Conheci-te muito pequeno, em Paris. Eras irrequieto e vivo. Temi sempre pelos “bibelots” da minha casa quanto os teus pais anunciavam que te traziam para jantar. Tenho um belo pato de lápis-lazúli que te divertias a revirar, sob o meu olhar inquieto e a calma irritante deles. Lembro-me agora de ti, ao ver aquela peça que te sobreviveu. Eras um miúdo inteligente, que se passeava de pijama, por entre nós, nos encontros na residência da delegação portuguesa junto da Unesco, onde o teu pai era embaixador. Recordo, por aí, noites de conversas muito agradáveis, com a vossa família e alguns amigos, naquela que, por essa época, tenho a certeza de que não era uma felicidade fingida.
O teu pai, Dinis, tinha sido meu colega de governo, durante alguns anos. Foi um ministro que deixou marca na nossa Cultura. Estávamos longe de ser íntimos, mas entre nós passou uma corrente de simpatia e estabeleceu-se então uma boa relação. Curiosamente, coincidiu irmos viver para Paris na mesma altura, ele como “embaixador político” (coisa de que os diplomatas profissionais não gostam muito) na Unesco, eu para embaixador em França. Demo-nos sempre bem, nesses dois mundos separados que cada um tinha a seu cargo.
Foi já em Paris que conhecemos a tua mãe, de quem, instantaneamente, ficámos amigos. A vedeta que víamos na televisão era uma mulher encantadora, simples, criadora de um ambiente magnífico à sua volta. Nesse tempo, tudo se passava ao lado de um homem com quem a vida parecia um mar de felicidade, de que tu, Dinis, aos nossos olhos, eras a prova provada.
A nossa história convosco, com essa família serena, num ambiente de bem-estar, contigo e com o teu sorriso traquina pelo meio, ia terminar ali. Ainda vimos nascer a tua irmã, para logo começarmos a assistir às novas atribulações em que o teu pai se iria envolver, no mundo da diplomacia e da política. Lembro-me dos esforços que fiz para tentar ser tão útil à diluição de algumas tensões quanto o meu estatuto permitia. Sem grande sucesso, confesso.
Um dia, percebi que a felicidade familiar que tinha testemunhado em Paris tinha acabado. Lisboa, para onde todos tínhamos entretanto regressado, enchia-se de rumores que eu procurava ter razões para não aceitar como verdadeiros. Achava então que era a obsessiva especulação mediática que empolava as coisas. Parece que, afinal, eu estava enganado.
Caro Dinis, nem sei bem o que te diga, por estas horas. A ti, como à tua irmã, só posso desejar que o futuro vos poupe, quanto puder, às memórias traumáticas de um tempo estranho que vos foi dado viver, num quadro de tensão, conflito e violência. Só gostaria que o vosso destino não ficasse definitivamente refém dos anos tristes por que estão a passar.