sexta-feira, novembro 10, 2017

Ver os aviões


   

Ainda fui desse tempo. Quem visitasse Lisboa não passava sem uma ida ao aeroporto, nesses anos 50 (Nas outras capitais. era também assim: ouçam o “Dimanche à Orly”, de Bécaud). Para “ver os aviões”. O serviço na esplanada era caro mas, caramba!, valia a pena, e uma vez não são vezes! 

Lisboa, para quem vinha em família, da província, incluia o flanar, a comprar novidades e a ver as montras, pelo Chiado e pela Baixa, andar nas escadas rolantes do Grandela, ver o preto à porta da Casa Africana, tomar café na Brasileira, na Suiça ou no Nicola. Olhar a “outra banda” do topo do Parque Eduardo VII, fazer o lento passeio de carro pela esquadria urbana em construção das Avenidas (então) Novas, ter o deslumbre noturno que era a Fonte Luminosa, tudo isso era parte do programa. Os adultos não passavam sem uma ida aos fados ou a uma sessão (havia duas, três ao domingo) de uma revista, seguida de jantar no Parque. Para os miúdos, como eu era, havia, claro!, a visita ao Jardim Zoológico com a moeda ao elefante, e pouco mais... No domingo, o “passeio dos tristes” também era obrigatório: ir a Cascais pela Linha, subir a Sintra e regressar pelas portas de Benfica ou pela “imensa” autoestrada, com paragem no miradouro do Viaduto Duarte Pacheco (a sério, era possível!) e na Torre de Monsanto. Com bom tempo, num cacilheiro, ia-se almoçar ao Ginjal. Às vezes, sempre num domingo e sempre às três da tarde (havia regras, nesse tempo, ora bem!), ia-se à “bola” de um dos grandes (em que o Belenenses então figurava). Ah! E com a chegada do Metro, já nos anos 60, outro atrativo se criou. E, claro, para quem viesse de comboio, o prateado “Foguete”, que ligava ao Porto, era o máximo! E, no fim, levava-se que contar, por uns tempos. Até à próxima.

Saudades? Uma ova! A Lisboa de hoje tem mil vezes mais graça, mais oferta, mais qualidade de vida. Se olharmos para trás, o tempo era como a fotografia: a preto e branco. Ora a vida é a cores!

(Em tempo: alguém me lembra, e bem!, que não referi a Feira Popular. É verdade, nunca me levaram lá! E, agora, é muito tarde: infelizmente, não tenho a quem me queixar...)

No tempo


Às vezes, olhando imagens de vedetas do cinema de outros tempos, dou comigo a pensar como o conceito de beleza feminina mudou com os anos. Vou mais longe: raramente vislumbro figuras dessa época que possam rivalizar com a beleza de algumas atrizes contemporâneas, naturalmente à luz dos padrões estéticos que hoje seguimos. Por essa razão me parece tão excecional esta fotografia que hoje encontrei, de Hedy Lamarr, uma vedeta dos anos 30, com uma imagem que não podia ser mais atual. Não acham?

CPLP

No dia 29 de novembro, pelas 17 horas, na Sociedade de Geografia de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão, 100, no âmbito de um ciclo de palestras, irei falar da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e dos principais problemas que, a meu ver, marcaram o desenvolvimento desta organização, nos mais de vinte anos que decorreram desde a sua criação.

Diplomacia e política


Aquando do recente falecimento do embaixador João Hall Themido, alguém se interrogava como fora possível ele ser o representante diplomático português em Washington, entre 1971 e 1981, com a Revolução de permeio - sucessivamente representando a ditadura, o pós-25 de abril e a democracia, com primeiros-ministros tão contrastantes como Marcelo Caetano ou Vasco Gonçalves. Percebo a perplexidade, mas ela não tem razão de ser.

Historicamente, a representação de um Estado perante outro começou por ser assegurada por delegados pessoais dos soberanos junto dos seus homólogos. Com o decurso do tempo, todos os países foram criando um corpo profissional de especialistas para acompanhar funcionalmente as suas relações externas – a chamada carreira diplomática. Nos dias de hoje, entre nós, o acesso a esta carreira passa pelo mais exigente concurso em toda a nossa Administração Pública.

Isso não impede alguns países de continuarem a utilizar para tal como figuras oriundas de fora desse corpo profissional – os “embaixadores políticos”. Isso acontece, mais vulgarmente, no caso de ditaduras e de regimes autoritários ou presidencialistas.

Entre nós, o Estado Novo começou por ter apenas “embaixadores políticos”, tal como já acontecera com a I República e o regime monárquico, mas, atendendo ao aumento das missões diplomáticas, foi aderindo à prática de nomear para a chefia de algumas dessas missões funcionários da carreira diplomática, que entretanto se foi estruturando. A ela pertencia Hall Themido.

Mário Soares confessava ter chegado ao palácio das Necessidades, após o 25 de abril, com fortes interrogações sobre a carreira diplomática que, antes da Revolução, tinha defendido externamente as políticas do regime derrubado, nomeadamente a política colonial. Mas rapidamente se terá apercebido de que, com muito escassas exceções, o corpo de funcionários que o MNE punha à disposição do novo regime era constituído por dedicados servidores públicos, com grande sentido patriótico e lealdade funcional ao Estado. 

A democracia e a estabilidade da sua representação externa muito ganharam com a continuidade que Soares então preconizou e veio a prevalecer. Isso não impediu que, em ciclos políticos diferentes, o novo regime não tenha sido tentado a nomear quase uma trintena de “embaixadores políticos”. Desde 2011, não há nenhum chefe de missão exterior à carreira diplomática portuguesa, mas sinto que a tentação poderá não ter desaparecido por completo nas nossas hostes político-partidárias, da esquerda à direita. Espero que a maturidade da democracia portuguesa seja suficiente para, no futuro, ser capaz de resistir às tentações e que o chefe do Estado disso seja um guardião atento.

quinta-feira, novembro 09, 2017

Comentário internacional

É notória a magnífica qualidade do comentário internacional que, nos dias de hoje, os especialistas oriundos das universidades portuguesas espalham pelas nossas televisões - por todas elas. 

Gente em geral jovem, muito bem preparada e conhecedora, equilibrada no comentário e fugindo ao impressionismo do velho jornalismo internacional português, que se habituou a “tomar partido”, não percebendo quanto assim se descredibiliza. 

Mas, atenção!, continua a haver excelentes jornalistas na área internacional da nossa comunicação social, que sabem apresentar com rigor as razões de cada lado, não caindo no facilitismo medíocre de “decretar” quem tem razão. Com o tempo, estou certo que o joio acabará expulso pelo trigo.

quarta-feira, novembro 08, 2017

Portugal na UNESCO



É uma magnífica notícia, que honra a diplomacia portuguesa, a nossa eleição para o Conselho Executivo da UNESCO, a mais importante instância da organização. Vale a pena notar que a Alemanha foi o país derrotado no nosso grupo geográfico. 

A vitória portuguesa vem provar, uma vez mais, a excecional capacidade do nosso país de ganhar eleições no mundo das organizações multilaterais.

É assim tempo de Portugal voltar a ter um embaixador dedicado exclusivamente à UNESCO porque, agora mais do que nunca, passa a ser impossível ao nosso embaixador em França assegurar o seu trabalho com o do Conselho Executivo. Estou certo que o MNE está atento a isto e à necessidade de reforço da nossa Delegação junto da organização.






