quarta-feira, julho 03, 2019

Joana Gomes Cardoso


Uma figura risível da política extremista, a quem o voto deu recentemente a lição democrática devida, lançou agora por aí que Joana Gomes Cardoso, atual presidente da EGEAC, teria ascendido ao cargo em virtude de proteção familiar.

Conheço a Joana há muitos anos e, por isso, sou testemunha das diversas fases de uma carreira pessoal feita a pulso, nas áreas do jornalismo e da cultura, numa cumulação de experiências que apenas deve ao reconhecimento do seu mérito e qualidade profissionais. Por essa razão, acho que insinuações deste jaez, cuja origem também ajuda a auto-desqualificar, merecem apenas ser denunciadas e votadas ao desprezo. E deixo aqui uma abraço amigo à Joana.

A propósito deste caso, lembrei-me de reproduzir um texto que, aqui e no meu blogue, publiquei há uns meses, curiosamente motivada por uma notícia em que Joana Gomes Cardoso era igualmente envolvida. Ele aqui fica, de novo:

Há pouco, numa primeira página de jornal, sob o título “Tudo em família”, deparei com algo que, por muito que possa sugerir-se como jornalismo, não passa de uma mera insídia: a criação da ideia de que a carreira profissional dos filhos de gente conhecida, lá no fundo, tem sempre a ver com a notoriedade conseguida pelos pais. Um pouco adiante, dentro do jornal, a coisa aparece adociada com uma nota de chamada mais normal: “Já diz o provérbio popular: filho de peixe sabe nadar”. Porém, no cômputo geral do que ficou escrito, com o título da capa a marcar tudo, a “suspeitazinha” ficou instilada.

Nesse mundo doentio dos mitómanos das teorias da conspiração, do “não é por acaso que”, do “não há coincidências”, do “toda a gente sabe que”, da ideia recorrente de que a corrupção e o tráfico de influências andam hoje aí por todo o lado, de tanta gente frustrada com o quotidiano de si e dos seus, aberta ao despeito pelo sucesso alheio, o efeito ficou conseguido. E, claro, para um leitor, nada é mais cómodo do que deparar com uma notícia que conforta os seus preconceitos. Depois, no conjunto de casos citados, alguém virá pescar um ou outro tido como suspeito, como argumento generalizador para lançar lama sobre todos os restantes. E a nenhum foi dada a hipótese do contraditório para poderem dizer a sua parte da verdade.

Há sempre, neste tipo de artigos, uma inescapável componente de apelo à inveja, um dos mais medíocres sentimentos comuns da espécie humana. Por detrás da revelação escandalizada das ligações pais-filhos, tenta-se sempre sedimentar, de forma implícita, a sugestão de que, não fora o destaque dos pais, aos respetivos filhos a vida não teria corrido tão bem, que o sucesso destes se deve, essencialmente, à saliência pública dos primeiros. 

É óbvio que não é possível negar que, algumas vezes, isso pode ter ocorrido. Por essa razão, sempre entendi importante que fosse denunciado, alto e bom som, quem usufruiu de “cunhas” ou de empurrões profissionais indevidos. Mas, atenção!, sempre devendo prová-lo, caso contrário ficamos no mero campo da difamação, que hoje tem pasto adubado na “cultura” das redes sociais. O “achismo” e a conversa de café, dos que “ouviram dizer que”, não passam disso. De intriguistas e difamadores.

O tipo de insinuações como o que decorre da notícia de que acima falei é profundamente injusto para filhos ou filhas de gente com algum nome público, mas que subiram na vida exclusivamente por mérito e pelo seu valor pessoal, que têm uma confirmada e reconhecida qualidade própria e que até, algumas vezes, chegaram mesmo a ver a sua afirmação pessoal prejudicada pelo “ruído” criado no seu percurso profissional pelo nome do seu progenitor ou progenitora. 

Escrevi o que acabei de escrever sabendo bem que este texto não vai bem com o “trend” prevalecente nas redes sociais, que os “likes” hoje não abundarão. Mas é isto o que penso e, para mim, isso é o mais importante.”

(Em tempo” lembrei-me que Joana Gomes Cardoso é a atual presidente, eleita por unanimidade dos representantes dos professores, alunos e administrativos, do Conselho de Faculdade da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Sucedeu no lugar a Francisco Pinto Balsemão. Está-se “mesmo a ver” que também foi por “cunha”...)

Brok ou a outra Europa


Começou uma nova legislatura do Parlamento Europeu. Da bancada dos conservadores alemães da CDU não faz parte Elmar Brok. Estava lá desde 1980 (não, não leu mal), há 39 anos. O antigo líder alemão, Helmut Kohl, que o adorava, dizia que Brok só tinha tido três tempos na vida: nascer, casar e ser deputado europeu.

Cruzei-me com Brok, pela primeira vez, numa tasca em Taormina, na Sicília, em inícios de 1995. Ambos tínhamos por ali ido ao lançamento do “grupo de reflexão”, criado para rever o tratado de Maastricht: ele pelo parlamento europeu, eu como “alternante” de André Gonçalves Pereira, que representava Portugal. 

Brok era, e é, um alemão grande e gordo, de bigode farfalhudo, à época um viciado do charuto, mesmo nas reuniões. Ah! e um bom copo e melhor garfo. Entre cerveja e grappa, tornámo-nos, nessa noite, bons amigos. Até hoje.

Por dois períodos, Elmar Brok foi presidente da importante Comissão de Negócios Estrangeiros do Parlamento Europeu. Mas o seu conhecimento das questões institucionais era lendário. Começou por fazer par com Elisabette Guigou na negociação dos tratados. Na feroz língua dos corredores europeus, eram conhecidos como “a bela e o monstro”... Portugal foi dos países que favoreceu a associação do Parlamento aos trabalhos de reforma institucional: revisão de Maastricht, que conduziu ao tratado de Amesterdão, e, depois, o tratado de Nice. Brok nunca esqueceu isso e, em 2000, muito nos ajudou a superar algumas dificuldades. 

Em conferências e seminários, para alguns dos quais fui convidado por sua sugestão, não obstante o nosso diferente alinhamento político, tenho encontrado Brok por essa Europa e outros lugares do mundo. Raramente conheci alguém tão sinceramente europeísta, no sentido de ver a Europa como um projeto solidário. É um homem de convicções, mas também de palavra: diz o que pensa e faz o que diz.

Nos últimos anos, a CDU alemã e o PPE europeu a que se ligara mudaram muito de natureza. O primeiro pela declinante força de Angela Merkel, o segundo pela “realpolitik” que permitiu que a obsessão com o poder nas instituições tivesse obrigado ao convívio, na mesma família política, com figuras “sulfurosas” do quilate de Orbán e quejandos. Esta já não é a Europa de Elmar Brok, tributária dos valores originários da democracia-cristã que, com a social-democracia, criou o magnífico projeto que deu prosperidade, paz e esperança ao continente.

Que dirá o meu amigo Elmar Brok das escolhas ontem feitas para as instituições, agora já sem ele por lá?

