quarta-feira, julho 07, 2021

O Butão em falta


Quem consultar, no site de MNE, a lista dos países com os quais Portugal tem relações diplomáticas verificará que são 194. Ora a ONU tem apenas 193 países membros (Portugal e mais 192). 

Se olharmos com atenção essa lista do MNE, constataremos, contudo, que ela inclui o Kosovo, Estado que não foi ainda admitido nas Nações Unidas, além da Palestina e da Santa Sé, neste caso Estados que não são membros plenos da ONU, mas apenas países observadores. 

Assim, “descontando” esses três Estados, verifica-se que Portugal tem relações diplomáticas com 191 dos 192 países que são membros da ONU, além de Portugal.

Quem falta, então? O Butão. O Butão? Não temos relações, com embaixador acreditado, junto do Butão? Não, não temos.

Há 20 anos, em 2001, quando fui representar Portugal junto das Nações Unidas, em Nova Iorque, já sabia disto. E, convencido de que não havia “impossíveis”, apressei-me a ir falar com o meu colega do Butão, que recordo se chamava Om, perguntando-lhe o que devíamos fazer para colmatar essa imperdoável falta no nosso quadro de relações diplomáticas.

Expliquei-lhe que sendo Portugal um Estado com uma vocação de bom relacionamento universal, sem conflitos com ninguém, com uma excecional abertura à generalidade dos países, era muito estranho que o Reino do Butão ainda não tivesse completado o nosso “pleno” de relações externas. Imagino que deva ter argumentado que o Butão dispunha, entre nós, de “uma grande simpatia”, coisa que, não sendo necessariamente falso, também não era uma “verdade como punhos”, como antes se costumava dizer.

O meu colega butanês, um homem cordial e muito agradável, com cujo apoio pude contar em mais do que uma eleição, durante o meu tempo em Nova Iorque, não me deu grandes esperanças de podermos vir a estabelecer relações diplomáticas a nível de embaixada com o governo de Thimphu.

O Butão seguia uma política conhecida como muito restritiva em matéria bilateral, tinha relações com poucos países (o Butão mantinha embaixadas em apenas cinco países e só havia duas embaixadas estrangeiras em Thimphu, a sua capital) pelo que, não obstante ele ir ”envidar esforços” (deve ter usado esta linguagem diplomática típica, que pouco quer dizer) no sentido que eu pretendia, não me podia dar quaisquer garantias, nem mesmo esperanças. Mas não estávamos sós: os Estados Unidos, a Rússia, a China, o Reino Unido ou a França, por exemplo, também não tinham, e continuam a não ter, relações diplomáticas com o Butão.

Saí de Nova Iorque sem ter conseguido o meu objetivo. Ao que constato os cinco colegas que me sucederam na chefia da nossa Missão junto da ONU tiveram idêntico (in)êxito.

Lembro-me bem de um telegrama que enviei para Lisboa, a dar conta do fracasso daquela minha diligência, em que referi (a diplomacia não exclui o humor e as comunicações escritas são, para isso, um veículo privilegiado) que, não obstante os esforços feitos, “não consegui evitar a falta do Butão para fechar o nosso quadro de relações externas”. Escrevi o texto, estou certo, com um sorriso amarelo. Mas não estou certo de que, nas Necessidades, isso tivesse sido muito apreciado.

Há dois dias, numa aula conjunta por “zoom”, numa universidade, ouvi o meu colega Joaquim Ferreira Marques referir que, quando foi embaixador em Nova Deli, tinha fracassado numa idêntica tentativa junto das autoridades do Butão. Senti-me mais acompanhado. 

Mas, diga-se o que se disser, a verdade é que, no quadro da nossa política externa, o Butão continua em falta.

4 comentários:

Luís Lavoura disse...

O Francisco poder-nos-ia explicar a razão deste afã das autoridades portuguesas em terem relações diplomáticas com todos os países do mundo. Qual é a utilidade disso? Para que são necessárias as relações diplomáticas com muitos países? Para pouco, aventaria eu. Permito-me supôr que a principal utilidade de relações diplomáticas com o Butão seria somente o Ministério dos Negócios Estrangeiros poder empregar mais um embaixador e outras tantas pessoas.

Francisco Seixas da Costa disse...

Luís Lavoura. Ter um embaixador acreditado no Butão não é sinónimo de ter um embaixador no Butão. Alguém que se lembrasse de abrir uma embaixada no Butão (onde só há duas embaixadas...) seria internado por insanidade. Não tenho tempo, desculpe lá!, para explicar a razão pela qual é importante os países manterem relações diplomáticas entre si. Se for à internet isso está lá.

maitemachado59 disse...

se o Butao esta em falta, ja experimentaram o fecho eclair ou as molas?

maitemachado59

carlos cardoso disse...

Para quem, como eu, ficou curioso sobre as relações diplomáticas do Butão, as duas embaixadas em Thimphu são as da Índia e do Bangladesh e os outros três países onde o Butão tem embaixadas são Bélgica, Kuwait e Tailândia. O Butão tem relações diplomáticas com a União Europeia e com 13 dos seus estados membros. Curiosamente, entre os 54 estados com os quais o Butão mantém relações diplomáticas figura Andorra!

Sai um Kennedy!

Kennedy na equipa de Trump! Ouviram-no durante a campanha? Tudo isto pode vir a ser dramático, mas lá que vai ter piada de observar, lá isso...