Trump


Um ano com Trump. Recordando o ambiente que antecedeu as eleições americanas, a surpresa (para muitos) do resultado e o debate de um mundo aturdido em torno do mesmo, o mínimo que se pode dizer é que Trump não “desiludiu” a generalidade das expetativas. Os balanços aí estão, por toda a comunicação social, relativamente uniformes. Em síntese, pode dizer-se que ninguém esperava que uma sociedade com a maturidade política como a americana pudesse produzir na Casa Branca uma figura tão escassamente preparada para dirigir o mais importante país do mundo. Trump é hoje um visível embaraço para grande parte da América e é patente que o seu “establishment” se vê em grandes dificuldades para controlar a impulsividade e o estilo errático, no limiar do desastre, da sua presidência. O mundo exterior, depois do primeiro impacto, parece andar à procura do melhor modo de lidar com ele, na certeza de que, nesse relacionamento, nada é adquirido e tudo pode mudar no instante seguinte. O grande drama para a comunidade internacional é que, pela importância dos EUA numa multiplicidade de áreas, não é possível ficar à espera do pós-Trump. Se, para os americanos, como referi, Trump é um embaraço, para o resto do mundo é e vai continuar a ser um imenso problema.

terça-feira, novembro 07, 2017

João Hall Themido (1924-2017)


Morreu João Hall Themido. A esmagadora maioria dos portugueses não o conhece, mas é interessante deixar registado que foi um dos mais importantes embaixadores portugueses. 

Com Vasco Futscher Pereira, Tomaz Andresen e Calvet de Magalhães, Themido fez parte da geração de embaixadores de topo que assegurou, com grande profissionalismo, a continuidade do Estado na transição da diplomacia da ditadura para o novo regime democrático. No 25 de abril, era embaixador em Washington, desde 1971. Aí ficou uma década (isso mesmo!) - de Marcelo Caetano a Palma Carlos, de Vasco Gonçalves a Mário Soares e alguns outros primeiros-ministros. Antes, tinha sido embaixador em Roma e sê-lo-ia ainda em Londres, depois de exercer o cargo de secretário-geral no MNE.

Hall Themido era naturalmente um especialista nas relações luso-americanas. Um dia, em 1988, ao tempo em que chefiava a embaixada em Londres, perguntei-lhe pelas memórias que “obrigatoriamente” tinha de escrever. Disse-me que estava a trabalhar nisso. Fá-lo-ia mais tarde, com “10 anos em Washington” (1995) e “Uma autobiografia disfarçada” (2008). 

Nessa ocasião, advertiu-me quanto àquilo que, enquanto diplomatas, podemos dizer aos jornalistas. Contou-me então que se arrependera de uma conversa tida como José Freire Antunes, a propósito das relações com os EUA. A certo passo da conversa, Themido teria deixado cair, pensava ele que “off the record”, um comentário menos apreciativo sobre o Visconde de Botelho, entretanto já falecido, figura que teve alguma visibilidade, nos anos 70, no mundo das relações transatlânticas de segurança e defesa. Freire Antunes não terá respeitado (ou entendido como tal) a confidencialidade do comentário, pelo que o transcreveu “ipsis verbis” num livro e a família do Visconde cortou relações com Hall Themido. Referiu-me também que Franco Nogueira tinha tido uma experiência similar com o mesmo jornalista. “Tenha sempre muito cuidado com o que diz aos jornalistas, Seixas da Costa!”. Tive e tenho, mas nunca tive surpresas excessivamente desagradáveis.

Com a morte de Hall Themido, desaparece o último expoente de uma geração de profissionais de grande qualidade, num período muito complexo da história externa do país, que havia imediatamente sucedido àquela que teve por figuras maiores Marcello Mathias, Franco Nogueira, António de Faria ou José Manuel Fragoso, que haviam cessado funções antes do 25 de abril. 

Web Summit

Desprezar o Web Summit é uma parolice? Não, não é, é apenas uma imensa estupidez, é não perceber a importância (quase histórica) que representa para Portugal poder colocar-se no centro do mapa do mundo do futuro. É neste tipo de reações que se deteta melhor a razão pela qual, como país, temos dificuldade em sair da cepa torta.

MEC



Não vou deixar de ler Miguel Esteves Cardoso depois da parvoíce deste texto, embora faça parte daquela que ele considera ser a “gente rancorosa, obstinada e estúpida” que prefere manter Portugal independente da Espanha. 

Mas, claro, passei a ter bastante menos consideração por alguém que, sendo um frustrado súbdito de Espanha, consegue a proeza de escrever num ótimo português e que, às vezes, tem imensa piada. Como agora, neste texto, que me fez rir muito (dele) e que, com toda a diplomacia, me motiva a mandá-lo comprar caramelos a Badajoz ou a qualquer outra parte.

(Em tempo: Francisco Bélard nota, e bem, que MEC escreveu na véspera um texto em que afirma praticamente o contrário. Descontada a esquizofrenia, querendo ou não o autor ser irónico, este é o texto que os leitores têm para ler e que não traz qualquer ”disclaimer”

100 anos


Passam hoje 100 anos sobre aquela que é considerada a data da Revolução que inaugurou o regime soviético na Rússia. Para uns, foi uma data libertadora que iniciou um percurso novo de esperança para o mundo. Para outros, trata-se da data funesta que abriu um tempo ditatorial trágico. Para este texto é-me perfeitamente indiferente esta inconciliável dicotomia.

Faço parte de uma geração que nasceu para a cidadania no período da ditadura salazarista. Habituei-me a respeitar os militantes comunistas como as principais vítimas desse sinistro período repressivo. Nunca tendo pertencido às suas hostes, a (sua) Revolução russa faz parte do meu património de memória afetiva. E eu sou incorrigivelmente apegado àquilo a que um dia me senti ligado.

Em 1980, fui a Leninegrado e fiz o percurso ”turístico” da antiga Petrogrado que a minha geração fazia: da estação da Finlândia ao Aurora, do Palácio de Inverno à esquina trágica da Nevsky Prospekt. (Era já então uma URSS triste, sem esperança, no estertor de um projeto falhado.)

Em 2012, voltei, agora a São Petersburgo. (Era a nova Rússia de Putin, uma sociedade estranha, dominada pela humilhação da perda da Guerra Fria, acossada e perigosa.) Por alguns dias, trabalhei por ali no edifício da Duma, onde Lenine falou e está retratado em quadros célebres. Ao ter o ensejo de tomar a palavra naquela sala mítica, não posso esconder que senti uma estranha emoção.

Felizes os que não têm contradições, porque deles é o reino da (sua) verdade.

segunda-feira, novembro 06, 2017

Estaline e a geografia


Sempre tive grande curiosidade pela figura de José Estaline, no triângulo de personalidades que ficaram na memória da Revolução Russa, que amanhã comemora um século.

Lenine, o líder incontestado, teorizador ímpar do comunismo, morreu cedo, consagrando-se em mito e em corpo embalsamado. Léon Trotsky, intelectual de imenso mérito, ideólogo desviante, rapidamente afastado do país, morreria no México, perseguido por Estaline, sob o machado de gelo de Mercader. 

Estaline iria prolongar-se no poder por mais de duas décadas. Chefiou gloriosamente a luta militar patriótica contra a agressão nazi, tendo instaurado um regime de auto-endeusamento e de inimaginável terror, que só muito a custo o regime soviético viria a denunciar depois da sua morte.

Em Portugal, Estaline, o “pai dos povos, o “Zé dos bigodes”, foi idolatrado no seio do PCP. Seguidores acríticos de Moscovo, os comunistas portugueses viriam a aceitar, muito a custo, as teses da “desestalinização” que emergiram do famoso XX Congresso do PCUS. É altamente duvidosa a sinceridade com que o PCP alinhou no coro oficial anti-Estaline da generalidade do mundo do Komintern e, tendo conhecido ainda alguma gente “do partido” desse tempo, estou em crer que a denúncia de Estaline feita por Krutshev nunca abalou por completo afetividade profunda sentida pelo líder desaparecido. 

