quinta-feira, novembro 19, 2015

Esquerda, direita, volver...

Leio uma citação de António Barreto: "Hoje em Portugal dizer de alguém que é de direita é um insulto. Dizer que alguém é de esquerda é um título de nobreza".

Não sei se se trata da mesma pessoa que foi militante do PCP, que dele depois se afastou, que mais tarde foi a figura central do "grupo de Genebra" que editou a revista marxista heterodoxa "Polémica", que seria militante, deputado e ministro do PS, que viria a criar o "movimento dos reformadores" aliado a Sá Carneiro na coligação de direita AD, que apoiou Soares nas eleições presidenciais de 1986, que reingressou no PS, do qual se terá depois voltado a afastar.

Em especial, não sei se o António Barreto que fez esta afirmação, que é ácida para a esquerda e com a qual toda a direita portuguesa não deixará de concordar, é a mesma pessoa que, em 1985, crismou, com genialidade, a expressão "povo de esquerda" a que procurou, com êxito, associar a imagem de quantos apoiavam Mário Soares.

Mas, enfim, partindo do princípio que se trata da mesma pessoa - um grande intelectual português, sociólogo e historiador de imenso mérito -, gostaria de perguntar ao meu amigo António Barreto se acaso ele não tem uma explicação para esse desamor que hoje existe em Portugal pela palavra "direita" e para o alegado afeto que a palavra "esquerda", "malgré tout", parece despertar nas pessoas. 

Vou mais longe: talvez António Barreto nos pudesse explicar se a direita portuguesa "não tem nada a ver" com o facto das pessoas terem dificuldade em se confessaram suas adeptas e preferirem qualificações como "centro-direita", "não ser de esquerda" e eufemismos retraídos do mesmo jaez. E, de caminho, se o facto de "ser de esquerda" surgir no imaginário comum como "um título de nobreza" significa que os portugueses são estúpidos.     

14 comentários:

caramelo disse...

"Hoje em Portugal dizer de alguém que é de direita é um insulto. Dizer que alguém é de esquerda é um título de nobreza".

Seja qual for a divergência que tiverem, o curioso é que ambos, o senhor Embaixador e o António Barreto, tomam esta afirmação como certa, como se esse fosse um padrão de pensamento dos portugueses. Nem de longe. Leia-se a opinião publicada, as caixas de comentários, etc. Uma coisa é um “insulto” para quem e outra coisa é “um titulo de nobreza” para quem, exatamente? Estamos a falar no universo de alguma mesa de café em particular, que seja representativo do país? Isto apenas eterniza a habitual jeremiada da direita: somos incompreendidos, a esquerda domina, etc, como se o país tivesse parado há quarenta anos.

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Senhor Embaixador

Acho que o Dr António Barreto chegou a certa altura da sua vida e entrou na idade da razão

Como o Senhor Embaixador bem sabe "quem não foi de esquerda até aos vinte anos não tem coração, quem é depois dos trinta não tem juízo”

O espírito da juventude reclama os anseios e delírios utopistas do socialismo. Era natural e espectável que os mais jovens abraçassem esse gênero de estupidez, contanto que, depois, modificassem suas disposições e compreendessem os limites impostos pela realidade.

Abraço

aamgvieira disse...

Portugal não parou.

A esquerda actual está agarrada ao passado: Salazar,Cunhal e todos os outros ditadores "populares" dos anos 40, Estaline e Hitler, todos farinha do mesmo saco.

Não acompanhou culturalmente e racionalmente a evolução do espírito humano e depois interroga-se, NÃO tem resposta para os dias actuais, usando todos as jogadas de curto prazo como-manter-o-seu-conservadorismo,sem qualquer visão estratégica para o futuro de Portugal, nesta Europa que se afunda por culpa própria.

João Forjaz Vieira disse...

