Há mais de uma década, quando vivia em Viena, fui convidado a participar numa conferência em Sharm el-Sheikh, no extremo sul da península do Sinai, no Egito. A cidade não tem a menor graça, é um mar de hotéis, uns melhores do que outros, aproveitando todos as águas macias e transparentes do Índico, cheias de corais (e, às vezes, com alguns tubarões). Nós passávamos os dias encafuados em salas fechadas, em graves discussões sobre segurança, com um sol lá fora a apelar ao "baldanço". Mas eu era "keynote speaker" e tinha de levar a sério o convite. Só ao final da tarde é que me aventurava a dar um mergulho.
Passar uma noite no deserto, sob as estrelas e com um ritual de absoluto silêncio, bem como visitar o curioso mosteiro de Santa Catarina, na base do Monte Sinai, eram, no entanto, trajetos turísticos obrigatórios para quem ia a Sharm el-Sheikh, incluídos no nosso programa. Recordo para sempre uma curiosa conversa com um padre espanhol do mosteiro, que me falou longamente da sua experiência egípcia, na solidão daquele deserto. Dizem-me que a segurança impede hoje essas viagens, a exemplo do que também sucede do nordeste do Sinai, onde já se não faz o interessante percurso, atravessando o Suez, entre o Cairo e Al Arish uma magnífica praia, com hotéis um pouco "délabrés", não muito longe da fronteira de Rafah, no acesso à faixa de Gaza.
Numa das noites em Sharm el-Sheikh, deu-me para fazer um longo percurso exploratório pelo extenso hotel onde decorria a conferência e estava hospedado, desenhado em forma de crescente. A certo passo desse passeio, deparei-me com um bar. Dele emanava boa música, gente com um ar de turistas, divertidos e ruidosos, com algumas mulheres muito bonitas. Dirigi-me ao balcão a pedi uma bebida. Notei que alguns dos circunstantes, eles e elas, me olhavam com alguma curiosidade. A barwoman que me serviu, que notei que era tudo menos egípcia, perguntou em inglês a minha nacionalidade. Satisfeita a curiosidade, explicou-me que aquele era "um bar para russos". Ela também o era e, de facto, à volta, tudo estava escrito em cirílico e, quase de certeza, a única pessoa não-russa que por ali parava era eu. Acabei de beber o meu whisky e zarpei para o "meu" lado do hotel.
Por esses dias, eu havia-me esquecido que Sharm el-Sheikh, desde o fim da União Soviética, era um local muito popular de férias para os russos com algum dinheiro (os que têm mais dinheiro vão para destinos mais glamorosos). Há por ali vários hotéis praticamente "só para russos" e aquele em que eu estava tinha uma das suas alas que lhes era totalmente destinada. Eu é que me perdera por lá, por engano.
Ontem, ao ver a notícia do avião cheio de turistas russos que descolou de Sharm el-Sheikh em direção a S. Petersburgo, e se despenhou pouco depois perto do Monte Sinai, recordei aquele whisky que bebi no bar eslavo do Sul.
4 comentários:
Para mim é novidade tudo o que aqui conta - não sabia desta preferência e quase tradição russa! Que pena o saber a propósito de um dos acidentes que temo mais, tendo dois filhos que voam bastantes vezes por motivos profissionais..Bom domingo!
De facto as águas convidam a uns belos mergulhos mas o nosso país também tem águas e praias maravilhosas.
Quando se tem que viajar para aquelas bandas em trabalho não há nada a fazer mas para passar férias, ou faz férias "cá dentro" ou terá que se estudar muito bem os prós e os contras para os países onde se pensa ir. O perigo está sempre à espreita.
não seria isso uma forma de segregação ? se não for russo não entra ...
pena a insegurança crescente de tantos sitios bons e bonitos para fazer turismo, egipto, tunisia, sinai.
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