Com o cisma sino-soviético e com o surgimento (também) entre nós das correntes maoístas, Estaline viria a ser recuperado como figura política referencial nesses meios. Essa era também uma forma de denunciar o “revisionismo” do PCP, ódio declarado principal de todos esses grupos, sem exceção. Assistiu-se então, nesses anos 70, a loas a José Estaline de uma criatividade assinalável, dos jornais e panfletos aos cartazes e pinturas de parede. Com o declínio desses grupos, Estaline voltou a submergir na memória pública.

Há cerca de quatro anos, fui convidado para participar num painel, em Moura, sobre Fronteiras, juntando oradores que, a convite de Santiago Macias, então presidente da Câmara local, eleito pela CDU, abordaram o tema sob diversas perspetivas. Tive a meu cargo as fronteiras políticas e, devo confessar, deu-me imenso prazer trabalhar a ideia e colaborar na iniciativa.

A certo passo da minha intervenção falei de Estaline. Disse, “en passant”, da “perfídia” do ditador georgiano ao desenhar algumas das fronteiras entre as repúblicas soviéticas da Ásia Central (dei mais do que um exemplo), deixando propositadamente grupos étnicos divididos por essas barreiras, o que provoca ainda hoje choques e tensões que muito limitam a estabilidade da região. 

No termo da reunião, um cavalheiro, também com responsabilidades autárquicas, agradeceu todas as contribuições que ouvira mas, virando-se para mim e apenas para mim, disse não poder concordar com as imputações que eu fizera ao antigo dirigente soviético. A sua contestação não entrou minimamente pela substância das coisas que eu referira mas, muito simplesmente, dava mostras de refletir uma dimensão afetiva que eu ferira com o meu comentário. É que Estaline permanece ainda vivo no coração de uma certa geração comunista, portuguesa e não só.

Ainda a Catalunha

É muito interessante acompanhar a crescente polarização, entre nós, do debate em torno da questão catalã. Ela assume contornos quase clubísticos, com a graça adicional de aliar figuras de espetros ideológicos frequentemente opostos, o que torna a polémica muito divertida pelo bizarro somatório dos argumentos, assentes em escolas de pensamento bem diversas. 

Há uma realidade inescapável nesta polémica: estamos perante duas ordens de valores e de interesses que se opõem de forma radical. 

Os defensores da unidade espanhola têm a Constituição do país como um valor supremo, considerando o secessionismo um crime de lesa-pátria, razão pela qual entendem que devem ser punidos todos quantos atentem contra a integridade do país, neste caso os promotores da independência.

Os simpatizantes do independentismo catalão entendem que nada, muito menos uma ordem constitucional pré-existente, pode impedir o direito à autodeterminação do futuro de um povo, que tem o inalienável direito de decidir, em total liberdade, o seu destino.

Resta acrescentar que os primeiros consideram inquestionavelmente democrática a ordem constituional espanhola, defendendo que ela foi sufragada em plena liberdade. Por seu turno, os segundos defendem que se tratou de um compromisso imposto na transição, que não representou uma livre assunção de vontade, expressa num tempo de democracia plena.

Perante isto, quem tem “razão”? É óbvio que a “razão” está sempre do lado em que nos colocarmos, porque se trata de pontos de vista à partida inconciliáveis. Estamos por um lado ou pelo outro, pela valoração diferenciada que damos aos argumentos dos dois lados, com alguma emoção afetiva a embotar a racionalidade.

A meu ver, só a ameaça iminente de uma tragédia pode, porventura, fazer emergir um terreno que, eventualmente, venha a ser aceite por ambos como intermédio, sem perda absoluta da face de um deles - como o seria a criação de uma Espanha de natureza federal, em moldes a decidir numa futura revisão constitucional. 

Mas muita água vai ainda correr sob as pontes, antes que isso tenha condições para acontecer. Esperemos que só água.

domingo, novembro 05, 2017

Presos

Custa-me muito ver pessoas que, pela sua experiência e responsabilidade, tinham obrigação saber utilizar com parcimónia palavras que a todos os democratas devem sempre merecer um grande respeito histórico, usar, com indesculpável ligeireza, o termo “presos políticos” para designar o estatuto dos governantes catalães detidos. A sua legítima simpatia pelo independentismo não ficaria nada afetada se tivessem um pouco mais de contenção e rigor. Pensem nisto! 

Ouvir

Por dá cá aquela palha, os partidos chamam os governantes ao parlamento, para os “ouvir”. Tudo bem: o governo é responsável perante o parlamento. Só que os governantes não vão lá para serem “ouvidos”. Os deputados estão “desertos” de saberem o que eles pensam. O que os deputados pretendem é utilizá-los como os “compères” são usados no teatro de revista para dar as deixas aos “artistas”. Tendo os ministros como “punching ball” constitucional, os deputados arranjam ali um belo pretexto para ensaiarem tiradas perante as câmaras. Nenhum deputado ficará convencido pelo que algum ministro ali lhes diga. E, claro, nenhum ministro mudará minimamente de opinião pelo que lhe arengou um deputado. E, também entre si, os deputados não gerarão nenhum acordo ou consenso potenciados pela presença falante de um governante. Aos deputados, só interessam as luzes, a ribalta, os tempos de antena, os melhores “soundbites” que conseguirem arranjar para promoverem os seus argumentos, que um dia os poderá, quem sabe?, levar ao governo. Os ministros, esses, tentarão sair dali tão ilesos quanto possível, até à altura de serem chamados de novo, a pretexto de um qualquer novo episódio. É um teatro, o teatro da democracia. Se bem pensarmos, esta encenação faz parte daquele que é, apesar de tudo, o melhor dos regimes que se conhecem.

Jorge de Sena


Catalunha


O principal defeito das teorias conspirativas - “não é por acaso que...” - é a crença de que a inteligência dos homens é suficientemente poderosa para engendrar efeitos que, depois, se conjugam no futuro que nem um puzzle. Para os adeptos desse género de enredos, quase se poderia dizer que a justiça espanhola, ao criar uma crescente vitimização em volta dos governantes catalães, com a criminalização do ato secessionista e a detenção dos seus responsáveis, “está feita” com os independentistas, criando, a cada dia, condições para favorecer a sua vitória nas eleições regionais de 21 de dezembro. Como é no dia seguinte a esse sufrágio que se saberá o resultado da lotaria anual espanhola, podemo-nos mesmo perguntar se ”El Gordo” não acabará por sair aos catalães.

Piropo


Um dia, numa entrevista, Catarina Martins revelou o melhor piropo que já havia recebido: “Tem uns olhos tão bonitos que eu gostaria de fazer com eles uns botões de punho”. 

Não posso senão concordar.

Notícias do divórcio


Quando um casal se divorcia, a prova mais evidente da falta de caráter é alguém vir para a rua contar histórias dos tempos de alcova. Sinto o mesmo com os trânsfugas políticos. Entristece-me ver pessoas que, no passado, eram de um fanatismo atroz, que zurziam sem piedade quem se lhes opusesse na luta política, passarem depois a dóceis cordeiros e criativos ideólogos dos setores políticos que antes diabolizavam, em universidades ou folhas de papel ou de écran, contando mesmo histórias auto-flagelantes desses outros tempos, para ganharem credenciais nas novas hostes. Se tivessem um mínimo de pudor, estavam discretos, em homenagem àquilo em que um dia sinceramente acreditaram e apregoaram. É que, ao mudarem de forma tão drástica, ficará sempre a dúvida sobre se deixaram de acreditar ou se apenas mudaram de verdade porque “ the times they are a-changin’ “.