(Artigo hoje publicado no “Jornal de Notícias”)

Oxygène


Olhei o “Público” de hoje e dei comigo a pensar que, apesar de tudo, ter a Charlotte Rampling à frente da Comissão (vejam-se as fotografias) talvez não fosse mau de todo. Desde que o “Oxygène” do marido francês não substituísse o “Hino à Alegria” do alemão de Bona. Mas, depois, lembrei-me que o Jean-Michel Jarre já saiu da vida da atriz há muito, após uns pecadilhos extra-conjugais. E que a nossa senhora, salvo seja, chama-se Ursula qualquer coisa e foi a confessada feliz aposta dos amigos de Orbán. Se o mundo não está perigoso, não sei bem o que esteja.


terça-feira, julho 02, 2019

Porto (11)


Porto (10)


Porto (9)


Porto (8)


Porto (7)


Porto (6)


Porto (5)


Porto (4)


Porto (3)



Porto (2)


Porto (1)


segunda-feira, julho 01, 2019

A festa de um amigo


Recordo-me que foi na Bahia, no Brasil, que conheci o Jorge Rebelo de Almeida, vai para 15 anos, num almoço organizado pela cônsul-geral Filomena Bordalo.

O Jorge, que chegou a exercer advocacia, é hoje um dos principais industriais da hotelaria portuguesa, à frente do grupo Vila Galé. Às vezes, abro um jornal e lá surge um novo hotel Vila Galé. Quando me acontece (e tem acontecido frequentes vezes) reservar um quarto num dos hotéis do grupo - e há-os de Sintra ao Porto, da Ericeira a Évora, de Braga ao Algarve, entre muitos e muitos outros, alguns no Brasil - telefono ou escrevo uma SMS ao Jorge com as minhas impressões. 

Há dias, fui seu convidado para a inauguração de uma nova unidade Vila Galé, que agora abriu em Elvas. Sou (por isso) naturalmente suspeito na minha apreciação, mas achei o hotel excelente. Tratou-se “apenas” da conversão de uma ruína que manchava o panorama urbano e que passou a ser, sem contestação, a melhor unidade hoteleira local.

Mas não era bem sobre isso que queria falar.

É que o Jorge Rebelo de Almeida representa, no mundo empresarial privado português, um “estilo” que é muito raro e que muito aprecio. Ao longo destes anos, vi o Jorge conseguir fazer acontecer as coisas, agarrar-se aos projetos com uma determinação muito pouco comum, não descansando enquanto cada passo não fosse concluído. Dizem-me que, no negócio, sabe de tudo, vai ao pormenor, mobiliza as equipas, entusiasma os colaboradores. 

Mas - e é isso que quero, essencialmente, destacar - o Jorge não faz parte dos queixinhas, dos “reclamadores” por atitude, daqueles que acham que tudo lhes é devido, dos que passam os dias a protestar contra tudo e contra todos. Raramente tenho visto alguém tão positivo na forma de atuar, procurando superar as dificuldades pelo diálogo incessante, sem arrogância mas com determinação, sempre com humor, espalhando uma “boa onda” que frequentemente derruba muros que uma outra atitude seguramente preservaria. Além disso, o Jorge não é muito sensível ao “ar do tempo”: no difícil período da “troika”, decidiu investir e remar contra a maré, fazendo apostas arriscadas, ou que só o não foram porque ele “sabe da poda”.

Há dias, na inauguração de Elvas, foi interessante ver que eram os trabalhadores do Vila Galé aqueles que mostravam o maior entusiasmo. A festa do Jorge era, claramente, também a deles.

Blake and Mortimer


Os leitores deste espaço já devem estar fartos das minhas “declarações de amor” à banda desenhada elaborada por Edgar P. Jacobs (leia-se à francesa), o genial autor belga, desaparecido em 1987, criador de algumas das mais importantes obras da escola belga do género. 

Após a morte de Jacobs, com maior ou menor talento, alguns outros tentaram prosseguir as aventuras de “Blake & Mortimer”. Tenho em casa tudo isso, sem a menor falha: os volumes editados por Jacobs, bem como os das sequelas que têm vindo a ser publicadas, mesmo as que seguem um registo humorístico discutível. E, claro, ao longo dos anos, acumulei muita livralhada sobre a obra de Jacobs.

Há dois dias, no aeroporto de Bruxelas, para minha surpresa, descobri que uma nova obra, de autores de quem nunca tinha ouvido falar, acabava de ser editada. Trata-se do “Le Dernier Pharaon”. Por lá andam, claro!, o impecável oficial Blake e o cientista Mortimer, essa dupla que me encanta desde a minha infância. Para os iniciados, aviso que, nesta nova aventura, não surge o terrível Olrik.

O traço deste trabalho, com laivos próximos de uma BD mais contemporânea, afasta-se bastante, e pela primeira vez, ao estilo de Jacobs, mesmo o dos seus seguidores, que sempre cuidaram em imitá-lo. O resultado é uma obra que não deixa de ser surpreendente, de um modelo inesperado, onde há mesmo um “regresso” altamente imaginativo a essa glória da BD que é “O Mistério da Grande Pirâmide”, numa teia ficcional notável. Para não revelar muito, apenas direi que Bruxelas e o seu Palácio da Justiça são o centro geográfico essencial deste novo trabalho sobre a dupla “maravilha”, a quem o mundo muito “deve”. Por mim, gostei da experiência, mas tenho dúvida de que os fãs mais clássicos de Jacobs a apreciem.

Estradas de Portugal


domingo, junho 30, 2019

Democracia e liberdade


Vitor Viana


Este espaço não tem por regular vocação acolher elogios. Mas tem por regra permitir ao seu autor dizer o que entende como justo deixar assinalado.

Algures em 2001, numa conversa em Nova Iorque, Jorge Sampaio, que ali tinha ido como presidente, explicou-me, como cristalino detalhe, as várias dimensões de uma complexa questão, então candente, que emergira como controversa no seio das Forças Armadas. Eu sabia que o chefe de Estado era particularmente atento aos temas castrenses, como testemunhara em reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional, mas surpreendi-me com o notável rigor da análise que fez, que denotava uma profundidade da abordagem, ancorada num sério conhecimento do problema. “Foi o Vitor Viana quem me aprofundou este assunto. Conhece-o?”. À época, praticamente só conhecia de vista o então oficial superior (hoje general) que, como assessor na Casa Militar em Belém, ajudara o presidente, com brilho, naquele particular.

Em 2010, Vitor Rodrigues Viana foi nomeado para chefiar o Instituto de Defesa Nacional, funções que deixará dentro de dias, terminado que foi o seu tempo de serviço. Tal como ocorrera com certa frequência no passado, em geral no âmbito dos cursos de Defesa Nacional, ao longo destes últimos nove anos tive o ensejo de colaborar regularmente com o IDN. Em debates, conferências, palestras, grupos de estudo e várias outras atividades, envolvendo portugueses e estrangeiros, um pouco por todo o país, pude constatar o notável trabalho - e não estou a exagerar! - realizado pelo general Viana à frente daquela instituição, muitas vezes com fortes constrangimentos orçamentais, a sua capacidade mobilizadora, o seu empenhamento na abertura a todas as áreas do país, enfim, a dinâmica que soube imprimir ao Instituto. Com ele, o IDN tornou-se, sem a menor dúvida, num dos mais relevantes “think tanks” deste país, num centro de reflexão que saiu frequentemente das dimensões tradicionais de segurança e defesa para se projetar numa análise das grandes temáticas geopolíticas globais ou regionais, com impacto nessas mesmas dimensões. Nesse património de reflexão, destaco, entre muitas outras obras publicadas, o trabalho preparatório feito, sob a responsabilidade do IDN, a montante da fixação do último Conceito Estratégico de Defesa Nacional (cujo grupo redator vim a integrar), um instrumento de reflexão e análise que se mantém do maior interesse para o futuro.