Eu interpretei apenas como uma forma de dizer o que está dito e redito e tornado a dizer: a esquerda tem a mania que é superior e boazinha e que a direita é constituída por estúpidos e atrasados mentais. Só seria verdade se os portugueses fossem diferentes dos europeus onde, por ciclos, ganha a direita e a esquerda moderada. A esquerda radical é que nunca ganha. Será que é essa a nossa especial característica? Pensarmos com se ainda estivéssemos no séc 19 e nada depois se ter passado? Ou ficarmos parados no tempo, com referências de há quarenta e mais anos sempre a insistir na morte da bezerra? É que ainda, mal refeitos do miguelismo, ainda se gaba a República, historicamente mais do que condenada na sua intransigência ditatorial, apesar de todas as revisões que o tentam disfarçar.
João Vieira (da direita)

aamgvieira disse...

"Os partidos da esquerda mostraram desinteresse na iniciativa de PSD e CDS para que Assembleia da República assinalasse o 40º aniversário do 25 de Novembro de 1975. A discussão no parlamento foi acalorada. Associação 25 de Abril concorda em não assinalar "datas fraturantes".

Não "convém" lembrar a data da implantação da democracia....."burguesa reacionária"

Data fracturante, uma anedota !

septuagenário disse...

Alguns portugueses (muitos)somos muito manhosos, uns mais que outros.

Dos mais manhosos daqueles da política, ainda em idade de reprodução,são gente como António Barreto (direita/esquerda)e Pacheco Pereira (esquerda/direita)

Cada um à sua maneira, são no mínimo gente muito estranha.

Fazem cada flic-flac que nos deixam de boca aberta.

opjj disse...

As frases ditas por Barreto ou outro qq tem de facto essa intenção. Pior ainda, as mais esquerdas quando abrem a boca saiem as palavras carregadas de ódio. Não consigo ouvir gente do PC. Além do mais, muito mentirosos a começar pelo chefe Jerónimo.Servem-se do povo simples para se servirem.
Cumps.

Joaquim de Freitas disse...

Vê-se bem neste "post" do Senhor Embaixador, excelente, porque toca bem na ferida, como sempre, que a direita está bem representada aqui.
Ver um representante da direita, e mesmo do rei, escrever: " "quem não foi de esquerda até aos vinte anos não tem coração, quem é depois dos trinta não tem juízo”, faz-me doer, porque penso no papa Francisco, que desde que chegou ao Vaticano só fala como a esquerda, na defesa dos pobres, e que vai mesmo até dizer que o Cristo foi o primeiro revolucionário. Ou o Dom Hélder Câmara, que os "crentes" da direita acusavam de comunista, só porque disse um dia, que quando dava de comer aos pobres diziam que era um santo, mas que se perguntasse porque eram tão pobres, acusavam logo de ser comunista. Estes dois santos homens já tinham a idade de ter juízo, não é assim, Senhor Breyner?

A direita não conhece os seus pecados desde o Golgota.
Esquece que no estado actual da sociedade os meios de produção da riqueza estão concentrados desde há um século, nas mãos da finança que é hoje mais que parasitária porque altamente especulativa. Estes meios pertencem a uma classe facilmente distinguível. E antes era a nobreza, Senhor Breyner.
Neste estado de "natureza", o poder é o desta classe, senhores comentadores da direita, aqui igualmente distinguíveis!
Esfrega-se evidentemente à fraqueza orgânica das classes populares; mas que no plano político onde esta classe se apresenta, ela se dá a ela mesma o nome de "direita" e que ela pensa e dá a pensar que o poder lhe pertence não tem nada de monstruoso.
Perfeitamente "normal. Ao contrário, o que não o é, é que uma linha política que se diz "de esquerda", possa encarar de a substituir, e de "aceder ao poder" pois que não teve a sua representação no melhor dos casos até hoje.
A base social concreta deste poder, portanto a sua realidade, resta sempre a mesma.
Sem ir até a propor " a guerrilha na floresta de Monsanto", ou no pinhal de Leiria, é razoável de se questionar se um dia os povos se forjassem a vontade de espoliar a "boa sociedade" dos seus meios de produção e de trocas pondo a mão sobre as "suas Bolsas", as testemunhas do acontecimento veriam as armas sair dum lado para tentar de massacrar o outro. Já se viu no passado.
A questão que resta para elucidar: porque é que as classes populares são elas desde há um século o soco dum regime de alternância que lhe seria tão altamente desfavorável.
A direita passa o seu tempo a explicar que o mundo está em crise, ao mesmo tempo que a austeridade esmaga os mais desfavorecidos.
Mas é culpa de quem? Quem geriu e gera a Europa e a mundialização? A esquerda? Quem destrói as vantagens sociais adquiridas, deslocaliza o poder, o afasta do cidadão ?
Após 1973, quem arrancou com as transferências do trabalho o para o capital, favoreceu o liberalismo e tendencialmente desencadeou o flagelo do desemprego? A esquerda?
O balanço , catastrófico neste começo do 21° século é o vosso, senhores da direita.

