena
1980. Fui conduzido através de um longo corredor, de paredes quase imaculadas. Acompanhava-me um guarda, altíssimo, que não disse uma palavra.
À época, na interinidade entre dois embaixadores, tinha a meu cargo a embaixada. Mas, essencialmente, a minha presença por ali era na qualidade de chefe da secção consular da embaixada de Portugal em Oslo. Tratava-se de uma prisão, nos arredores da cidade, onde ia visitar um detido português, que aguardava julgamento.
Nas semanas anteriores, o caso ganhara destaque em todos os jornais, com evidência particular no popular tablóide “Dagbladet”, que dera ao assunto um imensa visibilidade, na primeira página. O nome de Portugal vinha em todos os títulos. Incomodamente.
Se as razões para alguém estar numa prisão comum são, quase por definição, sempre desagradáveis, as que justificavam o encarceramento daquele homem eram particularmente graves: uma tentativa de violação de uma menina de oito anos. Tratava-se de um tripulante de um barco de passageiros que, creio, fazia a ligação entre Oslo e Copenhaga.
O presumível violador fora apanhado em flagrante pelos pais da criança e, por muito pouco, havia-se livrado de uma valente sova dos colegas indignados. Mais tarde, viria a saber-se que já tivera atitudes inconvenientes para com outras crianças, sem que, por razões pouco claras, tivesse sofrido consequências criminais ou sequer disciplinares.
Entrei na sala, onde o homem estava sentado a uma mesa. Não se levantou, estendeu-me a mão e parecia invadido pela maior serenidade do mundo. Parecia estar a fazer-me o favor de me “receber”. Devia rondar os 40 anos. Recordo-me de que vestia uma camisa branca, tinha um olhar neutro e frio, um cabelo preto puxado para trás. Não havia pedido assistência consular e fora eu quem, alertado pelas notícias, pedira para ir vê-lo.
Era, aliás, a primeira vez que eu visitava, como responsável consular, um cidadão português detido. Uma certa arrogância que transparecia da sua cara, somada ao caráter repugnante daquilo de que era acusado, transformavam aquela minha diligência num momento bastante penoso.
Perguntei-lhe se estava bem, se já tinha assistência de um advogado e, ns sequência dessa confirmação, mais para alimentar conversa do que por outra razão, se já tinha alguma ideia sobre a pena que poderia vir a ter. Não respondeu e mudou a conversa, com uma calma que começava a irritar-me. Nem por um instante tentou sugerir que as imputações que sobre ele impendiam eram falsas, ou mesmo exageradas. “O advogado disse-me que há a possibilidade de, dentro de semanas, poder vir a aguardar julgamento em liberdade, porque se metem as férias judiciais e não podem manter-me muito tempo em prisão preventiva”, disse-me, com um ligeiro esgar sorridente.
Eu não tinha quaisquer informações sobre o processo. A Noruega dispunha um sistema judicial a toda a prova, ele já tinha uma defesa em curso, pelo que não se colocava o problema do Estado português providenciar alguma assistência judicial supletiva. Inquiri, assim, se necessitava de alguma coisa da embaixada. Respondeu-me: “O problema é que não tenho o meu passaporte”. Fiquei surpreendido: “Mas para que é que agora quer o passaporte?”. Num tom impávido: “Se me deixam em liberdade provisória, “piro-me” logo. Atravessar a fronteira para a Suécia é “canja” e o passaporte dava-me jeito depois, para depois chegar a Portugal“.
Pela minha cara, deve ter percebido de que não podia contar com qualquer “cumplicidade”. E, de repente, temeu: “Não vai contar isto aos noruegueses, pois não?”. E ainda tentou: “A embaixada passa-me um novo passaporte?”. Nesse tempo, os passaportes eram feitos à mão, com alguma discricionariedade e facilidade, mas com regras. Para emitir uma segunda via, era necessário que tivesse havido um extravio, comunicado à polícia.