A partir da próxima semana, o IDN vai passar a ser dirigido por uma mulher, uma distinta académica, naquela que constitui uma inédita mas feliz decisão do ministro João Gomes Cravinho. Estou certo que, tal como já tinha acontecido (algumas vezes) no passado que antecedeu o general Vitor Viana, o IDN, sob a direção da professora Helena Carreiras, irá continuar a manter uma grande vitalidade nos debates e ações de formação que constituem o seu objeto. Mas julgo que o período de quase uma década em que Vitor Viana esteve à sua frente, passará a constituir uma marca importante na história da instituição.

Ao meu amigo Vitor Viana deixo um abraço de reconhecimento e de admiração pelo trabalho feito. E a certeza de que continuaremos a ver-nos por aí...

sexta-feira, junho 28, 2019

António Costa


Nos últimos três dias, passados com colegas de um projeto que envolve todos os Estados membros e instituições da União Europeia, recebi imensas perguntas sobre o “futuro europeu” de António Costa. 

Espontaneamente, várias foram as pessoas que me disseram que o primeiro-ministro português é, nos dias de hoje, uma personalidade muito respeitada na União, com o seu nome a ser crescentemente mencionado para um cargo dirigente na próxima repartição de posições cimeiras. A função de presidente do Conselho Europeu foi a mais referida.

Não “bebo do fino”, não tenho a menor informação que me permita saber se, da parte do chefe do nosso governo, há um mínimo de abertura para considerar esta hipótese. Mas tenho uma profunda convicção: se acaso António Costa encarasse a possibilidade de ir por essa via cometeria um erro de enormes proporções - para os interesses nacionais portugueses, que são os que mais me importam.

Sarkozy

“Ele está a ler Sarkozy”. A noite de ontem estava magnífica e aproveitei-a até bastante tarde, num café junto ao hotel, aqui em Bruxelas, depois do jantar. A frase, saída em francês da mesa ao lado, era correta: eu estava a ler um livro de memórias de Nicolas Sarkozy, saído já neste mês de junho, que comprara na véspera na magnífica Filigranes. Olhei para a mesa, onde estavam dois homens e uma mulher, e comentei: “Sim, é Sarkozy! Algum problema?”. Arrependi-me, no instante, de estar a ser tão provocatório, mas era tarde para recuar. Não estavam manifestamente à espera que eu “fosse a jogo”, até porque o comentário fora feito num tom de voz não muito alto. Um dos cavalheiros, reagiu: “De maneira nenhuma! Eu até votei nele!”. Fechei a conversa, sorrindo: “Eu não, não gosto de Sarkozy!”. E, deixando-os a digerir a contradição, continuei a ler (já quase acabei o livro) o relato feito pelo antigo presidente francês, no qual, numa linguagem pretendidamente mais consensual, se entretém a demolir adversários, a ajustar algumas contas (o capítulo sobre François Fillon é exemplar) mas também a revelar que foi definitivamente conquistado por uma agenda radical conservadora, em matéria securitária e migratória. Um destes dias, vou ter de fazer um esforço e tentar começar a ler livros que projetem ideias com que sei que vou estar de acordo.

quinta-feira, junho 27, 2019

Bruxelas


Numa esplanada de Bruxelas, com uma cerveja “trappiste” à ilharga para afugentar o calor, entre uma reunião e um jantar com as pessoas com quem, durante todo o dia, estive a trabalhar (e com quem, amanhã, de manhã bem cedo, continuarei em reunião...), ouvindo nas mesas ao lado uma Babel de línguas, dou comigo a pensar que continuo sem perceber esta cidade. 

Há dois dias, em Lisboa, um amigo que foi ministro por muitos anos, a quem disse que aqui vinha, comentou que não só não gostava nada de Bruxelas como nunca tinha percebido a sua geografia, sendo esta, no entanto, a cidade estrangeira que mais vezes tinha visitado - tal como, aliás, acontece comigo. 

Pelo contrário, eu creio conhecer relativamente bem as ruas desta terra, mas confesso que também nunca consegui estabelecer uma relação afetiva com ela, desde a primeira vez em que, há mais de meio século, por aqui aportei, numa viagem à boleia pela Europa. Vão em 16, pelas minhas contas, os hotéis diferentes em que dormi na capital belga, em algumas muitas dezenas de noites.

Dito isto, uma coisa deve colocar-se a crédito de Bruxelas: a qualidade dos seus restaurantes. É das boas cidades do mundo para se comer. Ontem, jantei magnificamente no “Le Petit Oignon”, com um senão: quando pedi pão e manteiga, enquanto fazia horas e lia uma revista, foi-me dito que, “pelas regras da casa”, só traziam esses complementos depois de fazer o pedido dos pratos. Porquê? Porque havia quem bebesse vinho, se “atulhasse” de pão, manteiga, azeitonas e paté, e, no final, decidisse que afinal já não estava com fome para um jantar completo. Nunca tinha ouvido coisa igual! Quando hoje contei isso a um amigo, a sua reação foi: “O que é que tu queres! São belgas!”. Não tenho esse preconceito, longe disso! E a verdade é que o meu amigo era francês...

quarta-feira, junho 26, 2019

O calor do sotaque


Está hoje um calor de arrasar, aqui por Bruxelas. À chegada ao hotel, comentei isso com o rececionista, alentejano de Serpa, mas, curiosamente, sem o menor sotaque. Brinquei, dizendo que, nem na Amareleja devia estar hoje um calor como este...

Lembrei-me então de uma história que ouvi, por aqui, um dia, a alguém que trabalhava nas instituições da União Europeia.

Essa pessoa tinha chegado a um determinado endereço em Bruxelas, mas estava a ter dificuldade em descobrir, nas campaínhas, o andar em que ficava a casa a que ia jantar.

Na indecisão, ligou para a porteira. Esta acabou por assomar à porta. Era uma mulher nova que, rapidamente, ele percebeu ser portuguesa. O sotaque da senhora era, iniludivelmente, alentejano. Por curiosidade, o meu amigo perguntou:

- De onde é que é, no Alentejo?

- Eu não sou do Alentejo.

Um pouco surpreendido, ele voltou à carga:

- Não é do Alentejo? Então onde é que nasceu?

- Eu nasci aqui, em Bruxelas. Nunca vivi no Alentejo, mas já lá fui de férias, algumas vezes. É uma terra muito bonita. É a terra dos meus pais, que trabalham aqui na Bélgica, há mais de 30 anos.

E disse tudo aquilo com um forte e belo sotaque alentejano.

São estas as malhas que a nossa diáspora tece e que um dia “alentejano“ em Bruxelas me fez agora recordar.

