sexta-feira, setembro 04, 2015

O primeiro patrão


Um dia, no final de 1967, no bar do Centro Universitário do Porto, ali perto da rua da Torrinha, onde então vivia nos meus primeiros anos universitários, alguém me disse que o "Jornal de Notícias" andava à procura de "recrutas" para cobertura de jogos dos campeonatos distritais de futebol. 

Eu andava então convencido que percebia de futebol: tinha feito, dois anos antes, um curso de arbitragem promovido pela Associação de Futebol de Vila Real e vivia fascinado pelas táticas, discutindo com afinco e (suposto) saber a evolução do WM, as diferenças entre o "ferrolho" suíço e o "catenaccio" italiano, a então magna questão sobre quando o 4-2-4 deveria, em face de certas circunstâncias, evoluir para um 4-3-3.

Leitor atento dessa "bíblia" que era "A Bola", mandava bitaites com ar de iniciado, opinava mesmo sobre as opções táticas de uma forma algo pretensiosa. (Nada, porém, que se compare com as cátedras que agora por aí se veem nas televisões).

Sob a recomendação de alguém, fui então falar com Frederico Martins Mendes ao "Jornal de Notícias". O jornal ainda não era conhecido pela sigla JN, mas sim por “Notícias", da mesma forma que se dizia o "Janeiro" para "O Primeiro de Janeiro" e o "Comércio" para "O Comércio do Porto", os quais, com o “Diário do Norte”, faziam então o pleno da imprensa diária portuense.

As minhas expetativas de potencial "grande repórter" desportivo ficaram logo reduzidas à modéstia da realidade do que me era proposta: o que se pretendia era que eu escrevesse umas escassíssimas linhas sobre cada jogo, complementadas pela constituição das equipas, pelas substituições e pelos marcadores dos golos. Tudo em muito poucas palavras, pouco mais do que uma mensagem de "twitter" para cada partida. 

O óbice, para quem vivia então num ambiente em que a noite era o lugar onde passava os dias, é que os jogos eram aos domingos de manhã, em campos às vezes recônditos na periferia da cidade, obrigando a levantar "de madrugada" ou, em desespero, a fazer "diretas" das noitadas na "Candeia" ou na "Japonezinha", às vezes culminadas com uma ceata no “Ginjal” ou no “Transmontano”. Vida difícil!

Durante alguns meses, para arredondar a mesada e melhorar as doses no “Zé dos Bragas”, para ir ao cinema ou comprar mais livros na Unicepe, lá fui ganhando algum dinheiro na tarefa, em ensonadas e frias manhãs ao lado de “rivais” do “Comércio” e do “Janeiro”.

O Frederico Martins Mendes desapareceu, há dias. Desde que numa divertida noite, em Lamego, recordámos, entre risadas, esta nossa comum historieta, ele passou a dizer que me tinha dado o meu primeiro emprego. E era verdade! Aqui deixo um abraço saudoso ao meu primeiro “patrão”.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

1 comentário:

Anónimo disse...

caro embaixador

guardou alguns desses seus artigos historicos?

cumprimentos

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...