Vem isto a propósito da Revolução Russa e da comemoração do seu centenário. Nada me custa ver figuras da direita radical, que andaram pela “Cidadela” coimbrã ou pelo “Resistência” lisboeta, de faca afiada contra Lenine e os seus bolcheviques, denunciarem o “gulag”, embora o seu “benchmark” à época, em matéria de regimes, também deixasse muito a desejar à decência. E acho perfeitamente natural que gente que nunca se aventurou nos meios radicais, democratas de esquerda ou de direita, que foram acordando com sinceridade para as tragédias do comunismo soviético, hoje manifeste o seu repúdio pelo ato fundador desse regime. 

Mas o mesmo respeito já não me merecem figuras que um dia tiveram Estaline por farol, quer os que se prolongaram no agnosticismo embaraçado que o PCP manteve face ao “pai dos povos”, quer os integrantes dos grupos maoístas que nos atazanaram por anos a cabeça e as paredes. Vê-los agora ajudar à festa contra a Revolução de Outubro, desdobrando-se em colunas de oportunidade, só deve merecer a nossa gargalhada. Ao lê-los, dei comigo a pensar que a citação de Willy Brandt (“não é bom social-democrata aos quarenta quem não foi marxista aos vinte”) poderia ter um novo fraseado: não é um bom reacionário aos quarenta (ou mais...) quem não foi um fanático estalinista aos vinte!

sábado, novembro 04, 2017

Presidentes



Há pouco mais de um ano, num encontro sobre relações internacionais em que participei em Kiev, na Ucrânia, foi anunciado um convidado surpresa, durante o jantar de encerramento. 

Estávamos a poucos dias das eleições americanas. No grande écran da sala surgiu Hillary Clinton. A sala rejubilou. Ela era a candidata que, à época, dava mais garantias de conduzir os EUA, e com eles o mundo ocidental, numa atitude anti-Moscovo - ideia que mobilizava por ali muita gente. Mas Hillary, naturalmente, não se deslocara à Ucrânia.

Surgiu então a foto de Donald Trump. Embora entre os convidados americanos para o encontro se contassem figuras conservadoras como Robert Gates, John Bolton, Karl Rove ou Newt Gingrich, a sala foi bem menos efusiva, “to say the least”. Era o tempo do “namoro” entre Trump e Putin e os ucranianos temiam que a sua eventual eleição redundasse num imenso desastre para os seus interesses. Enganavam-se: Trump mudaria de orientação e a Ucrânia cedo deixaria de o temer.

(Dias depois, na ocasião surpreendente em que a “onda Trump” varreu a América, eu estava por acaso em Berlim, num outro encontro, desta vez com diversas figuras do governo alemão. E pude assistir, devo dizer que com alguma surpresa, ao “pânico” que os atravessou, perante o resultado da eleição. Hoje percebo-os bem melhor.)

Regressemos a Kiev, a setembro de 2016. O organizador do encontro, um milionário ucraniano, disse-nos que, infelizmente, não pudera garantir a presença na conferência de nenhum dos candidatos às eleições americanas. Mas anunciou que tinha um “presidente” substituto à altura. E entrou então na sala Kevin Spacey. Uma bela surpresa. O “presidente” da famosa série televisiva “House of Cards”, “Frank Underwood”, fez uma intervenção magnífica, inteligente e informada, sobre a ficção e a política, dando-nos, com eloquência, a sua visão desse mundo e conseguindo transmitir àquele momento de encerramento uma dignidade e uma qualidade muito elevada. Spacey não é um ator normal; é um intelectual culto e muito elaborado, bem acima da média.

Lembrei-me muito desse momento, nos últimos dias, quando vi Spacey pessoalmente mergulhado, de forma degradante, numa vaga de acusações sobre atos de assédio sexual, idêntica à que hoje se vive em largos setores dos Estados Unidos. Dei comigo a pensar o que poderá significar para um grande e reconhecido ator, ainda ontem com o mundo a seus pés, ver ruir, de um dia para o outro, por erros próprios do passado que ele próprio não deixa de reconhecer, toda uma imagem e um prestígio laboriosamente conquistados.

sexta-feira, novembro 03, 2017

Alfândega da Fé


Aqui cheguei e ninguém me perguntou se tinha alguma coisa a declarar. Estranho!

Lena d’Água


Pertence a uma geração que me diz pouco, não só porque não andei muito por cá nesse tempo, mas também porque cada um tem a sua idade e as afetividades de estimação que a ela são próprias. Mas posso dizer, com segurança, que conheço muito bem a música que Lena d’Água espalhou por esses anos 90. Ouvi-a uma única vez ao vivo, se bem me lembro, não há muitos anos, no Maxim’s.

Tinha uma bela beleza, se me permitem usar o pleonasmo para designar uma frescura interessante, bem ao jeito da época. E uma voz muito curiosa, de que ficaram alguns temas para sempre.

Nunca a desliguei do nome do pai, José Águas, essa elegante figura no centro de uma linha de ataque (na altura, dizia-se assim) que deu muitas alegrias ao futebol luso. E do irmão, também um jogador de mérito, com um fácies eternamente ensonado - e que esperemos que acorde para o drama da irmã.

Agora, num processo de declínio que a sua participação no festival da canção já indiciava, anuncia-se que Lena d’Água está financeiramente “nas lonas”, vendendo ao desbarato o que lhe resta. É uma situação triste, reveladora de que o êxito, e o estilo de vida que o acompanha, é um bem muito precário.

Nem sempre a decadência é um valor nostalgicamente valioso. Melhor: quase sempre não é.

Lembremos aqui a Lena d‘Água de outros tempos

Carta ao Dinis


Conheci-te muito pequeno, em Paris. Eras irrequieto e vivo. Temi sempre pelos “bibelots” da minha casa quanto os teus pais anunciavam que te traziam para jantar. Tenho um belo pato de lápis-lazúli que te divertias a revirar, sob o meu olhar inquieto e a calma irritante deles. Lembro-me agora de ti, ao ver aquela peça que te sobreviveuEras um miúdo inteligente, que se passeava de pijama, por entre nós, nos encontros na residência da delegação portuguesa junto da Unesco, onde o teu pai era embaixador. Recordo, por aí, noites de conversas muito agradáveis, com a vossa família e alguns amigos, naquela que, por essa época, tenho a certeza de que não era uma felicidade fingida.

O teu pai, Dinis, tinha sido meu colega de governo, durante alguns anos. Foi um ministro que deixou marca na nossa Cultura. Estávamos longe de ser íntimos, mas entre nós passou uma corrente de simpatia e estabeleceu-se então uma boa relaçãoCuriosamente, coincidiu irmos viver para Paris na mesma altura, ele como “embaixador político” (coisa de que os diplomatas profissionais não gostam muito) na Unesco, eu para embaixador em França. Demo-nos sempre bem, nesses dois mundos separados que cada um tinha a seu cargo.

Foi já em Paris que conhecemos a tua mãe, de quem, instantaneamente, ficámos amigos. A vedeta que víamos na televisão era uma mulher encantadora, simples, criadora de um ambiente magnífico à sua volta. Nesse tempo, tudo se passava ao lado de um homem com quem a vida parecia um mar de felicidade, de que tu, Dinis, aos nossos olhos, eras a prova provada.

nossa história convosco, com essa família serena, num ambiente de bem-estar, contigo e com o teu sorriso traquina pelo meio, ia terminar ali. Ainda vimos nascer a tua irmã, para logo começarmos assistir às novas atribulações em que o teu pai se iria envolver, no mundo da diplomacia e da política. Lembro-me dos esforços que fiz para tentar ser tão útil à diluição de algumas tensões quanto o meu estatuto permitia. Sem grande sucesso, confesso.