A mais velha aliança


Há muitos anos, num debate sobre a Europa organizado em Serralves, recordo-me de ter tido uma troca de argumentos com Tristan Garel-Jones, um político britânico que havia desempenhado, no respetivo governo, o cargo de responsável pelos Assuntos Europeus, que eu então ocupava por cá. Garel-Jones era um conservador europeísta, que eu tinha conhecido razoavelmente bem em Londres, e que por lá ficou famoso por ter sido em sua casa que se realizou a primeira reunião da conspiração que acabaria por derrubar Margareth Thatcher.

Nesse painel, moderado por João Carlos Espada, eu ousara dizer, perante uma gesticulante indignação de Garel-Jones, que o bom funcionamento do eixo franco-alemão era uma condição "sine qua non" para se produzirem avanços significativos nas políticas europeias. Os factos davam-me razão, pelo que o que talvez desagradasse a Garel-Jones fosse, simultaneamente, a hipótese de o aprofundamento vir a continuar a processar-se dessa forma, contra a vontade britânica, e a circunstância de eu parecer pouco incomodado com isso.

Para quem não saiba - e isso pode ser interessante no contexto pós-Brexit -, muita da tradicional proximidade entre Lisboa e Londres esbateu-se fortemente após a nossa entrada nas então chamadas Comunidades Europeias, em 1986. Enquanto o Reino Unido continuava a ser um parceiro relutante do processo europeu, Portugal tentava dar um salto "centrípeto", colocando-se no eixo da União, com a deliberada intenção de evitar cair num novo ciclo de perifericidade na sua história contemporânea. Salvo o interesse em manter viva na Europa a relação transatlântica (o que, à época, partilhávamos com os Países Baixos), quase tudo nos começava a afastar dos britânicos. Ler isto pode não ser confortável para algumas pessoas, mas a verdade nem sempre nos pode agradar.

Mas será que a "mais velha aliança", no contexto da futura singularidade britânica perante a Europa dos 27, não tem condições para poder ter um novo fôlego? Não quero desiludir ninguém, mas direi que, naquilo que verdadeiramente nos importa no quadro externo, estamos estritamente ligados ao quadro europeu, que tanto nos condiciona como nos protege e amplifica a nossa capacidade de defesa de interesses. E que tudo o resto, podendo ser interessante de explorar no terreno bilateral, acabará por ter uma dimensão menor e residual. A menos que a União Europeia desapareça, bem entendido. Perguntam-me se ainda acredito na "mais velha aliança"? Acredito, tanto como os ingleses...

(Artigo hoje publicado no "Jornal de Notícias")

terça-feira, junho 25, 2019

Estados frágeis


Durante o dia de hoje, organizado pelo G7+ e pelo Clube de Lisboa, a que presido, teve lugar no auditório da EDP um interessante debate sobre Governação e Sustentabilidade dos Recursos Naturais, em especial na perspetiva de Estados que emergem de situações de conflito.

Deixo uma imagem do painel inaugural, com Jorge Moreira da Silva (OCDE), Luís Amado (Clube de Lisboa) e Xanana Gusmão, principal impulsionador do G7+, moderado por Bárbara Reis (“Público”).

Fotos por aí


segunda-feira, junho 24, 2019

O ano da Coca-Cola

Há mais de duas décadas, fui chefiar uma missão de “diálogo político” da União Europeia ao Irão. 

Despedimo-nos do álcool no voo de Londres para Teerão. Nos dois dias passados por lá, cheios de reuniões, fiz uma cura de água mineral e sumos. 

O regresso foi por Roma, em “executiva”, num imenso mas espartano avião da Iran Air. Quando as hospedeiras nos trouxeram o menu do almoço, ouvi, atrás de mim, um membro da delegação da UE pedir “a carta de vinhos”. Temi o pior. A senhora respondeu que, para beber, só havia água mineral, sumo e Coca-Cola. Nada que me surpreendesse. O nosso homem voltou à carga, num registo já provocatório: “E a Coca-Cola é de que ano?” Não ouvi a resposta.

Há poucas horas, Trump anunciou o agravamento das sanções ao Irão. Terá proibido finalmente a Coca-Cola por lá?

A escrita e o São João


Participava num debate em Lisboa, há anos, com outros intervenientes, sobre um tema internacional, com largas dezenas de pessoas a assistir.

A certo passo, vi o telefone a “flashar”. Era do “Jornal de Notícias”. Era o dia da semana em que, até ao final da tarde, eu devia para lá enviar o meu artigo. 

Discretamente, enviei uma mensagem dizendo que não podia atender. De volta: “A que horas manda o seu artigo?”. Respondi: “Antes das 20, como é habitual”. Nova mensagem do JN: “Hoje é noite de S. João! Fechamos bastante mais cedo...”

Ó diabo! O rascunho do texto já estava no iPad, desde a véspera, mas precisava de ser ainda bastante trabalhado. Na hora seguinte, teve a sua graça terminá-lo, ali mesmo, sem ninguém suspeitar, à frente de toda aquela gente! E o tema era bem diferente do que estava em discussão...

Afinal, a ubiquidade pode assumir várias formas.

Ética política



Os últimos anos têm vindo a consagrar um tempo saudavelmente diferente no que toca à exigência ética requerida aos agentes políticos. Olhando para trás, fica a sensação de que a opinião pública tolerou, por muito tempo, certas formas desviantes de comportamento, talvez por assumi-las como consonantes com uma cultura bastante generalizada, e até silenciosamente aceite. O facto de raros serem aqueles cidadãos que se podiam dar ao luxo de dizerem que nunca “meteram uma cunha” foi criando como que uma discreta cumplicidade, face a modelos de comportamento que não cumpriam, a 100%, as regras oficiais do jogo. 

Porém, iria ser o surgimento de acusações de maior ou menor corrupção, com compra ou desvio de decisões, de atos de grave tráfico de influências, com consequências deletérias para o erário público e para o equilíbrio e legitimidade da ação dos órgãos do Estado, muitas vezes com a emergência de súbitas e inexplicáveis fortunas, que foi gerando um crescente ambiente de escândalo. Essa reação foi claramente potenciada por um maior escrutínio mediático e, muito em particular, pela divulgação sucessiva de acusações e suspeitas. A sociedade está mais atenta e isso é bom e muito saudável para a vida democrática.

Esta atitude de vigilância coletiva, de exigência de maior justiça, acarreta, contudo, alguns aspetos menos sãos. Esse clamor generalizado está a criar, frequentemente, um caldo de cultura acusatória em que não se cuida em separar o trigo do joio, numa atitude de “não há fumo sem fogo”, em que a mera suspeita é logo transformada em labéu, mesmo que, ao fim do dia, nada venha a ser provado. Estamos, nesses casos, perante meras formas demagógicas de justiça popular sumária. Se, para os reais culpados, esse preconceito acaba por ser justificado, para os inocentes esse será sempre um peso insuportável e eterno. 

A comunicação social e as redes sociais têm hoje essa dupla face: de denúncia saudável do que está errado e, muitas vezes, de promotores de acusações infundadas, sobre pessoas que nada devem à justiça - apenas numa lógica de irresponsável má língua, de potenciar da inveja, de mero despeito, quando não do levar à prática agendas de difamação e de ódio. E não sendo a verdade como o azeite, que rapidamente vem à tona na transparência das águas, nesse tribunal da opinião pública raramente funciona o motto da justiça segundo o qual “in dubio pro reo” (na dúvida, o réu é protegido).

