A vida é feita de coisas improváveis. Mesmo de amigos improváveis. Sou amigo, vai para meio século, de Jaime Nogueira Pinto. Conhecemo-nos no serviço militar, onde as nossas profundas divergências políticas não só nunca conduziram a homéricas discussões como nos levaram mesmo a construir um insólito patamar de constante diálogo, sempre assente no respeito, no humor e no sabermos rir-nos de nós mesmos. Alguns de quantos nos julgam conhecer nunca perceberam isto, mas nós, sem nunca combinarmos nada, concordamos em não ter de dar satisfações de seita a ninguém.
Foi através do Jaime que conheci a Maria José. Longe iam os anos em que ambos tinham andado pelo exílio, fugidos àquilo que, por cá, eu defendia. Fomo-nos conhecendo melhor, fomo-nos vendo por Lisboa e pelos locais onde a vida me ia levando. Com a habilidade amável de quem se esforça por compreender o outro, acabou por ser com facilidade que gizámos, com a Maria José e com o Jaime, um terreno de sólido entendimento, feito de alguns importantes valores partilhados, que tínhamos por essenciais para a construção daquilo que viria a ser uma bela amizade.
Um dia, chegados a Lisboa, a caminho de um jantar em que eles também deveriam ter estado, a Maria José e o Jaime quiseram falar connosco. Soubémos então das notícias da saúde da Maria José. A partir daí, nos tempos complexos que se sucederam, tudo seguiu um percurso de que, publicamente, algo é conhecido.
Passam hoje dez anos desde que a Maria José desapareceu e, no final de um dia de despedidas e homenagens, a fomos deixar num cemitério do Oeste. Às vezes, o tempo da morte é injusto para as vidas que terminam. Não terá sido esse o caso. A morte da Maria José foi um momento que convocou uma rara comoção, muito para além de algumas barreiras. A dignidade com que ela soube aproximar-se do fim anunciado, na serenidade com que escolheu olhar de frente o destino, marcou, para sempre, a sua imagem, mesmo para quantos a não conheciam.
Neste dia, deixou um forte abraço ao Jaime, aos filhos e a toda a família, especialmente à Maria João.
5 comentários:
Faz falta nos debates. Desapareceu não, ela partiu. :(
Lembro-me sempre do último texto que escreveu no Diário de Notícias e das palavras: “uma vida boa não é uma boa vida”.
A dignidade da partida acompanhada daquele lindo texto cujo titulo era "Nada me faltará" foi um exemplo e uma inspiração de uma mulher que foi sempre fiel aos seus princípios
Agradeço à Dulce Oliveira ter recordado o artigo derradeiro de MJNP. Que texto maravilhoso e que lição de vida. Vale a pena reler.
Deixo o link: https://www.dn.pt/portugal/in-memoriam-de-maria-jose-nogueira-pinto-1952-2011-1907073.html
Dulce Oliveira /Zé, muito obrigada pelo link.:)
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