Um dia, percebi que a felicidade familiar que tinha testemunhado em Paris tinha acabado. Lisboa, para onde todos tínhamos entretanto regressado, enchia-se de rumores que eu procurava ter razões para não aceitar como verdadeiros. Achava então que era a obsessiva especulação mediática que empolava as coisas. Parece que, afinal, eu estava enganado.

Caro Dinis, nem sei bem o que te diga, por estas horas. A ti, como à tua irmã, só posso desejar que o futuro vos poupe, quanto puder, às memórias traumáticas de um tempo estranho que vos foi dado vivernum quadro de tensão, conflito e violência. Só gostaria que o vosso destino não ficasse definitivamente refém dos anos tristes por que estão a passar.

quinta-feira, novembro 02, 2017

O solo do Coroliano



Ontem, soube que o meu velho amigo Coroliano Gonçalves Clemente está com problemas graves de saúde. O Coroliano, filho do senhor Clemente, polícia, era um dos meus companheiros de aventuras, nos últimos anos do liceu em Vila Real.

Lembro-me de ele ser um garboso graduado da Mocidade Portuguesa, ramo de atividade pelo qual nunca fui tentado a enveredar. Estou a vê-lo, mangas da camisa verde arregaçadas, sobre as calças castanhas, botas de Vanguardista, com os galões de Comandande de Bandeira (categoria abaixo de Comandante de Falange e acima de Comandante de Castelo - algumas das hierarquias dessa associação onde eu nem sequer tive interesse de chegar a Chefe de Quina). 

O Coroliano era um pouco mais velho do que eu e, contrariamente a mim, fez vida por Vila Real. Alto, sempre um pouco curvado, fomo-nos cruzando e dando abraços de reencontro, ao longo dos anos, nas minhas visitas à cidade, onde ele era bancário, ali ao lado da Sé. Mas já há muito que o não vejo.

Por essa primeira metade dos anos 60, nas aulas de “Canto Coral”, o Coroliano, o Edmundo, o Chico Abel e eu criámos um “núcleo” que se colocava estrategicamente no topo do auditório e que se dedicava a desenvolver um processo de desestabilização das aulas. O professor era uma figura pequena, de seu nome Mário Neves, a quem dávamos, sei lá bem porquê, o nome de Quelhas. Lembro-me de que o Quelhas, uma figura pequena e lingrinhas, tinha uma Isetta, um patusco e minúsculo carro, cuja porta de abria pela frente. Por qualquer razão, o Quelhas, visivelmente, detestava-me, talvez porque eu teimasse em desinquietar as aulas e em rir à sua passagem. Fui expulso duas vezes das aulas do Quelhas.

Um dia, esse nosso “núcleo” aproveitou uma pausa na aula e testou uma breve canção que eu tinha aprendido com um amigo da família, e que há dias ensaiávamos nos intervalos. Na altura eram muito vulgares, na televisão, os grupos, em especial americanos, que cantavam “a capela”, sem música. Acho que nos inspirámos neles. A curta letra da “canção” que eu trouxera não era notável: “O circo desceu à cidade / numa tarde de imenso calor / trazia focas e ursos / e até um grande domador”. Depois, separadas as palavras com ênfase, dizia-se: “Mas / a principal atração / era o rapaz do trapézio voador / que num salto de grande emoção / se estatelava com grande fragor”. O Coroliano tinha-se especializado, entre o “grande emoção” e o “se estatelava”, a produzir na madeira da bancada em frente dos nossos assentos, um “solo” de imitação de bateria, para criar “suspense”. O Quelhas, tomado de surpresa pela ousadia, tinha deixado prosseguir a cantoria mas irritou-se com o “solo” do Coroliano, que levou à conta de gozação. E pô-lo “na rua”. 

Foi o bom e o bonito! O pai do Coroliano, embora já aposentado da polícia, mantinha toda a “doçura” inerente à profissão e sabia-se que, logo que soubesse da expulsão do filho, ia ter uma reação irada. Foi necessário uma “delegação de meninas” ir implorar ao Quelhas que “limpasse” a falta ao Coroliano, caso contrário o senhor Clemente dar-lhe-ia “um enxerto de criar bicho” (espero que as novas gerações entendam isto). A diligência teve sucesso, o Quelhas recuou e, pasme-se, autorizou mesmo a que, na aula seguinte, repetíssemos a “performance”, que recolheu fortes aplausos. Mas o historial do “quarteto” esgotou-se, para sempre, nesse minuto de glória.

O Coroliano, nesse dia legitimado pelo Quelhas, fez o seu “solo” manual na madeira com um garbo nunca visto. Não sei se ele ainda se lembra desse momento da nossa fátua glória, mas anoto-o aqui com um abraço de forte amizade, agora que a vida parece que lhe está a pregar uma partida, desta vez sem qualquer graça.

José Carlos de Vasconcelos


Foi num “convívio”, nome que então se dava a eventos culturais organizados pelas associações de estudantes, no final de 1968, no palacete da Junqueira, onde então funcionava o ISCSPU, que me cruzei pela primeira vez com José Carlos de Vasconcelos. O Zé Carlos (como nos dias de hoje o trato) tinha ido com o Tóssan (quem se lembra dele?) ler poesia aos estudantes que nós éramos. Tratava-se, com certeza, dos belos panfletos rimados que o neo-realismo então proporcionava, para animar as hostes e, subliminarmente, ir acendendo o rastilho que, seis anos depois, nos traria a liberdade. Caramba, já passou quase meio século!

José Carlos de Vasconcelos era já então um jornalista prestigiado, que iria fazer o seu curriculum no “Diário de Lisboa”, no “Diário de Notícias”, em “O Jornal” e, depois, na “Visão”. Antes, fora dirigente universitário em Coimbra, onde se licenciou em Direito, formação que lhe permitiu manter, simultaneamente, uma carreira de advocacia, durante a qual, nomeadamente, defendeu presos políticos da ditadura. Nos anos 80, fez uma incursão pela política ativa, sendo deputado pelo PRD.

O Zé Carlos e eu fomo-nos vendo e conhecendo melhor ao longo da vida, mantendo um contacto esporádico mas sempre muito cordial, construindo mesmo uma amizade que hoje também nos leva a trabalhar em conjunto numa instância da Fundação Calouste Gulbenkian. Às vezes, tenho conseguido corresponder aos seus cíclicos pedidos para colaborar no seu “JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias”, mas, aqui entre nós, a minha vida nem sempre me tem permitido estar à altura desses seus generosos convites. Vou tentar mais e melhor, no futuro, prometo.

Há uma década precisa, num colóquio na Casa Fernando Pessoa, em que ambos participávamos a convite de Inês Pedrosa, fiz notar que estavam três embaixadores no nosso painel. A sala ficou perplexa, porque só contava o embaixador Lauro Moreira, representante do Brasil na CPLP, e eu próprio. Expliquei que o terceiro embaixador presente se chamava José Carlos de Vasconcelos, “embaixador da língua portuguesa”, alguém que, com persistência e uma dedicação sem paralelo, mantinha o JL como um magnífico elo de ligação entre todas as culturas que se expressam em Português. Disse-o, não como uma flor de retórica ou para ser simpático para com o Zé Carlos, mas porque, muito sinceramente, mantenho por ele e pela atividade que desenvolve uma imensa admiração e respeito. 

O Zé Carlos tem hoje todo o reconhecimento que poderia desejar ter, de Portugal ao Brasil, passando pelos países africanos de língua portuguesa, por Timor e Macau. Escrevi “poderia”, porque a sua modéstia condu-lo a não procurar as ribaltas que a qualidade da sua ação plenamente justificaria. O seu jornal, ao longo das dezenas de anos de vida (difícil) que leva, é hoje um arquivo ímpar dessas culturas e de quantos cuidam em cultivá-las e ligá-las. Quem dera que fosse possível mantê-lo assim no futuro.