Este equilíbrio entre a necessidade de divulgação das suspeitas, mesmo das acusações, e a preservação da presunção da inocência dos indiciados, com a possibilidade de recuperação plena da sua reputação em caso de ausência de prova, é um desiderato social difícil de conseguir. Visivelmente, há quem não se importe em preservar esse valor, nota-se mesmo uma espécie de sadismo acusatório, num coro abrutalhado e demagógico, a que chega a ser arriscado alguém objetar. Alguma comunicação social está, aliás, na primeira linha desse comportamento.

A sociedade política não está isenta de culpas neste terreno. Os partidos, que usufruem de um quase monopólio de representação institucional, não podem continuar a não tirar consequências, em tempo útil, das atitudes de quantos atuam em seu nome. Os delitos praticados por quantos acederam a cargos por virtude da confiança democrática dos cidadãos têm de lhes merecer uma atenção muito particular. Sabemos quanto os principais partidos dependem do poder autárquico e de como temem fragilizar quem, a nível local, atua em seu nome. E também é óbvio que essas forças partem sempre do princípio cautelar de que uma acusação não pode ser uma condenação antecipada. Mas não seria prudente, para uma qualquer força partidária, transmitir um sinal de respeito pelo processo judicial, com impacto público, suspendendo preventivamente de órgãos de direção quem houvesse sido objeto de uma indiciação por crime grave por parte do Ministério Público? Não estaria em causa uma expulsão das fileiras, mas um mero afastamento até tudo ficar mais claro. Ao não fazê-lo, deixam-se cair no fácil “são todos iguais”.

(Artigo publicado no “Jornal de Negócios” em 21.6.19)

domingo, junho 23, 2019

“Piauí”


O correio trouxe-me a “Piauí” de junho. A semana começa bem.

A escuridão


Aproximava-se a hora do jantar. O dia tinha sido complicado, todos estávamos atrasados. Naquele imenso hotel, naquela cidade de um país onde eu era então embaixador, só dava tempo para mudar de fato, antes do jantar.

Subi rapidamente ao quarto, com a mala. Abri a porta com o cartão eletrónico e logo as luzes surgiram. Era uma suite, que vi ser grande (às vezes, os embaixadores são tratados como merecem...). A porta fechou-se, lentamente, atrás de mim. Caminhei até chegar ao quarto, junto à cama. Depositei nela a mala. E também o casaco e o cartão da porta. Tirei logo a camisa suada da longa viagem. Pensei: ainda dá tempo para um rápido banho. Abri a mala, para tirar as coisas. 

Foi então que todas as lâmpadas, subitamente, se apagaram. Era já noite, as cortinas deviam estar corridas (às escuras, eu não fazia a menor ideia onde seria a janela), nem uma réstea de luminosidade pairava em todo aquele espaço, que eu não havia tido tempo de observar em pormenor. O erro era só meu: devia ter colocado o cartão no lugar de ativação das luzes, junto à entrada, lá para trás, mas, dava-me agora conta, não o tinha feito. E onde diabo estaria o raio do cartão? Provavelmente sobre a cama. Caramba, naquele hotel, o "time lag" programado das luzes era bem curto, menos de 30 segundos!

Estava assim na escuridão total. Imprudentemente, sem refletir bem, comecei a mover-me. Tentava encontrar a porta por onde tinha entrado. Lá longe. Bati contra o que percebi ser um candeeiro. Andei um pouco mais e tropecei numa mesa. Várias coisas caíram ao chão, entre as quais um telefone, que passou a lançar um silvo. Tateando, avancei e algo anguloso espetou-se-me na cintura (um móvel, pela certa) e, à frente das minhas mãos, uma televisão de plasma tremeu e correu sérios riscos. Continuei a tentar. Foi então que tropecei e caí sobre uma outra mesa (devia ser isso, presumi) e, desamparado, fui aterrar sobre algo que me pareceu ser uma cadeira. Devia ter derrubado, entretanto, tudo o que estava sobre nova mesa. Mais tarde, vim a constatar que era fruta, a garrafa de água e a ritual carta de boas-vindas do "manager".

Em que diabo da zona da suite (tinha percebido vagamente, à entrada, ter vários espaços distintos) estaria eu? A cama, ponto inicial de referência, com base na qual eu talvez pudesse reconstituir o percurso feito desde a entrada, já ficara para trás (ou para a frente, sei lá!). Estava totalmente baralhado quanto à geografia do espaço.

Não costumo "empanicar", mas dei por mim a constatar que estava a ficar sem soluções. E, agora, com um problema, acrescido e chato. É que, a certo passo (no sentido literal), pisei algo que estalou. Era vidro, talvez algum copo que eu derrubara. Tinha de ter mais cuidado, para não voltar a cair e ferir-me, ainda por cima estando eu de tronco nu. Parei para pensar (c'os diabos! Já tinha passado por situações bem mais difíceis, isto era apenas um "fait divers", embora embaraçante). 

Lembrei-me então da regra para sair de um labirinto: caminhar sempre num só sentido, para a esquerda ou para a direita. Foi o que tentei fazer. E continuei a tatear, com grande atenção. Sentia-me ridículo, para não me sentir desesperado. Agarrei algo: era um quadro. Consegui "escapar-lhe", sem danos colaterais. Sem uso da vista, o resto dos sentidos ficam mais apurados. 

Ouvi o que pareceu ser um longínquo ruído de canos e, nessa direção, senti uma porta. Baixei-me e vi que tinha mármore no chão: pronto, era a casa de banho. Passei ao longo do espaço da sua porta e continuei. Animado pela descoberta, acalmei e animei-me. Por algum tempo mais, mas que não deve ter sido tanto como isso, continuei a porfiar na busca do caminho de saída de um espaço de cuja configuração geral, repito, não guardara a menor ideia, aquando da minha entrada - já uma eternidade atrás. 

Fiquei, entretanto, a reconhecer a existência de mais um quadro numa parede. Foi então que a porta de entrada, finalmente!, surgiu na minha mão. Já me ria comigo mesmo, da trapalhada em que me tinha metido. Mas, agora, estava aliviado pelo termo da odisseia.

Abri a porta do corredor e, encandeado pela luz, dei de caras com um membro da delegação portuguesa, que passava em frente. Era um homem que se juntara connosco no hotel, creio que de uma empresa, uma pessoa com quem me tinha cruzado, mas com a qual não trocara uma palavra. Ia já bem aperaltado, para o repasto. Imagino como deve ter olhado para mim, em tronco nu, projetando um ar algo desaustinado e estremunhado, com uma aparência estranha, alguém que dava ares de emergir de uma aventura, solitária e inédita, num quarto escuro. Mas ele não podia saber. Sorri-lhe, imagino que com um sorriso amarelo, tentando transmitir um tom de naturalidade, sem coragem de lhe relatar o que me estava a acontecer. Os embaixadores, por definição da função, querem-se gente calma e "rassurante", dominadores da situação, em especial nos países onde estão acreditados. O que era o meu caso. Ele desapareceu ao fundo do corredor, deitando ainda um olhar de soslaio, ao voltar da esquina.

