Acaba de ser publicada uma biografia de José Cardoso Pires, escrita por Bruno Vieira Amaral. Não a tinha conseguido comprar em Lisboa e no Porto. Estava esgotada onde a procurei (bom sinal!). Foi preciso chegar a Vila Real para a poder adquirir. E ter tempo para a ler.
Estou a abordar o livro como gosto de ler as biografias: iniciando a leitura pelo tempo em que conheci a pessoa e, depois, saltitando de capítulo em capítulo, sem outro critério que não seja o da curiosidade. Comecei pelo período de Londres, depois avancei pelos dias do Almanaque, passei à sua relação com Paris, através do índice onomástico. E assim vou. Tenho este vício há muito, que se há-de fazer?
O livro está muito bem escrito, com uma leveza que curiosamente lhe realça a substância, às vezes ligando extratos de textos do autor com testemunhos, não fugindo a questões aqui ou ali mais sensíveis do seu percurso. Esta obra abre-me também o apetite para reler o que já li de Cardoso Pires e, talvez, ir à procura de outras coisas. É muito bom ler trabalhos tão bem elaborados e rigorosos, como este de Bruno Vieira Amaral, cuja boa escrita tenho acompanhado noutros locais.
Conheci pessoalmente Cardoso Pires no início dos anos 70, em noites em casa de Carlos Eurico da Costa e de Maria Lúcia Lepecki. Foi com ele que me iniciei no gin do British Bar, no Cais do Sodré, ao tempo em que, com outras pessoas, criámos a Associação de Amizade Portugal-Polónia, nos idos revolucionários de 75. Depois, nos anos 80 e 90, voltámos a cruzar-nos bastante na Mesa Dois do Procópio, sob a amiga tutela do seu amigo Nuno Brederode Santos. Mas, nem de perto nem de longe, fui seu íntimo, nem sequer posso dizer que fui seu amigo. Sempre fui, isso sim!, um grande admirador da sua escrita e tinha um grande fascínio pelo seu modo de estar na vida, na política e na noite.
No Procópio, naquele tertúlia solta que o Nuno alimentava, tivémos algumas boas conversas diluídas em whisky, sobre tudo e sobre nada, como era a regra do lugar. Mas recordo, pelo pitoresco, uma noite em que, a certa altura, achei dever arbitrar uma divergência que se estava a afirmar entre José Cardoso Pires e a minha mulher, que expressavam opiniões muito opostas sobre uma determinada figura pública. Ela defendia-a intransigentemente, o José Cardoso Pires lançava “cobras e lagartos” sobre a figura. Comecei a achar estranha aquela teimosia dele, tanto mais que se tratava de uma personalidade bastante consensual. A certa altura, foi ele quem caiu em si: “Espere aí! Há aqui uma confusão! A pessoa de quem não gosto não tem esse nome, tem um nome parecido”. E lá esclareceu de quem se tratava e era um seu ódio de estimação (por acaso, era um amigo meu). Foi mais uma risota em que aquela saudosa mesa era então pródiga!
A leitura deste excelente livro de Bruno Vieira Amaral está a ajudar-me a completar o retrato humano de José Cardoso Pires.
1 comentário:
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