Aquando do recente falecimento do embaixador João Hall Themido, alguém se interrogava como fora possível ele ser o representante diplomático português em Washington, entre 1971 e 1981, com a Revolução de permeio - sucessivamente representando a ditadura, o pós-25 de abril e a democracia, com primeiros-ministros tão contrastantes como Marcelo Caetano ou Vasco Gonçalves. Percebo a perplexidade, mas ela não tem razão de ser.
Historicamente, a representação de um Estado perante outro começou por ser assegurada por delegados pessoais dos soberanos junto dos seus homólogos. Com o decurso do tempo, todos os países foram criando um corpo profissional de especialistas para acompanhar funcionalmente as suas relações externas – a chamada carreira diplomática. Nos dias de hoje, entre nós, o acesso a esta carreira passa pelo mais exigente concurso em toda a nossa Administração Pública.
Isso não impede alguns países de continuarem a utilizar para tal como figuras oriundas de fora desse corpo profissional – os “embaixadores políticos”. Isso acontece, mais vulgarmente, no caso de ditaduras e de regimes autoritários ou presidencialistas.
Entre nós, o Estado Novo começou por ter apenas “embaixadores políticos”, tal como já acontecera com a I República e o regime monárquico, mas, atendendo ao aumento das missões diplomáticas, foi aderindo à prática de nomear para a chefia de algumas dessas missões funcionários da carreira diplomática, que entretanto se foi estruturando. A ela pertencia Hall Themido.
Mário Soares confessava ter chegado ao palácio das Necessidades, após o 25 de abril, com fortes interrogações sobre a carreira diplomática que, antes da Revolução, tinha defendido externamente as políticas do regime derrubado, nomeadamente a política colonial. Mas rapidamente se terá apercebido de que, com muito escassas exceções, o corpo de funcionários que o MNE punha à disposição do novo regime era constituído por dedicados servidores públicos, com grande sentido patriótico e lealdade funcional ao Estado.
A democracia e a estabilidade da sua representação externa muito ganharam com a continuidade que Soares então preconizou e veio a prevalecer. Isso não impediu que, em ciclos políticos diferentes, o novo regime não tenha sido tentado a nomear quase uma trintena de “embaixadores políticos”. Desde 2011, não há nenhum chefe de missão exterior à carreira diplomática portuguesa, mas sinto que a tentação poderá não ter desaparecido por completo nas nossas hostes político-partidárias, da esquerda à direita. Espero que a maturidade da democracia portuguesa seja suficiente para, no futuro, ser capaz de resistir às tentações e que o chefe do Estado disso seja um guardião atento.
5 comentários:
Pelo menos uma coisa é certa, sob os governos socialistas o PSD tem continuado a ser favorecido nas Necessidades.
Para ser mais exacto, seria melhor dizer: o Centrão camaleónico.
(Embora estas rémoras anónimas, neste caso a das 7h16, me provoquem alguma repugnância ética.)
A história da diplomacia portuguesa é longa tal como a de outros Estados soberanos.
O primeiro decreto a instituir a Carreira Diplomática data de 1836 com as medidas necessárias para que os candidatos à carreira tivessem de proceder ao concurso, como ainda hoje.
Foi em 1815 que pelo Tratado de Viena, os Estados nele participantes acordaram nos caracteres dos diversos agentes diplomáticos a serem enviados recíprocamente. Até aí cada Estado enviava os seus agentes conforme desejava.
Depois de 1640 as missões diplomáticas na Europa passaram a ter a característica de residência e já não de missão temporária, mas de uma forma muito lenta e até pontual.
Quase todas as missões diplomáticas portuguesas no estrangeiro até aos anos 50 do século passado, tinham como chefe um Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário e eram Legações em vez de Embaixadas. Apenas as nossas representações em Espanha, Vaticano, Brasil[depois de 1910] e Reino Unido eram Embaixadas.
A função de Agente Diplomático até há pouco tempo era exercida por agentes que tivessem condições específicas como falarem algumas línguas e os meios necessários para se manterem nos postos, financeiramente, porque em algumas circunstâncias o Estado português não tinha facilidade de lhes pagar no esstrangeiro. No príncipio deste regime actual isso aconteceu em alguns casos.
É assim que podemos observar que grande parte dos agentes diplomáticos, antes dos anos 60 do século passado provêm das classes altas do país.
É só depois de 1975 que se democratiza a Carreira pelas facilidades de se viajar, pelo melhor conhecimento das línguas e também pelo enorme aumento de novas missões diplomáticas portuguesas no mundo.
Há mais, mas este meu comentário já vai longo no qual apenas indic aso balizas temporais mais importantes
A partidarite neste blog....
Desculpem-me por ser não-politisado e por isso às vezes não os compreender.
A carreira diplomática tem a tradição de grande qualidade e de independência como, aliás, deveria ser em toda a função pública. As circunstâncias, isto é, a partidarite aguda de que fala acertadamente (a meu ver, claro) o anónimo das 13,53 transformou as nomeações governamentais (como as recentes na protecção civil) em atos de "mercearia política", como se diz. Pelo andar da carruagem e pelos temores que o embaixador manifesta, não tardará que a "carreira" seja assaltada tanto mais que hoje, com as comunicações instantâneas, a importância de um embaixador está seriamente diminuída.
João Vieira
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