E ali estava eu: de tronco nu, segurando a porta. O meu problema não tinha acabado. Mas tinha evoluído. Dispunha agora da luz do corredor a iluminar-me o acesso ao início da suite. Mas havia um problema: não podia largar a porta para ir à procura da chave, que estaria algures sobre a cama (ou será que ficara no bolso do casaco?). Em qualquer caso, era bem longe, lá para dentro. 

E se eu fosse à portaria, pedir outra chave? Em tronco nu?! Doze andares abaixo?! Seria um belo espetáculo, para toda a nossa delegação, ministros incluídos, de certo todos juntos, à conversa, já de fato e gravata, para a função que se seguia! Lembrei-me que poderia ter pedido ao desconhecido da delegação para avisar a receção, mas não tinha tido o sangue-frio para agarrar a ideia a tempo. E ali estava eu, feito parvo, meio despido, agarrado à porta do quarto, com as pessoas (um primeiro ministro...) à minha espera no hall do hotel. 

Foi então que ela apareceu, linda, "dressed to kill", caminhando pelo corredor, aproximando-se da porta do meu quarto, em direção ao elevador. Já não era muito nova, mas era muito bem "desenhada" e caminhava num estudado "catwalk". Olhou para mim com um ligeiro sorriso. Curiosidade? Pena? Conhecendo-me, acho que devo ter "feito peito", para amortecer a imagem da barriga... Coloquei-lhe uma questão e ela disse: “I’m sorry, I don’t speak Portuguese”. Era americana.

- Could I ask you a favour?

Não sei o que a beldade possa ter pensado, mas constatei que me lançou um sorriso prometedor (no sentido prático da resolução do meu problema, entenda-se, porque as belas não são, necessariamente, destituídas de bom coração). "In a nutshell", expliquei-lhe a situação. Qual era então o favor que eu pedia? Eram duas coisas simples: que me emprestasse o seu cartão-chave, para eu poder "dar à luz", e que me segurasse a porta, enquanto eu descobria o meu próprio cartão. Claro que podia convidá-la a entrar, mas, seguramente, se o tivesse feito ela pensaria que eu lhe estava a "fazer a folha".

- “Don't worry! I'll keep it open for you!”, disse ela, prática e colaborante. E ficou na ombreira, com um pé dentro do quarto, segurando a porta e cedendo-me o seu cartão.

A luz fez-se e, em escassos segundos, recuperei a minha chave, que estava sobre a cama. Com um sorriso do tamanho do mundo, vim rapidamente ter à porta, com a minha salvadora. Sempre em tronco nu, entreguei-lhe, entre desvanecidos agradecimentos, o seu precioso cartão. Ela também continuava a sorrir.

Foi então, naquele preciso instante, que passaram no corredor dois outros membros da nossa delegação. Fizeram-me um olhar malandro, ao verem a beldade "sair" do meu quarto, comigo "ainda" em tronco nu. Tinhamos todos chegado àquele hotel há menos de meia hora. "O embaixador não perdeu tempo!", devem ter pensado. Quando, um quarto de hora mais tarde, me cruzei com eles à entrada para o jantar, olharam para mim com um sorriso cúmplice. Fiz de conta, mas o meu olhar não desmentiu nada. O prestígio é um bem escasso...

Hoje à noite, também sozinho, ao regressar ao quarto, depois da sessão de inauguração de um hotel alentejano, lembrei-me desta história. Mas, desta vez, nem eu me esqueci de colocar o cartão para garantir as luzes acesas, nem passou nenhuma beldade pelo corredor.

sábado, junho 22, 2019

Trouxas reais


Um episódio de 1993.

Na sala de reuniões da embaixada de Portugal em Londres, o nosso “staff" e o grupo vindo de Lisboa para preparar a próxima visita de Estado do presidente Mário Soares discutiam o menu do banquete que seria oferecido na nossa residência à soberana e à familia real.

O "catering" era local, aliás recomendado por Buckingham. Optou-se por um menu clássico, conservador, europeu. Para projetar a diferença portuguesa nessa refeição, restavam, assim, os vinhos e as sobremesas.

Nos vinhos, não foi nada fácil o consenso. Mas conseguiu-se, ao final de algum tempo. Na discussão das sobremesas, o Chefe do Protocolo do Estado, que chefiava a missão vinda de Lisboa, foi arriscando algumas sugestões. A medo, diga-se. É que parte delas ia sendo afastada, liminar e displicentemente, pelo embaixador em Londres - que falava do alto da sua lendária, e indiscutível, competência gastronómica. Outras iam sendo retidas, sempre com algumas reticências, para posterior ponderação. A corrente não passava, decididamente, entre os dois, quiçá fruto de qestiúnculas antigas.

Num certo momento, o chefe do protocolo decidiu avançar com a ideia de se servirem trouxas de ovos. A reação do nosso embaixador foi tremenda e sonora: "Ó homem! Trouxas de ovos?! Então você não sabe que a rainha não come ovos?!".

O homem do Protocolo, que carregava já, nesses dias, um histórico de uma pouco suave de troca de argumentos com o embaixador, espantou-se: "Ai é!? A rainha não come ovos!?".

E olhou em volta, procurando solidariedade no seu desconhecimento dessa suposta pecularidade dietética da soberana britânica, que, pelo tom de esmagadora evidência que fora assumido pelo seu colega em posto, era, com toda a certeza, uma banalidade informativa a que, por alguma razão, ele não tivera antecipado acesso.

Eu estava sentado precisamente em frente do Chefe do Protocolo, que me fitou, ansioso. Mantive-me impávido, com uma impenetrável “cara de negociação”, apenas bamboleando discretamente "que não" com a cabeça: se o meu embaixador diz que a rainha de Inglaterra não come ovos, é claro que a rainha não come ovos, ponto! Ou, pelo menos, é essa a convicção que um leal colaborador é obrigado a espelhar. Não faltava mais nada que assim não fosse!

Porque não sou dado a guardar a menor "memorabilia" de qualquer evento a que tenha assistido na vida, não posso conferir qual o doce português que foi servido à soberana britânica (e à princesa Diana e outras realezas), nesse jantar em que também estive. Trouxas de ovos não foi, com toda a certeza! Mas, até hoje, ainda me interrogo sobre se Isabel II teria gostado dessa deliciosa iguaria, até porque, confesso, nunca soube se, de facto, a rainha come ovos. Ou não.

sexta-feira, junho 21, 2019


A sorte de quem cá fica!

Há dias de azar! Na próxima quinta-feira, dia 27 de junho, vou ter de estar a trabalhar em Bruxelas, precisamente à mesma hora (18.30 horas) em que, no Grémio Literário (Rua Ivens, 37), em Lisboa, vai ter lugar um debate a que muito gostaria de assistir, sobre um tema muito interessante: a Monarquia Constitucional e a Geração de 70.

Partindo do ano de 1875, vai ali falar-se das mudanças da sociedade portuguesa, desde a consolidação da Monarquia Constitucional, com a Regeneração, passando pelos anos do progressismo fontista e terminando com a crise do fim do século - crise política do Ultimato inglês, crise financeira de 1892 (das mais graves que Portugal conheceu) e crise ideológica, de que são testemunho histórico e expressão cultural as polémicas da Geração de 70. Por ali se referirá Eça, presença inspiradora constante no Grémio, passando por Antero, Oliveira Martins e outras figuras protagonistas desse movimento.