Esta nota, neste momento, tem uma justificação de oportunidade. É que o José Carlos de Vasconcelos acaba, muito justamente, de receber uma nova distinção, desta vez o Prémio cultural Vasco Graça Moura, sucedendo ao primeiro galardoado, Eduardo Lourenço. Imagino que ele o receba com aquele seu sorriso jovial, aquela forma simples de se apresentar ao serviço na vida, simultaneamente atenta e viva, numa espécie de juventude eterna que visivelmente lhe dá o ânimo para continuar a sua bela tarefa de cidadania cultural.

Um forte abraço, Zé Carlos! 

quarta-feira, novembro 01, 2017

Índios e outras cowboiadas


Há dias, contei por aqui um episódio passado no Teatro Sá de Miranda, em tempos de antanho. Com o Cine Palácio, essa sala foi, por muitos anos, uma das duas salas de cinema de Viana do Castelo.

O meu amigo Francisco Trindade Lopes, que meia Viana de outros tempos conhece como o Chico Rendeiro, desportista mítico da cidade, lembrou, em comentários feitos ao meu post no Facebook, duas notas complementares, que ajudam muito a ilustrar o espírito da época. Achei que era pena esses comentários perderem-se, pelo que os destaco aqui.

A primeira é passada no Sá de Miranda. A gente de poucas posses ia lá para cima, para o designado balcão. Um dia, num filme de cowboys, quando a atriz estava a tomar banho numa daquelas banheiras curvas, alguém, lá de cima, do dito balcão, disse em voz alta, para despertar a inveja da plateia, teoricamente não beneficiada com uma perspetiva do interior da banheira: “daqui é que se vê bem, c....!”

O segundo prende-se com o cinema Palácio, que era a sala de cinema por excelência da cidade. A sala estava dividida, quer física quer socialmente. Quem tinha algum estatuto social ia para os camarotes, que deviam ser dez, para a tribuna e, a seguir, para a plateia. Dividida por um fosso, ficava a geral, frequentada sobretudo por gentes da Ribeira. Quando eram exibidos filmes de cowboys ou de capa-e-espada, a geral enchia. Quando índios e cowboys se defrontavam, o pessoal, na brincadeira, no dia seguinte, comentava: “ontem, na geral, no Palácio, morreram dois gajos na fila da frente, por causa das flechas. Não se pode ver estes filmes de tão perto!”

Os dias da Catalunha



O saldo do conflito na Catalunha, até ao momento, parece confortar a estratégia do governo espanhol. Tudo indica estar a decorrer como o executivo de Madrid desejaria, desde o modo surpreendentemente pouco conflitual como se processa a implementação do artº 155 da Constituição, até à sujeição (também bem mais fácil do que seria provável) das forças independentistas ao modelo eleitoral de dezembro, passando pelo (mais expectável) comportamento dos atores judiciais e pela “ajuda” dada pelo comportamento menos curial de Puigdemont. Como cereja no bolo, as ruas catalãs encheram-se no passado fim de semana de gente, com uma dimensão sem precedentes, para recusar a secessão.

A declaração de independência acabou por não ter nenhuma sequência institucional sustentável e a atitude do chefe do governo catalão, quer na véspera da declaração, quer nos momentos subsequentes a ela, revelaram ao mundo uma figura indecisa e errática e, mais do que isso, sem um carisma capaz de levar atrás de si, sob uma orientação clara e determinada, o conjunto de forças que antes havia estado na base da realização do referendo. 

O “melhor” que poderia acontecer a Puigdemont - vale a pena ser claro - teria sido ser detido, erigindo-se em vítima da repressão anti-independência. O movimento republicano poderia apontar ao mundo o seu “mártir”, o governo espanhol estaria sob forte crítica e vigilância quanto ao modo como ia tratar o prisioneiro, tanto mais que já tinha pago um preço internacional pelas ações repressivas no dia do referendo. Mas o patético episódio belga foi bastante penalizante para a sua imagem.

A meu ver, o referendo, em especial a legitimidade política que os independentistas dele procuraram retirar, acaba por ser a principal “casualty” de todo este processo. Porquê? Porque o referendo era o “alfa e o ómega” da legitimidade para o governo declarar a independência. Desde logo, e como primeiro sinal de tibieza, ao optar por sujeitar essa declaração ao voto do parlamento catalão, Puigdemont mostrou falta de coragem, porque nada o obrigava a fazê-lo. Agora, a progressiva resignação à realização das eleições de dezembro, determinadas pelo poder central (e não por proposta própria), assumida pelas forças políticas independentistas, representa um recuo humilhante. Estas forças, ao perceberem a inevitabilidade do “refrescamento” do parlamento - ideia que algumas dentre elas antes rejeitavam liminarmente - terão concluído que, se acaso não concorressem, ficariam sem um palco político legal para a continuidade da sua luta. Mas isso também significa que o independentismo reconhece implicitamente não ter força suficiente para boicotar o ato eleitoral - e essa é uma constatação política muito importante.

Mesmo que tudo continue a correr de acordo com a agenda do governo espanhol, a sua aposta não está ganha à partida. Se acaso os partidos independentistas vierem a obter uma maioria no novo parlamento, a questão da secessão, mais cedo do que tarde, voltará a reabrir-se. Se isso não vier a acontecer nas próximas eleições - e esse cenário, num quadro de possível bipolarização, é talvez o mais provável -, a ideia da independência catalã entrará num período de algum adormecimento político. Mas, como todos estes tropismos nacionalistas, renascerá sempre um dia mais tarde.

terça-feira, outubro 31, 2017

A hora do senhor Duarte


“Sabias que o Duarte nunca muda a hora?”

Era o meu tio quem fazia a pergunta ao meu pai. Este estava farto de saber, há décadas, que o Duarte, para mim o “senhor Duarte”, nunca mudava a hora no seu velho relógio de bolso. Mas, com um leve sorriso, e talvez com um “Ah! Sim?!”, o meu pai ficou a olhá-lo a tirar a “cebola” do pequeno bolso do colete preto, sob o fato preto, que ia a rigor com os sapatos pretos imaculados, que reluziam naquele quarto-sala onde a minha velha avó recebia as pessoas mais íntimas. E ao lado, pousado no banco de pedra sob o parapeito da janela, estava o chapéu, também preto, de que o Duarte nunca se separava. Talvez o Duarte fosse viúvo, não sei.

O Duarte, então com quase 90 anos, tinha sido empregado do meu avô. A cena passa-se no final dos anos 50 e o meu avô tinha deixado viúva a minha avó Filomena, muito tempo antes, em 1925. 

Duas vezes por ano, o Duarte deslocava-se a Viana, ido de Ponte de Lima, para visitar minha avó, que devia ter aproximadamente a sua idade. Imagino que as conversas com a minha avó assentassem nos retalhos comuns da memória de outros tempos por lá.

Mas voltemos à cena. O Duarte, depois de mostrar a sua inflexibilidade perante as mudanças oficiais da hora, recolhera o relógio. Mas não por muito tempo. O meu tio, que já chamara a atenção do meu pai para essa teimosia do Duarte, referiu, de passagem, que achava que o relógio era alemão. O velho empregado não perdeu tempo e lá mostrou a marca inglesa de fabrico do aparelho. Confusão esclarecida.