Amilcar disse...

Excelente e...na mouche !!!

Alcipe disse...

A velhice é um naufrágio, caro Francisco. Se és amigo da criatura, tem dó e não fales nele.

Luis Filipe

Fátima Diogo disse...

Ás vezes o caro embaixador autor deste blogue espanta-me, como já acontecia no facebook - é que não consigo enquadrar, na personalidade inteligente e atualizada que lhe fui imaginando pela sua escrita, esta sua esporádica perda de tempo com o que dizem personalidades mediáticas sem o mínimo interesse, atualidade ou relevância - e sem a frescura de outras personagens que, não sendo mediáticas, estão vivas e formam o país que vive e respira e continuará a respirar...

Manuel do Edmundo-Filho disse...

A coerência que mais importa relevar é a que nos faz pensar (e agir) pela nossa própria cabeça. É o que sempre fez António Barreto, esse grande intelectual português e duriense. E fê-lo sempre desinteressadamente. Nalguns casos, reconheça-se, com muita coragem (Lei “Barreto”). A democracia, e por isso o país, alguma coisa lhe deve. E não posso deixar de confessar que em grande parte das vezes estive em desacordo com ele. E nem sempre estive bem.

carlos cardoso disse...

Quem passeie pelas caixas de comentários, incluindo esta, poderá pensar que Portugal está irremediavelmente dividido em dois grupos: de um lado a "direita", ultraliberal e conservadora (apesar de estes dois termos serem contraditórios!), saudosista do salazarismo, que só pensa em tramar os trabalhadores acabando com o estado social e que vota no PSD ou no CDS e do outro lado a "esquerda" cripto-comunista e irresponsável, que só pensa em dar cabo da economia esbanjando o que tem e o que não tem e que vota no PS ou mais à esquerda.

Qualquer das duas imagens é, claro, uma caricatura que não corresponde a ninguém. Estou convencido que a grande maioria do povo português é a favor da criação de riqueza e da redistribuição justa dessa riqueza (embora possam haver algumas "nuances" na definição de justa). É a favor dos direitos dos trabalhadores, dos reformados e dos desempregados mas também das condições para que as empresas possam prosperar. Essa grande maioria indigna-se contra greves injustificadas e contra favores a bancos mas sobretudo contra negociatas e mentiras daqueles, de direita ou de esquerda, que elegeu para a representar. As pessoas que fazem parte dessa grande maioria votam, algumas sempre no PS, outras sempre no PSD e muitas umas vezes num e outras no outro (parece que mais de 700 000 mudaram num sentido entre 2011 e 2015 e outras, muito menos, terão mudado no outro). Essa grande maioria está de acordo com quase tudo o que aqui exprime o Embaixador Seixas da Costa, que gosta de se dizer de esquerda, assim como com quase tudo o que exprimem outros, noutros lugares, que são considerados de direita.

O que disse agora António Barreto poderia fazer sentido há uns trinta anos mas hoje não corresponde senão à ideia de um pequeno grupo de saudosistas, de esquerda ou de direita, que não evoluiu.

JBMartins disse...

o antonio barreto de agora é outro, aliás, creio que passou o tempo dele, a sua actividade politica activa terminou há muito e as opiniões que dá são meras curiosidades. menos que freitas do amaral ou igual a zita seabra, etc

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...