Introduzirão o debate Maria de Fátima Bonifácio, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e Isabel Pires de Lima, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Do que me chegou do Grémio, a entrada é livre, recomendando-se inscrição telefónica 213 475 666 ou por email: info@gremioliterario.pt. 

Quem tiver tido a sorte de ir ao Grémio na próxima 5ª feira que depois me conte, está bem?

Rima e é verdade!


Em Vila Real, existiu, em tempos idos, um célebre alfaiate, que tinha por publicidade duas quadras:

Se quer um fato perfeito,
de acabamento ideal,
tê-lo-á, mas se for feito
no Pontes, Vila Real

Se deseja no trajar
ser modelo em Trás-os-Montes,
seus fatos mande talhar
pelas hábeis mãos do Pontes”

Agora, esta nova e imbatível farmácia, recém-inaugurada, também poderia recorrer à poesia e ter como seu “reclame”:

Enxaquecas ou azias,
tremuras ou outras queixas,
tudo isso tem remédio
na nova Farmácia Seixas

Sem mecos e com bom espaço,
pr’arrumar a viatura,
a nova Farmácia Seixas
mostra que tudo tem cura”

quinta-feira, junho 20, 2019

Embaixador Pinto de Mesquita


Há duas décadas, andava eu então em lides governativas, decidi, numas férias de Verão, passarinhar duas semanas pelo país, alojando-me em casas senhoriais que praticavam Turismo de Habitação. Nesse tempo em que a identificação não era requerida, fazia as reservas telefónicas apenas com o primeiro e último nome. Com este expediente, e porque não era cara conhecida, pude desfrutar de um grande sossego. 

Na Casa de Sezim, perto de Guimarães, uma moradia extraordinária, com papeis de parede com uma história magnífica, instalei-me então por dois dias. Sabia que a casa era propriedade do embaixador Pinto de Mesquita, pessoa que, contudo, só conhecia de nome. Tratava-se de um respeitado diplomata, com uma longa carreira, à época já reformado, pai de um amigo e colega de profissão. Tinha a intenção de ir cumprimentá-lo, no termo da hospedagem.

Ao final do primeiro dia, contudo, eu tinha sido “descoberto”. Foi então com grande gosto que recebi um convite para um almoço, na zona mais nobre da casa, com o embaixador Pinto de Mesquita como acolhedor anfitrião. Lembro-me de falarmos bastante da Noruega, onde ambos havíamos estado em posto, dos empregados portugueses que trabalhavam na residência em Oslo - a Ana e o Domingos - que sempre recordavam com imensa estima do casal Pinto de Mesquita - e esse é um “teste” fundamental, podem crer!. E recordo, para sempre, um magnífico verde branco com que o embaixador Pinto de Mesquita fez questão de me presentear na despedida.

Há semanas, o embaixador Pinto de Mesquita cumpriu a belíssima idade de 102 anos. Hoje, serenamente, ele sai de cena, deixando a Casa de Sezim mais triste.

Ao Simeão e a toda a Família, deixo um abraço de pesar e de respeito por aquela que, para todos os colegas, ficou consagrada como uma figura com grande dignidade na diplomacia portuguesa.

(“Roubo” a fotografia ao portal de José Paulo Fafe, no Facebook)

Manuel José Homem de Mello


Morreu Manuel José Homem de Mello, também conhecido pelo Conde de Águeda. Figura da aristocracia da zona de Aveiro, tinha 88 anos e há muito que havia desaparecido da vida pública.

Em 1962, um ano depois do início da guerra colonial em Angola (em Moçambique e na Guiné, seria mais tarde), um livro iria escandalizar a ditadura. Um jovem advogado, que havia sido deputado da União Nacional, Manuel José Homem de Mello, ousara teorizar, no seu livro “Portugal, o Ultramar e o futuro”, sobre a necessidade de se fazer uma reflexão sobre o futuro institucional do “Ultramar”. Eram propostas de certo modo idênticas às que se rumoravam em setores do regime, nomeadamente num memorando, então muito pouco conhecido, da autoria do próprio Marcelo Caetano - que, aliás, nesse mesmo ano, se iria demitir, com algum “estrondo” de reitor da Universidade de Lisboa. 

A principal “novidade” do livro, para além da ousadia das suas propostas, era o facto de ele ser prefaciado por Craveiro Lopes, antigo presidente da República (1951/58), que Salazar recusara reconduzir em Belém. Um ano antes, em março, Craveiro Lopes estivera envolvido na malograda tentativa de golpe de Estado protagonizada por Botelho Moniz. Homem de Mello é tido como próximo desse movimento conspirativo, conhecido pela “Abrilada de 1961”, que levou a uma profunda remodelação política e militar promovida por Salazar.

Se a publicação de “Portugal, o Ultramar e o Futuro” constituiu o primeiro gesto heterodoxo no seio do regime, depois de 1961, viria a ser necessário esperar mais 12 anos até que um outro livro, com o título curiosamente similar de “Portugal e o futuro”, da autoria de António de Spínola, contribuísse para abalar de vez a ditadura.

Homem de Mello foi uma das caras conhecidas do marcelismo, tendo então sido diretor do vespertino “A Capital”. Acabaria por se incompatibilizar com o último ditador. Em democracia, além de empresário, foi comentador televisivo e escreveu alguns livros. Era tido como uma figura próxima de Mário Soares.

Neste blogue, faz hoje 10 anos

20.6.2009

Chile


Ao ler a notícia da morte de Hortensia Allende, não pude deixar de recordar a primeira visita que fiz, em 2000, ao Palácio de la Moneda e a profunda emoção que senti ao percorrer aqueles corredores, por onde havia passado um vento de tragédia que iria afectar, por muitos anos, a vida do Chile. E que, à época, me marcou imenso.

José Miguel Insulza, ministro chileno do Interior, presidente interino, que me recebeu no Palácio, disse-me então que entendia bem o sentimento da nossa "generación de los claveles" perante o golpe chileno.

Voltei a encontrar Insulza, no ano seguinte, numa livraria, em Nova Iorque, poucas semanas depois do 11 de Setembro. Lembrou-me: "nosotros también tuvimos el nuestro 11 de septiembre". De facto: 28 anos antes, em 11 de Setembro de 1973, data do golpe de Pinochet e da morte de Salvador Allende. 

Uma tragédia não apaga a outra, mas, por uma qualquer razão, vale sempre a pena lembrá-las juntas.

quarta-feira, junho 19, 2019

Está alguém a ouvir?


Se se olhar para as principais prioridades da política externa portuguesa, verificaremos que nelas há um único tema que transitou do tempo da ditadura para a democracia: o empenhamento nas relações transatlânticas, nomeadamente na aliança de defesa que tem os EUA e a NATO no seu centro. Isso revela bem a importância que os Estados Unidos assumem, desde há muito, no quadro da nossa diplomacia.

