domingo, novembro 08, 2015

António Paulouro


Nos anos 60, quando vim estudar para Lisboa, na casa de família onde eu vivia assinava-se o "Jornal do Fundão".

Desde o primeiro momento, fiquei surpreendido com a rara qualidade de um jornal de província que conseguia aliar a atenção às questões da região, pelo que dispunha de forte implantação junto de pessoas oriundas da Cova da Beira, com temáticas nacionais frontais e ousadas, nas quais se destacava uma cobertura muito rica dos temas culturais, que eram objeto de um suplemento regular. Anos mais tarde, eu próprio cheguei a ser assinante do jornal.

A alma do "Jornal do Fundão" era então António Paulouro, que o havia criado em 1946. Geralmente pouco atenta à imprensa de província, tida por submissa e convencional, a ditadura começou a olhar com mais cuidado este jornal irreverente, que acabaria por ser objeto de crescente e regular pressão da censura e chegou a estar suspenso. Inúmeras figuras da intelectualidade portuguesa e brasileira, tais como José Cardoso Pires, João Cabral de Melo Neto, Erico Veríssimo, António José Saraiva, Artur Portela, Eduardo Lourenço, Alexandre Pinheiro Torres, Mário Castrim e tantas outras, colaboraram com o "Jornal do Fundão" e dessa forma ajudaram a sustentar o prestígio grangeado pelo título. 

Tive o gosto de conhecer pessoalmente António Paulouro, no Fundão, num dia de setembro de 1969. Morreu em 2002. Teria completado 100 anos em 2015. Os seus amigos e admiradores juntaram-se ontem naquela cidade para uma bem merecida homenagem àquele que foi, além de uma grande figura do jornalismo e da cultura, um cidadão empenhado civicamente, um democrata a quem a luta contra a ditadura muito deve.

Deixo aqui, nesta breve memória, uma palavra de respeito e admiração extensiva ao seu sobrinho, Fernando Paulouro, que lhe sucedeu na direção do jornal. Mas também estendo um abraço de amizade a Abílio Laceiras, correspondente do "Jornal do Fundão" em Paris, um cidadão que aí cultiva a imagem desse importante órgão, que ganhou já um lugar na história da comunicação social portuguesa.

4 comentários:

Isabel Seixas disse...

Homens que resistem ao tempo, tornando a sua obra intemporal.Bonita a homenagem e a plantação do exemplo.

José Sousa e Silva disse...

Gostei do que acabei de ler. Bonito.

Manuel Tomaz disse...

Eram os tempos do "Jornal do Fundão", "Comercio do Funchal", "O tempo e o Modo". Bons tempos sim, mas porque eramos mais novos...

Flor disse...

Bonita homenagem. Quando era pequena lembro-me que o meu avô lia a Comarca de Arganil.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...