O meu tio, um tanto estranhamente, não abandonou o assunto do relógio do Duarte e comentou que era uma temeridade, mas simultaneamente uma mostra de coragem, o Duarte andar pela rua com uma corrente de ouro do relógio a brilhar. O homem reagiu: “Antes fosse, antes fosse! Mas é só de prata”, mostrando-a, bem como, de novo, o relógio, dando-a a ver aos circunstantes, nos quais eu me incluía, silencioso e reverente perante a figura grave daquele senhor que mal dava pela minha presença. 

Na passada da conversa, o meu tio deixou cair um comentário: “Pena é que se atrase bastante, não é, Duarte?”. O velho senhor, quase ofendido, sacou uma vez mais do relógio e afadigou-se a conferir, perante os relógios de pulso em volta, que a sua máquina era de um rigor inultrapassável. Quando muito adiantava-se um minuto por ano.

“A propósito de minutos. Esses relógios, Duarte, ganhavam muito se tivessem ponteiros de segundos”, comentou o meu tio. “Mas tem!”, reagiu o homem. “Veja aqui!”, mostrando uma vez mais o relógio. Lá estava o pequeno mostrador dos segundos, claro. E o Duarte sorria de razão.

O leitor deve estranhar este relato do vai-e-vem do relógio do bolso do senhor Duarte para fora. Mas não estranhe. O Duarte iria ainda tirar o relógio precisamente mais cinco vezes, com cinco outros tantos pretextos que o meu tio iria inventar para que tal acontecesse. A aposta dele com o meu pai - de que arranjaria forma do Duarte tirar dez vezes o relógio do bolso - ia ser ganha por esse meu tio, um mestre das “partidas”. 

Não era aquela a primeira vez, e que me conste não foi a última, em que, lá por casa da minha avó Filomena, o “número” do relógio do Duarte era praticado, com um pretexto ou com outro, com um êxito proporcional à progressiva perda de memória do velho cavalheiro. E, o que é muito mais curioso, isso era feito perante o olhar complacente da minha velha avó, que implicitamente autorizava a brincadeira, divertindo-se mesmo com ela, ciente da sua inocuidade, e a completa inocência da criança que eu era.

Era este o ambiente, são e divertido, na casa da minha avó Filomena, em Viana do Castelo, onde íamos de Vila Real umas três semanas nas férias “grandes”, uns dias pelo Natal e, às vezes, uma “saltada” breve na Páscoa. Nesse tempo inocente e feliz, a história do “relógio do senhor Duarte” passou a fazer parte do património de memória da nossa família.

Que terá acontecido ao relógio do Duarte? Alguém, ontem, pô-lo de acordo com a “hora nova” ou terá herdado a caturreira do antigo dono?

segunda-feira, outubro 30, 2017

Notícias da Ossétia



Nas últimas horas, ouviu-se falar muito da Ossétia do Sul. Essa República do Cáucaso, que decidiu a sua independência em 2008, na sequência de um episódio mais no seu conflito com a Geórgia, que a considera um seu território, deu um ar da sua graça ao reconhecer a República da Catalunha. Não uso por aqui o clássico e irritante “auto-proclamado” da imprensa sem imaginação.

( A Ossétia do Sul - diferente da Ossétia do Norte, região russa adjacente, a que está curiosamente ligada por um túnel, e que há anos foi muito falada pelo massacre ocorrido numa escola na cidade de Beslan - não faz parte da ONU e, por esse motivo, não é reconhecida como um Estado pela comunidade internacional. Tem um estatuto quase idêntico ao da Abcásia (que declarou independência na mesma altura e que tem igual dissídio com a Geórgia), ao da Transnístria (que se cindiu da Moldova), ao do Nagorno-Karabakh (que se separou do Azerbaijão e pretende unir-se à Arménia) e ao de Chipre Norte (que divide a ilha de Chipre com a República reconhecida que ocupa o resto da ilha e está hoje na União Europeia). São tudo falsos países, reconhecidos por muitos poucos Estados, num limbo político de que dificilmente irão algum dia sair. Com um estatuto bastante mais sólido, mas igualmente sem presença na ONU nem hipóteses de a vir a ter, há também o caso de Taiwan, a ilha Formosa da nossa História, que vive uma existência separada da República Popular da China que a reivindica. )

Um dia, quando a Ossétia do Sul estava já separada da Geórgia, mas não tinha ainda declarado a sua independência, integrei uma “fact-finding mission” (no jargão internacional) à Ossétia do Sul, que vivia (e vive) totalmente dependente do apoio da Rússia, tal como acontece com a Abcásia e, em escala ligeiramente menor, com a Transnístria.

A sua capital, Tskhinvali, é uma vilória pobre, de arquitetura soviética de província, sem a menor graça. Em redor, veem-se casas por acabar, camponeses pobres e envelhecidos, mulheres de lenço rural na cabeça, num misto de descaso e deixa-andar, tudo sem cor, gente que nos mira com um olhar sem a menor esperança. E que tem toda a razão para assim se sentir. Fomos a Tskhinvali através de uma fronteira improvisada, numa zona cheia de ruínas da guerra recente, à época com “peacekeepers” à conta da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa). Éramos aí uma trintena de pessoas, em carros protegidos pelo nosso estatuto internacional, o qual, à partida, nos colocava teoricamente ao abrigo dos impulsos guerreiros dos dois lados, protagonistas de regulares escaramuças.

No meu carro, viajavam os meus colegas francês e italiano, chefes das respetivas missões diplomáticas em Viena. Entre nós, e desde a saída da capital georgiana, Tbilisi, onde estávamos alojados, tínhamos gizado um plano para, acabada que fosse a visita de trabalho à Ossétia do Sul, e logo que reentrados na Geórgia, em lugar de regressarmos logo ao hotel, abandonarmos a caravana coletiva e fazermos duas rápidas incursões com alguma dimensão turístico-política. 

Eu tinha-os desafiado a fazer uma visita a Gori, terra natal de Estaline, para vermos uma rara e imponente estátua do antigo líder soviético, colocada na praça principal (foi retirada em 2010), na impossibilidade temporal de ainda visitarmos o museu em seu nome. O meu colega italiano trazia na agenda a visita à igreja de Ateni Sioni, a uma dezena de quilómetros de Gori, que nos dizia ser magnífica (e era). O consenso político-religioso foi fácil de obter. 

Mais complicado foi convencer o motorista, um “apparatchik” do governo da Geórgia, a seguir as nossas ordens, desviando-se da rota oficial. Deu bastante trabalho, confesso. No final, teve direito uma boa gorjeta e, à chegada ao hotel, explicámos ao chefe da segurança que o homem não tinha tido a menor culpa no desvio, que imagino tenha contado em pormenor aos superiores.

Ao jantar, com a presença dos vários embaixadores, a nossa “aventura”, fugindo do cortejo, foi a conversa da noite. Tínhamos combinado evitar referir a ida a Gori (Estaline não é um nome muito popular) e destacar apenas a visita à igreja. E assim fizémos, com amplo detalhe de pormenores sobre a história e a beleza do edifício, despertando mesmo a inveja turística dos colegas, já arrependidos de se nos não terem juntado na expedição religiosa.

No final, num corredor, o meu colega embaixador russo, um amigo antigo que muito prezo, meteu-me o braço e, em voz baixa, disse-me: “Já sei que vocês também foram a Gori ver a estátua de Josef Vissariónovitch. Por que não me avisaram? Eu ia convosco...”

domingo, outubro 29, 2017

Terrim!


Há minutos, ao ver no Twitter uma fotografia atual do belo Teatro Sá de Miranda, em Viana do Castelo, onde há meses recebi a minha cidadania honorária da capital do Alto Minho, veio-me à memória uma história contada pelo meu pai (que daqui a dias faria 107 anos), passada naquela mesma sala, creio que nos anos 30 ou 40.

