Faz hoje 50 anos, iniciou-se em Angola a revolta contra a administração portuguesa, tema que, no ano passado. nesta mesma data,
aqui abordei. Iniciava-se a nossa primeira guerra colonial.
Um amigo chamou, há poucos dias, a minha atenção para o facto de eu utilizar, com regularidade, a expressão guerra colonial, entendendo-a, aparentemente, como algo agressiva face a certos setores nacionais. Perguntou-me por que não falava em "guerra do ultramar" ou "guerra de África".
No léxico público português, o conceito de "guerra do ultramar" está ligado à ficção de que os territórios africanos que estiveram sob administração portuguesa, até 1974, eram "províncias ultramarinas", escondendo desta forma a realidade atrás das palavras. O facto de estarem "para além do mar", conceito de natureza geográfica, não retira a dimensão colonial à realidade que se pretende qualificar. Curiosamente, parece esquecer-se que o termo "colónias" (e até o de "império colonial") foi utilizado até muito tarde, pelo Estado Novo. Só quando os ventos descolonizadores se tornaram ameaçadores no plano internacional é que apareceu oficializado o conceito de "províncias ultramarinas" - no nunca convincente mito do "Portugal do Minho a Timor". Mais tarde, e como alguns se lembrarão, Marcelo Caetano viria mesmo a crismar com o equívoco nome de "Estados" os territórios de Angola e Moçambique, a exemplo do que fora usado para o "Estado da Índia".
As "possessões" (outro termo que, significativamente, se usava no salazarismo, paralelamente ao conceito de "ultramar") africanas e asiáticas eram simples colónias e, como tal, foram sempre consideradas pela comunidade internacional - a qual, valha a verdade, nunca foi "inimiga" de Portugal mas sim da ditadura que sobrevivia no nosso país. Contrariamente aos tempos do Estado Novo, em que quem falasse de "colónias" tinha a certeza de vir a sofrer represálias, hoje é perfeitamente legítimo, na democracia que a Revolução do 25 de abril nos trouxe, referir o "ultramar" ou as "províncias ultramarinas".
É óbvio que esta questão se prende com o problema da "guerra". Para alguns, o conceito de "guerra do ultramar" é mais confortável e a ideia de guerra colonial pode ser lida como potencialmente deslegitimadora da luta dos nossos soldados, entre 1961 e 1974.
Nada de mais errado. As Forças Armadas portuguesas conduziram, nesses 13 anos, um esforço de preservação da soberania portuguesa sobre as suas colónias, conforme lhe era ordenado pelo regime então vigente. Fizeram-no com o profissionalismo e o sentido patriótico a que sempre nos habituaram, arcando com sacrifícios em termos humanos que o país deve reconhecer e prestigiar. Os militares portugueses que intervieram nas guerras que Portugal disputou nessa África - todos os combatentes, mas, em especial, os feridos e os mortos - não são de "esquerda" nem de "direita", sendo patético ver a sua dignidade, muitas vezes, refém de aproveitamentos sectários, como se vê em algumas romagens de saudade. Esse militares lutaram por Portugal, na perspetiva do país que o regime impunha, defendendo o que lhes apontavam como sendo a nossa bandeira. E, contrariamente a certas vozes que por vezes emergem, tão patriotas eram os soldados que lutavam contra os movimentos independentistas das colónias (chamados então de "terroristas") como quantos se opunham, no interior ou exilados no estrangeiro, ao regime ditatorial que vigorava no país. Desigualizá-los em patriotismo é assumir a ideologia da ditadura. Hoje isso não é proibido, mas não deixa de ser significativo.
Convém também lembrar que foram essas mesmas Forças Armadas - as quais, com o seu esforço, tinham dado ao regime muito tempo para uma resolução política da questão colonial - que derrubaram o regime ditatorial e instauraram o sistema democrático. Foi a necessidade dessa rutura, que teria sido evitável se tivesse havido uma negociação tempestiva, que conduziu a uma independência atribulada das colónias, com dramas humanos - para os portugueses e para os povos colonizados - que eram perfeitamente escusados.
Por tudo isso, porque as coisas são o que são, continuarei a usar, aqui e como noutros contextos, a expressão guerra colonial. Outros podem optar por uma "terceira via", para fugir ao dilema: falar das "guerras de África" ou das "campanhas de África". Eu continuarei a chamar as coisas pelos seus nomes.