segunda-feira, julho 12, 2021

Wembley

 


Este post é enganador. Conta uma história passada em Wembley, onde, há pouco mais de uma hora, a Itália derrotou a Inglaterra, para o Europeu, “at home”. Ora, na realidade ela passa-se no estádio antigo, ali ao lado. Por isso, quem quiser “sair” aqui, faça favor.

Vamos à história.

Claro que não era uma ordem, até porque tinha vindo de Lisboa por via indireta, cordial e amigável. Mas o recado segundo o qual aquela figura do Estado português "ficaria muito grata" se a nossa embaixada em Londres, que eu chefiava interinamente, pudesse arranjar dois lugares, destinados a um seu familiar, que estudava em Inglaterra, e a um professor deste, para assistirem a uma final da Taça de Inglaterra em Wembley, configurava aquele género de pressão a que é difícil dizer que não. Vamos ser claros: era uma inócua cunha.

Verdade seja que não se pediam “borlas”, mas bilhetes pagos. O problema é que toda a gente sabia que os bilhetes para o jogo estavam esgotados, há muito. Eu sabia bem disso, porque conseguira comprar um para mim, bastante caro, já meses.

Na embaixada, descobriu-se então, para minha imensa surpresa, que alguém tinha um “conhecimento” na federação britânica. Essa pessoa, por especial favor, fez um contacto e veio a conseguir dois acessos. A resposta da federação acabou, aliás, por ser melhor do que se poderia supor: atendendo a que era um pedido da embaixada, ofereciam dois convites, gratuitos, para uma zona especial, tipo camarote, onde ficavam os convidados da federação.

Porque era uma área do estádio alheia às claques, relativamente "neutral", a federação apenas pedia alguma parcimónia na exibição de bandeiras ou símbolos dos dois clubes em liça. Esses ficavam para as duas imensas claques, uma londrina, do Arsenal, outra do Sheffield Wednesday, que iam encher as respetivas zonas do estádio. E, já agora, para fazer amigável inveja, gostava que soubessem que há poucos ambientes desportivos mais bonitos do que um Wembley ululante, cheio de cânticos, numa “cup final”. E eu, na vida, tive o privilégio de assistir a três!

Era na cidade de Sheffield que o tal familiar do nosso político estudava na universidade. Estava assim explicado que quisesse fazer um gesto e trazer o seu professor para ver o seu clube jogar esse prélio decisivo. E, com certeza, para mostrar que era influente, capaz de mover mundos e fundos para arranjar duas entradas, ainda por cima saiam de borla, para uma final da Taça de Inglaterra.

Lembro-me de que o contacto da federação britânica havia dado uma indicação sobre a necessidade de, naquela zona reservada do estádio, serem respeitadas as limitações “coreográficas”, em termos de sectarismo clubista: bandeiras e coisas assim. Foi dito isso para o felizardo de Sheffield e ficou combinado deixar os dois convites num determinado local de Londres.

No dia do jogo, lá fui, como habitualmente de metro, para Wembley. Como o meu bilhete era relativamente central, fora das claques, podia avistar, com facilidade, o tal camarotes. E foi então que vi, no meio de um largo grupo de pessoas que não ostentavam nem bandeiras nem cachecóis: uma pessoa mais velha e um miúdo, jovem adolescente, ambos vestidos, da cabeça aos pés, de evidentes fãs do Sheffield Wednesday. Destoavam vivamente, pela cor e pela agitação que fui observando, dos restantes convidados. Eu não conhecia o familiar do político, mas não me pareceu ser nenhum dos dois. Que coisa estranha!

Esse familiar da personalidade, educado, teve a anabilidade de telefonar, no dia seguinte, a agradecer, dizendo que tinha ficado "adoentado" e que, por essa razão, tinha dado o seu bilhete ao filho do professor. Pois... Estava-se mesmo a ver, não era?

Porque a sorte protege os audazes mas não necessariamente os espertalhaços, o Sheffield Wednesday perdeu contra o Arsenal e os dois "convidados" terão ficado com uma cara similiar à dos seus correlegionários da foto (mas não me lembro se algum deles usava o elegante capacete da "farda"). A minha satisfação era ainda maior porque o meu clube londrino era o Arsenal, por razões que a história explica e que belo livro de Nick Hornby, “Fever Pitch”, ajuda a compreender.

5 comentários:

Luís Lavoura disse...

Que história edificante! Nela, todos ficam mal! Ficam mal os portugueses, ficam mal os ingleses... Ninguém se salva!

maitemachado59 disse...

o meu club tb e9ra) o Arsenal.

Agora esta tudo um pouco tremido. Que falta faz Arsene Wenger!

Bons tempos os de Thierry Henry, Patrick Vieira, Denis Berkamp...

maitemachado59

A.Teixeira disse...


Ora logo aqui que, por uma vez, o Luís Lavoura podia ter implicado com fundamento com um pormenor do texto, vêmo-lo a passar completamente ao lado do que está errado!

É que o Chelsea nunca se defrontou com Sheffield Wednesday numa final da Taça de Inglaterra...

E afinal são informações tão simples de confirmar: https://www.11v11.com/teams/chelsea/tab/opposingTeams/opposition/Sheffield%20Wednesday/

Claro que a história não perde o seu carácter engraçado por causa desse pormenor. Mas, para além de indiciar quanto a memória já "pregará partidas" ao embaixador, o pormenor também demonstra que a "qualidade" de "implicativo" do Lavoura é muito mais visível pela insistência do que pela substância...

AV disse...

Sheffield tem duas grandes equipas - o United e o Wednesday. Por questões de bairrismo e de amizade, nesta casa torce-se pelo United.
Também tem dias grandes universidades, por razões diferentes. Adivinho qual seria a do nosso compatriota mas nisso, como noutras coisas, talvez me engane.

Francisco Seixas da Costa disse...

Boa malha A. Teixeira! Eu, que raramente sou apanhado numa falha em matéria de rigor nos factos, meti, por descuido, “a pata na poça”! E não é que era o “meu” Arsenal! Vai-me permitir que, mantendo embora esta nossa conversa por aqui - um erro é um erro e as pessoas de bem assumem-nos - dê uma volta ao texto “accordingly”. E muito obrigado pela correção. Fico sempre grato.

O futuro