Portugal tinha sido cooptado pela Guerra Fria, em 1949, para ser parte do novo "mundo livre". Mas Salazar viria a encontrar, com o tema colonial, razões para não confiar nos Estados Unidos, tal como Marcelo Caetano iria perceber, durante a guerra do Yom Kippur, o preço de tentar contrariar Washington.

Com o 25 de abril, alguma tentação neutralista perpassou brevemente pelas Necessidades, mas o realismo cedo refez o seu caminho. Mesmo se a Europa tinha passado a ser, a partir de certa altura, o terreno onde prosperavam as afinidades eletivas do então "arco da governação", o vínculo transatlântico manteve-se sempre, até na atitude portuguesa no quadro continental integrado, como o "politicamente correto" de que nenhum governo ousou afastar-se, com o mutante fator Lajes sempre de permeio.

Em 2003, numa sujeição caricatural, Portugal "viu" mesmo as armas de destruição maciça que o Iraque afinal não tinha, com o primeiro-ministro de então a ter o desplante de afirmar que, entre os EUA e Saddam Hussein, não hesitava na escolha, escolhendo a mentira. Mais tarde, o governo de coligação com a troika deixar-se-ia pressionar por Washington, isolando-se na Europa, na questão da entrada da Palestina para a UNESCO, além de outros episódios pouco dignificantes.

A diplomacia portuguesa, por muito tempo, como que recriou, em sentido acrítico, o famoso motto sobre a General Motors, do secretário de Defesa Charles Wilson, aceitando que "o que é bom para os EUA é bom para Portugal". Muitas vezes, diga-se em abono da verdade, foi assim, mas, viciado nesse tropismo seguidista, Lisboa foi comodista na avaliação diacrónica dos impactes geopolíticos, parecendo não ter visto emergir evidências como o declínio inevitável de uma presença relevante nas Lajes ou a crescente preferência da NATO pela Espanha.

E agora? Perante a expressão arrogante do interesse nacional americano sobre todos os outros, mesmo o dos seus fiéis aliados europeus, onde ficamos? Continuamos a proclamar, claro, o nosso interesse na vertente transatlântica. Mas será que, do lado de lá, está alguém a ouvir?

(Artigo hoje publicado no “Jornal de Notícias”)

terça-feira, junho 18, 2019

Poulidor


Hoje de manhã, durante uma reunião, alguém me disse, em voz baixa, referindo-se ao segundo lugar em que uma determinada instituição ficara, numa certa escala: “É uma espécie de Poulidor!”.

Ri-me e disse-lhe que aquela era, manifestamente, uma referência muito geracional: muito poucos jovens reagiriam perante aquele comentário, desconhecendo por completo a que se referia.

Raymond Poulidor foi um grande ciclista francês, vencedor de várias provas no seu país e no estrangeiro, mas que não só nunca conquistou o "Tour de France" como nem nele sequer chegou a vestir alguma vez a "camisola amarela", embora tenha ganho várias etapas. Era tido pelo “eterno segundo”: foi três vezes segundo classificado e cinco vezes terceiro na Volta à França.

Poulidor é hoje um ídolo para várias gerações francesas, que carinhosamente lhe chamam “Poupou”. É também uma figura por quem, desde sempre, nutro uma imensa simpatia, nesta minha incontrolável tendência para gostar dos gloriosos e dignos "losers". Tanto mais que eu não sigo o lema cínico dos obcecados com as glórias que sempre acham que, numa classificação, o segundo lugar é aquele que é mais parecido com o último...

(Do que a gente se lembra numa sala de espera de um consultório, com wifi e iPhone à mão!)

Neste blogue, faz hoje 10 anos


18.6.2009

Carlos Candal

“No início dos anos 60, havia sido líder da luta académica, em Coimbra. Jorge Sampaio contou-me que, num dia desses tempos, foi de Lisboa a Coimbra para um diálogo entre lideranças universitárias, em período de tensão política forte. Com todos os cuidados que a segurança recomendava, dirigiu-se à República onde vivia Carlos Candal, que não conhecia pessoalmente. Bateu à porta e atendeu uma governanta, que disse que "já ia chamar o Dr. Candal" - em Coimbra, à época, "era-se" doutor antes do curso acabado. O ambiente era muito diferente do contexto homólogo lisboeta, com desenhos humorísticos pelas paredes, garrafões e outros artefactos pendurados do tecto, enfim, toda a parafernália simbólica da boémia coimbrã. Minutos depois, Jorge Sampaio ouviu, do alto da escada, um vozeirão: "Olá, menino! Já desço". Sampaio olhou e lá estava, ainda de roupão indiciador de grande noitada na véspera, a figura do seu interlocutor político, Carlos Candal. Nesse momento, o futuro Presidente da República terá percebido melhor a diferença eterna entre a maneira de ser das academias de Lisboa e de Coimbra. E dos políticos oriundos de ambas, claro.

segunda-feira, junho 17, 2019

Há mesa!


Assim, vale a pena! Não é necessário fazer reserva de mesa. Há sempre!

O telefonema


Foi nos anos 70. Estava sozinho na minha sala de trabalho, no MNE. Os restantes colegas haviam já saído para o almoço.

O telefone tocou. A voz masculina era de alguém jovem. O tom era algo agreste, sem vontade de expressar um mínimo de cortesia. O pedido feito era relativamente simples de satisfazer: fornecer o número de telefone de casa de um determinado embaixador português, no estrangeiro.

Estranhei o facto de a pessoa ter ligado exatamente para o serviço onde eu estava colocado, embora nós nos ocupássemos das relações económicas com a área regional onde a embaixada se situava. Porém, as telefonistas ou o serviço de pessoal do MNE seriam as entidades mais indicadas para dar aquela informação. Referi isso ao meu interlocutor, até porque não estava a apreciar a forma pouco delicada como ele se me dirigia, mas igualmente porque os números de telefone das residências dos embaixadores não eram públicos, pelo que a regra era não serem indicados, salvo em circunstâncias justificadas.

- Sou filho do embaixador. Ou você me quer dar o número do telefone ou não quer!

Voltei a não apreciar o tom mas, porque conhecia o pai, um homem amável e muito cordial, fui procurar o número. Ditei-o, o filho do embaixador repetiu-o e desligou o telefone, sem agradecer. Imagino que terei ficado furioso, mas logo esqueci o assunto.

No dia seguinte, à conversa com colegas, um deles disse-me:

- Já sabes do filho do embaixador "fulano"? Suicidou-se, ontem.

- A que horas? - perguntei, para legítimo espanto de todos, intrigados com a minha especiosa curiosidade.

- Parece que foi a meio da tarde.

Desde esse dia, procuro recordar a voz desse rapaz, que vivia sozinho em Portugal. Devo ter sido das últimas pessoas com quem ele falou. Terá chegado a contactar o pai? Nunca tive coragem de lhe perguntar e agora é tarde, porque também ele já desapareceu há muito, aliás de uma forma com o seu quê de trágico.

A condição diplomática introduz, às vezes, fortes tensões nas famílias, fruto de separações a que obriga, dos isolamentos que provoca e dos desequilíbrios que potencia. A instável vida dos diplomatas está longe de ser o mar de rosas que alguns, de fora, mitificam.

O concerto da Júlia

Foi assim, depois do almoço de hoje. A pianista, com menos de 10 anos, chama-se Júlia.