sexta-feira, setembro 04, 2015

O desastre dos eletrões


Como por aqui tenho contado, Vila Real é uma terra com muitas histórias. (As outras terras também devem ter as suas, mas eu conto por aqui as da minha terra.) Algumas delas são fantasiadas, outras um pouco mais reais. Há figuras conhecidas da cidade que surgem regularmente ligadas a algumas delas, outras em que só pontualmente emergem, como atores ou figurantes desses episódios que temos por divertidos - embora eu possa e deva perceber que, muitas das vezes, as coisas se nos afiguram mais "divertidas" porque conhecemos as personagens, porque as historietas nos foram reveladas num tempo em que um humor simples era suficiente para nos tocar, garantindo dessa forma o prolongamento na nossa memória afetiva do impacto que então nos causaram.

Há dias, sentado num fim de tarde na esplanada da Rosas (a Gomes estava fechada...), vi aproximar-se pela rua uma figura que já conheço há muitas décadas, com quem nunca tive uma proximidade particular, mas que sempre projetou em mim uma imagem simpática e muito cordial. Um homem da cidade, mais velho do que eu cerca de uma década, com quem recordo ter partilhado algumas "tainadas" na velha "Pompeia", nas noites raras em que o Neves, o proprietário, fechava a porta e decidia cozinhar uma tortilhas para os amigos. Coisas dos anos 60, muito bem regadas pela noite dentro.

A essa figura da cidade, hoje um próspero industrial, ouvi sempre associada a historieta de uma carta que havia escrito à mãe, abastada senhora com comércio tradicional florescente em Vila Real, ao tempo em que estudava no Porto, nos "preparatórios" de Físico-Químicas. Eu ouvira já várias versões da história, pelo que ousei perguntar-lhe pela versão original. E a pessoa em causa não se fez rogada.

Ao que me contou, a vida que levava então no Porto, onde frequentava, com discutível assiduidade, a universidade, obrigava-o a grandes dispêndios. Estava-se no final dos anos 50 e o Porto era, para quem vinha de Vila Real, uma espécie de grande metrópole quase mítica (dez anos mais tarde eu viria a sentir precisamente o mesmo), cheia de tentações, quase todas caras. No aproveitamento dessa vida, o dinheiro desaparecia com uma velocidade incontrolável. Um dia, em desespero de causa e de fundos, viu-se na "obrigação" de recorrer a uma patranha para esportular mais dinheiro à senhora sua mãe, deixada lá por Vila Real.

Para tal, elaborou uma carta muito bem estruturada, na qual fazia sentir à progenitora o momento difícil que atravessava, por virtude de um lamentável "acidente" ocorrido numa aula de Física. O que é que se passara, em concreto, ou melhor, nos termos da carta?

Num exercício de Física com o Plutónio 451, enquanto usava um contador Geiger para medir radiações, um descuido imperdoável levara-o a deixar cair ao chão, inutilizando-os por completo, "24 mil pares de eletrões". O dano era fortíssimo, a universidade exigia ser ressarcida e, por falta de verbas, ele estava na iminência de ser expulso da faculdade, logo agora que tão brilhantes perspetivas se abriam para o prosseguimento, com sucesso, do seu curso. Confessava assim o seu embaraço, percebia que estava a passar para a mãe um problema de que fora ele o único causador, mas não tinha outra solução senão pedir um reforço de fundos.

A carta concluía, naturamente, com uma estimativa dos encargos, que eram, de facto, muito pesados, para os valores de então. Como ele explicava no texto, que a mãe cuidadosamente guardara e que lhe devolvera antes da morte, "cada par de eletrões custa quatro tostões", o que fazia orçar o dispêncio final em "nove contos e seiscentos". Era muito dinheiro? Era, mas o bom nome da família e o futuro da sua carreira de estudante disso dependiam. 

A mãe compreendeu? Claro que sim. O dinheiro lá chegou ao Porto, o zeloso estudante terá "liquidado o débito" e a única coisa que é certa é que ficou com mais "nove contos e seiscentos" para a estroina das noitadas na Invicta. O curso? Nunca o "tirou", talvez por não ter a quem...

8 comentários:

Anónimo disse...

Existem Industriais em Vila Real? não sabia.

Anónimo disse...

Caro embaixador esse anónimo ai em cima não deixa de ter razão, para mim um dos poucos industriais que por lá conheci morreu não tem grandes anos o João Martins da salsicharia. De resto pode ter é muitos comercinates, agora industriais não creio. Até porque ser industrial envolve risco associado e isso os queques de papá de Vila Real nunca tiveram essa visão.

Anónimo disse...

É assim caro anónimo das 16:07! Agora vamos passar para o setor secundário com a "preciosa ajuda" dos nossos governantes. Era inadmissível continuarmos no setor primário como agricultores. Assim, deram cabo da Casa do Douro, (pelos vistos ainda há lá muito bom vinho para as dividas ou até para umas grandes farras), em consequência com os viticultores, e passamos a “atender” na industria turística uns resorts que já estão a ser instalados por aí em força.

Anónimo disse...

Lá vai o 44 sair do hotel. Agora vamos assistir a um corropio de seguidistas e lambe botas a casa do 44. Mas para que casa ele irá' vendeu uma ao paquistanês, irá para a de Paris, mas espere ele também tinha essa á venda. Como ele é do Benfica pode ser que o deixem ficar junto da entrada 18, aquela por onde passavam os colombianos com o material.

Anónimo disse...

por falar em paquistanes oh anonimo nao querera vossemece um visto gold ou é mais um submarino?

saudacoes

rennie gaviscon

patricio branco disse...

divertida história, um homem com imaginação para as situações dificeis, que comentário poderia fazer um físico atómico sobre a queda ao chão dos electrões? uma especie de fukushima aconteceu nesse laboratório...

Unknown disse...

De facto, que eu saiba, Vila Real não tem industriais, mas já teve, há uns 50 anos atrás.

Agomes disse...

Sr. Embaixador, em Vila Real a dúvida que existia era se esse Sr., que até é das minhas relações sabia onde ficava a Universidade. Quanto aos industriais de Vila Real sempre existiram, embora seja um concelho essencialmente de comércio e serviços. Há muito tempo que os lobos deixaram de passear na Avenida CA. Resto de um Bom Domingo.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...