O Sá de Miranda era a única sala de teatro da cidade. Antes da criação do Cine Palácio, era também a sala onde se projetava cinema. Sala e “pátio”, diria eu, que ainda me recordo de ir ali ver, no Verões do meu contentamento adolescente, cinema ao ar livre, no espaço junto ao teatro.

Num desses dias da primeira metade do século que se foi, o filme era de “suspense”, como antigamente eram designados os “thrillers” (mas será que também esta palavra ainda se diz?). Aparentemente, a trama era muito bem conseguida, com o público preso aos desenrolar das cenas, que se encadeavam de forma empolgante. Contudo, no auge de um dos momentos mais emocionantes, o filme parou, a luz acendeu-se e o intervalo começou.

Por muito tempo, os intervalos nas sessões de cinema eram uma regra sem exceção. Os filmes projetados sem intervalo foi uma “modernice”, creio que dos anos 70. Nem se diga que era uma oportunidade para um cigarro, porque me recordo muito bem de se poder fumar livremente nos cinemas. Esses 10 minutos de pausa, porém, eram um momento de sociabilidade, para conversar ou tomar um café, nos mal fornecidos bares, que sempre recordo com prateleiras quase vazias.

Nessa noite, o facto do filme ter sido interrompido no meio de uma cena fundamental, em que os segundos seguintes à sequência projetada iam ser essenciais para entender o desfecho, fez com que ninguém se atrasasse no regresso aos lugares, nem sequer esperando pela estridente campainha que, tal como no início, iria anunciar o iminente fecho da luz. É que toda a gente estava ansiosa pelo retomar do filme. Nos lugares mais baratos, o pessoal pobre da cidade, os pescadores da Ribeira, agitavam-se nas cadeiras ditas de “sumopáu”, por contraste irónico com a cómoda sumaúma, com que se revestiam os lugares almofadados.

O filme, no entanto, por uma qualquer razão, teimava em não recomeçar. A campainha não soava e as hostes iam ficando cada vez mais nervosas. Algumas bocas, já muito para o “rasca”, começavam a ouvir-se. Foi então que, com aquele ondulado musical na pronúncia das sílabas, com as vogais bem abertas ao ouvido alheio, coisa impossível de descrever em escrita, mas sempre presente na linguagem popular da gente da Ribeira, saiu um berro bem sonoro, clamando pelo toque da campaínha que marcaria o regresso à aventura:

- “Terrim!”, carago!

A campainha lá soou, a luz apagou-se, o filme recomeçou, a cena ressurgiu, as emoções soltaram-se no olhar ávido dos espetadores e o “artista” (como então também se dizia) acabou a noite e a fita, com certeza, num final feliz. 

sábado, outubro 28, 2017

Alain Demoustier (1931-2017)



Partiu o Alain Demoustier. Uma existência cheia, uma forma de estar no mundo feita de um imenso interesse pelos outros, do culto da amizade, tudo embrulhado num olhar, simultaneamente arguto e divertido, sobre este país que ele adorava e sobre o qual sabia imenso. O Alain, não obstante os embates da vida, mantinha uma jovialidade quase adolescente, que teimava em espalhar em quem estivesse à sua volta. Conhecemo-nos melhor bastante tarde, através de grandes amigos comuns, mas rapidamente gizámos uma cumplicidade divertida, um gosto comum pela blague inteligente, que nos enchia os episódicos encontros. Nesta hora triste, deixo um beijo nosso de grande pesar à Friquette.

sexta-feira, outubro 27, 2017

Lideraça


A líder do Ciudadanos no parlamento catalão, com o nome sugestivo de Inés Arrimadas, tem uma qualidade de expressão política muito evidente, numa “arena” das mais difíceis da política contemporânea. É claramente uma das figuras políticas espanholas do futuro. 

Além disso, é uma mulher muito bonita. 

(Espero que dizê-lo não provoque reações feministas, com acusações de sexismo. Por mim, enquanto isso não for proibido (já estivemos mais longe...), direi que uma mulher é bonita e atraente quando me apetecer. É que parece haver uma “lei” que permite que as mulheres possam lançar piropos aos homens tidos por bonitos (foi por aí um currupio de comentários lânguidos sobre os olhos do vereador do Bloco à Câmara de Lisboa), mas que esse direito não é reconhecido aos homens.)

O jornalismo, a opinião e a fraude


A questão da Catalunha é um bom ensejo para revisitar a questão do jornalismo e da opinião.

Fazer jornalismo nada tem a ver com mandar “bitaites” sobre quem tem razão. Isso é matéria para os comentadores, que muitas vezes tomam partido - há, no tema da Catalunha, os que acham totalmente irresponsáveis os dirigentes catalães ou os que entendem como quase criminosa a intransigência de Madrid. Mas isso nada tem a ver com jornalismo. É pura matéria de opinião.

O jornalismo não tem de dizer quem tem razão, compete-lhe informar, com rigor e neutralidade, sobre as razões em que cada lado fundamenta a sua posição, bem como analisar, com serenidade, as eventuais consequências práticas dessas mesmas atitudes. Ao jornalismo compete explicar as coisas, deixando o leitor ou espetador com os elementos que lhe permitam formular o seu juízo, não se substituindo ao raciocínio do recetor da mensagem.

Esperemos que o excelente jornalismo dedicado às relações internacionais que existe entre nós não se sinta tentado a seguiu o triste caminho do já quase desaparecido jornalismo económico, cujo atual curso para a ruína em muito se ficou a dever ao facto da grande maioria dos jornalistas ter passado (pouco subtilmente) a comentador, achando-se no direito de tomar partido (quase sempre para o mesmo lado, aliás) e passando o tempo a “dizer o que pensa”, em lugar de modestamente explicar as questões de forma independente e neutral.

A opinião disfarçada de jornalismo é uma imensa fraude.

Sudão do Norte?


O último Estado independente reconhecido pela comunidade internacional, com assento nas Nações Unidas, foi o Sudão do Sul. 

Posso estar enganado, mas tão cedo a Catalunha não será o novo “Sudão do Norte”. 

Hoje, só me apetece desejar um futuro de paz e serenidade política para toda a península ibérica.

A greve



Hoje é dia de greve da Função Pública. Não obstante este ser, porventura, o governo que, de há muito, mais tem feito pelos servidores públicos, os sindicatos decidiram fazer uma greve. À sexta é mais simpático, não é? E, com algum jeito, sempre dá para ligar à semana com feriado. Depois de largos meses em que o PC tinha recomendado alguma contenção para proteger a Geringonça, o avançar da legislatura em direção às legislativas de 2019, a necessidade de mostrar bem quem força o governo às cedências (as autárquicas revelaram muita gente “esquecida” e que, por “ilusão”, votou PS), leva os comunistas a dar uma vez mais “mão livre” ao mundo das Avoilas, Nogueiras & ofícios correlativos. Nada de novo, tudo previsível, embora eu gostasse de ser mosca para estar no Comité Central do partido, essa espécie de “balneário” onde a CGTP recebe (e ajuda a fazer) a “tática”. Mas não há também a UGT?, perguntarão alguns. Pois há, vai tudo no andor, mas não é bem a mesma coisa, como bem sabe o meu amigo e conterrâneo Abraão, do alto do seu branco bigode bíblico.

Crónica “gastrófila”


Hoje, na edição da revista “Evasões”, que acompanha gratuitamente o “Diário de Notícias” e o “Jornal de Notícias”, publico uma crónica “gastrófila” sobre o Restaurante Laranjeira, em Viana do Castelo, um pouso culinário que frequento desde a minha infância.

Pode ler o texto aqui, mas não é a mesma coisa que na revista.

O concerto da Júlia

Foi assim, depois do almoço de hoje. A pianista, com menos de 10 anos, chama-se Júlia.