1. Não surpreende surpreende o impasse ontem verificado na reunião ministerial de Bruxelas, que não aprovou o acolhimento do número suplementar de 120 mil refugiados, como era proposto pela Comissão europeia. As posições conhecidas dos governos europeus iam nesse sentido. Como um responsável francês dizia há pouco, por cada hora perdida sem acordo perdem-se muitas vidas. Esperemos que não se percam muitas mais.
2. Saúde-se a posição solidária do governo português na matéria. E não quero seguir a irónica ideia, de uma pessoa que me é próxima, que acha que o executivo português só assim atua porque segue a posição alemã.
3. A generosidade alemã no acolhimento dos refugiados tem sido notável. Angela Merkel terá agarrado esta oportunidade para colocar a Alemanha do lado certo da Europa, como que tentanto desfazer a ideia de um país "sem coração", que ficara dos debates mais acesos sobre o caso grego. Ser um país rico ajuda, claro. Mas o facto da sociedade civil a seguir prova de que é para isso mesmo que os líderes servem: para liderar.
4. Percebe-se perfeitamente que a Alemanha tenha invocado as cláusulas de salvaguarda que Schengen permite para controlar os fluxos de refugiados. Acolher significa também poder organizar o acolhimento e isso obriga a certos controlos, que não são incompatíveis com a generosidade. Berlim não colocou em causa Schengen, como Sarkozy preconiza em França, apenas usou, com naturalidade, as cláusulas apropriadas.
5. Expectável, no seu pior sentido, foi a posição dos países de Visegrado (com a Polónia mais "nuancée") e outros Estados do centro e Leste da Europa. Sei bem que não é saudável, para o bem-estar intra-europeu, estar a estigmatizar países. Mas é importante que fique clara a posição de quem tem na Europa uma atitude humanista, à altura das grandes tradições do continente, e de quem a não tem, recriando agora para outros os "muros" que denunciou, e bem, no passado.
6. Sabiam, por acaso, que no anonimato cobarde das redes sociais de muitos desses países, circulam graçolas xenófobas,que se congratulam e ironizam com a morte de Aylan, a criança curda que morreu na praia grega? Sabiam que a maior parte da imprensa desses países "escondeu" até onde pôde a foto de Aylan, nalguns casos recusando-se a publicá-la, porque podia gerar sentimentos contrários a orientação dos governos? Sabiam que estão em vigor em alguns desses países instruções para as televisões não filmarem crianças e mulheres refugiadas, privilegiando homens jovens com aspeto de emigrantes económicos?
7. Não obstante, foi arrogante e inaceitável a atitude do ministro alemão do Interior, "ameaçando" com os corte dos fundos estruturais aos Estados que não acolham refugiados. Concordo que a atitude desses países está a ser miserável e indigna, porque negam agora solidariedade a alguns quando antes a receberam de outros, mas não quero uma Europa cujas regras podem ser subvertidas e ditadas por um ministro alemão. Principalmente do Interior.
8. Devemos manter-nos muito atentos ao debate sobre o futuro do acordo de Schengen, que é inevitável. A filosofia europeia que enforma a nossa postura na ordem externa, a que não são alheias considerações que relevam da nossa particular posição geográfica, do facto de sermos origem de migrações económicas e de possuirmos uma diáspora que tem toda a vantagem na livre circulação europeia deve obrigar qualquer governo nacional a estar na vanguarda da defesa desse importante princípio.