quarta-feira, setembro 25, 2024

Lucros


No novo governo francês, vi surgir uma ministra que tem a seu cargo, entre outras tarefas, "l’intéressement". Nunca tinha ouvido falar. Fui ver o que era. Trata-se, muito simplesmente, da participação nos lucros das empresas. 

Daqui a semanas, fará 53 anos que entrei para a Caixa Geral de Depósitos, o meu primeiro emprego "a sério". Andava com a vida universitária atrapalhada por diversas razões e decidi fazer-me à vida real. Fiz concurso com mais de um milhar de candidatos. As provas tiveram lugar no liceu Passos Manuel. Porque me enganei numa permilagem, no exame de contabilidade, fiquei a meio da tabela, dentre os trezentos e tal admitidos. No dia de admissão, telefonei ao meu pai, a quem não tinha avisado dessa aventura, e disse-lhe: "A partir de hoje, somos colegas!". Com alguma diferença de tempo: ele tinha entrado para a Caixa em 1930! Estávamos em 1971. 

Fui trabalhar para o Calhariz, no "Serviço de Títulos". No final do ano, a Caixa fazia distribuição de lucros pelos funcionários (é verdade!). Não era muito dinheiro, mas era algum dinheiro com o qual as pessoas contavam. Todos os funcionários recebiam? Não. Apenas os que tivessem a classificação de "muito bom". Eu estava descansado: trabalhava muito e bem. Mas enganei-me. Num dia, com o fim do ano a aproximar-se, ouvi do meu chefe, do inefável senhor Marques: "O senhor Costa fez um excelente trabalho ao longo deste ano, mas, infelizmente, não vou poder dar-lhe "muito bom". Temos instruções para não atribuir essa classificação a pessoas recém-admitidas". Não lhes digo o que calei. 

Não sei como são as regras do "l’intéressement" lá por França, mas, com o obsessivo "jeunisme" a ser hoje a regra do jogo um pouco por todo o mundo, estou certo que as coisas não se passarão como naquele meu outro tempo de funcionário bancário.

1 comentário:

Lúcio Ferro disse...

Meu caro senhor Seixas da Costa, obrigado por mais esta memória sua. Eu às vezes esqueço-me que é bem mais velho do que eu e não o digo com o pensamento de que a idade é um posto, digo-o com o respeito que me merece uma pessoa com um excelente percurso e com uma capacidade notável de escrita e seguramente um futuro vibrante, activo. Aposto que o seu Pai, ao tomar cohecimento de que eram formalmente colegas, assim, de surpresa, deve ter sorrido de contentamento. A minha vida com o meu Pai, finalmente normalizada, agora que ele tem 90, passou por um momento similar, quando eu lhe anunciei, aos 17, que estava farto e que ia para a Legião. Não acreditou e de facto eu nunca fui para a Legião. Ainda assim, no dia de juramento dos nossos, que por vencidos nunca sejamos conhecidos, ele lá estava e eu vi que estava muito orgulhoso. :) Depois, a vida levou-me a outros confrontos, muitas dores e muitas alegrias também. Gosto muito do meu Pai. Desculpe este desabafo. Há cinquenta e três anos eu era um menino de colo.

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