A cena estava a ser demasiado pesada para mim. Ali estava alguém que claramente sabia a gravidade do que tinha feito, que tentava colar-me à sua esperteza. Levantei-me e disse: “Claro que não vou dizer nada desta conversa aos noruegueses. Mas, se quer a minha opinião, acho que eles não o vão soltar. E mesmo que isso acontecesse, eu não lhe ia emitir um segundo passaporte”.
Foi então que, pela primeira vez, mostrou uma expressão facial diferente. Levantou-se também. Era mais baixo do que parecia, quando sentado. Fixou-me com um olhar duro: “Eu tenho os meus direitos!”.
Por um instante, “passei-me”, reconheço: “A miúda também tinha! O tribunal tratará dos seus direitos. Passe bem!”. Voltei-lhe as costas, bati na porta, o guarda grandalhão abriu e fui-me embora. Não me senti nada bem com a cena. A emoção toldara-me aquela que tinha sido uma das minhas primeiras ações de natureza consular.
Semanas depois, telefonaram-me do tribunal. Tinham recebido uma segunda queixa sobre o homem, um caso similar. Pela conversa, fiquei com a sensação de que houvera ali um certo artificialismo para que um novo tempo de prisão preventiva se iniciasse, evitando a saída do homem da cadeia.
Poucos meses mais tarde, o tribunal decidiu, num julgamento em que esteve presente um representante da embaixada: uma condenação pesada. Devo confessar que não tive a menor pena “patriótica”.
quarta-feira, março 11, 2020
Cada um no seu papel
Lembrei-me dele ontem, ao ver anunciado que o açambarcamento nas lojas, por uma misteriosa razão, começa sempre pelo papel higiénico. Esse meu amigo, que acumulava essa já de si invejável qualidade com o facto de ser também um sábio, afirmava que “aquilo que verdadeiramente distingue um país é a qualidade do seu papel higiénico. Nunca encontrei nenhum país subdesenvolvido onde houvesse um papel higiénico decente”, sentenciava ele, prenhe de experiência. É claro que, na altura em que ele afirmava essas coisas imensamente sábias, ainda havia países “subdesenvolvidos”; agora só há “países em vias de desenvolvimento”, isto é, a doutrina aponta para que todos os países caminhem no sentido de virem um dia a ter um papel higiénico decente. (Que raio de conversa! E tem este tipo por aqui um blogue com pretensões!)
Adiamento
Os vírus também atacam os lançamento de livros... Lá teremos de encontrar uma nova data para a apresentação do “À Luz do Índico”, de Amélia Vera Jardim, que estava previsto para dia 16 de março.
Depois avisarei da nova data.
Saudades de Draghi
Aquando da crise financeira, há pouco mais de uma década, o mundo desenvolvido passou a ter a súbita consciência de que todo o poderio que tinha criado uma imensa riqueza e bem-estar, que parecia sustentável com alguma segurança, era, afinal, uma realidade perecível. Em semanas, esfumavam-se fortunas, empresas desapareciam, a falta de postos de trabalho gerava miséria em vários dos seus setores. A engenharia financeira que tinha criado a “bolha” de progresso veio a mostrar-se de uma espantosa fragilidade. As consequências políticas foram óbvias: Trump, AfD na Alemanha, Marine Le Pen, o Brexit, Salvini e o estilhaçar ético-político da União Europeia.
Foi muito curioso constatar que o “clube dos ricos”, orgulhosamente reunido no G7, foi de imediato obrigado a estender a mão ao mundo emergente, situado no patamar imediatamente inferior de riqueza. Nasceu aí o G20, um conjunto muito heterogéneo que acolhia as economias de segunda linha, onde, na realidade, estavam situados os mercados em que assentava o crescimento dos primeiros. Todos nos recordamos daquelas imensas fotos de família, onde Merkel e os seus pares do “primeiro mundo” sorriam para chineses, indianos e brasileiros. Onde é que isso levou? A muito pouco, no final de contas.
Para além da pressão sobre os paraísos fiscais, onde o mundo desenvolvido tenta fazer esquecer que também alimenta “dumpings” que nunca dispensa - do Luxemburgo ao Delaware -, de um relativo esforço de transparência que, afinal, está nos antípodas daquilo que é a matriz do capitalismo especulativo, a “regeneração” pós-crise acabou por ter resultados globais muito parcos.
Nos fóruns onde a regulação económica verdadeiramente se pratica, isto é, nas instituições de Bretton Woods (Banco Mundial e FMI), o novo “segundo mundo” apenas obteve algumas “migalhas” institucionais, quase sem significado. Para isso, muito contribuiu a circunstância dos “emergentes” terem ido cada um para seu lado, com a China a mudar de “campeonato”, a Rússia a claudicar económica e demograficamente, a Índia a não conseguir ter uma estratégia mínima de afirmação externa e o Brasil a regressar ao seu eterno estatuto de “país do futuro”.
Estamos hoje numa situação idêntica à de 2007/8? Alguma coisa se aprendeu, mas, ao que se sabe, nem a própria UE conseguiu ainda consensualizar medidas sólidas para enfrentar crises muitos sérias. Por estes dias, os efeitos do coronavirus irão pôr à prova a solidez do que aí está. Por que será que tenho saudades de Mario Draghi?
Noutro país
Como eu gostaria de ver, numa declaração conjunta, António Costa, Rui Rio, Francisco Rodrigues dos Santos, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, expressando a sua comum preocupação pela situação que o coronavirus acarreta para o país e apelando a medidas coletivas de responsabilidade!
terça-feira, março 10, 2020
Caramulo
Foi na semana passada. Com o estado do tempo, o dia escolhido podia ter sido bem mais feliz, mas era o único que nos dava jeito, já que andávamos por ali. Depois de muito bem tratados no “Três Pipos”, em Tondela, subimos ao Caramulo, zona que uns amigos brasileiros não conheciam.
Do belo trajeto, acabariam, afinal, por ver muito pouco, porque caía um nevoeiro das arábias, embora eu desconfie que, nas arábias, não há nevoeiros tão “decentes” como aquele que por ali sofremos. O regresso seria mesmo épico: a “menina” da voz do Waze atirou-me, várias vezes, por estradas municipais sinistras, o que a fez ouvir “das boas”. Os qualificativos com que a apodei (as mais das vezes, diga-se, intimamente) justificavam, desta vez com forte razão, o qualificativo penal de “difamação agravada”!
Esta nota, porém, tem como objetivo essencial dar conta, a quem o não saiba, de que existe no Caramulo um excelente museu, com uma muito interessante coleção permanente de pintura, escultura, tapeçaria e outros objetos de arte, que justifica amplamente uma visita (como se diz nos guias verdes da Michelin, que “vaut le détour”). E com um pessoal dedicado e entusiasmado com a tarefa que ali lhe incumbe.
No mesmo edifício, existe ainda um museu do brinquedo (que será feito das peças do museu idêntico que, há poucos anos, ainda existia em Sintra?) e, até daqui a algumas semanas, por ali estará uma imensa e inesperada coleção de cartazes da Segunda Guerra Mundial - dos aliados, dos nazis e até dos japoneses.
E, claro!, por lá há também o único museu do automóvel do país. Mas o museu do Caramulo - e é isso que quero sublinhar - é muito mais do que o seu museu do automóvel, por que, normal e vulgarmente, é conhecido.
Nos tempos que correm, já não se vai ao Caramulo apanhar “bons ares” no sanatório para curar a “tísica”, a saudosa Pousada é uma triste ruína, mantém-se por lá um hotel que parece já ter tido bem melhores dias. Mas a paisagem do Caramulo (que, desta vez, nos “escapou”) é sempre belíssima e, repito, a terra tem um museu muito interessante.
“Vá para fora cá dentro!”, como antes proclamava o nosso Turismo. Eu faço isso sempre que posso!
(Deixo a fotografia de um cartaz que estava no museu do Caramulo. Com a “fachalhada” que por aí agora brota, talvez seja uma imagem oportuna!)
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Agostinho Jardim Gonçalves
Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...