Em 4 de novembro de 1995, Itzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel, foi assassinado por um extremista judeu, durante um comício eleitoral em Tel-Aviv. Na véspera, eu acompanhara Mário Soares a um almoço informal que Rabin lhe oferecera, na sua residência, em Jerusalem. Soares estava de visita a Israel e a Gaza, naquela que seria a sua última viagem oficial ao estrangeiro como presidente da República. Eu acompanhava-o, em substitução do MNE Jaime Gama, juntamente com a minha chefe de gabinete, Ana Gomes.
O chefe do governo israelita era um amigo antigo de Mário Soares. Como vice-presidente da Internacional Socialista, Soares lutara pela aproximação de vários governos europeus a Israel, um país que acabara de assinar acordos de paz com Yasser Arafat, sob a égide da Noruega e dos Estados Unidos. No tocante às relações bilaterais, havia sido Soares, em 1977, como primeiro-ministro, quem decidiu estabelecer relações diplomáticas a nível de embaixada entre Portugal e Israel, quebrando assim uma distância entre os dois países que vinha dos tempos da ditadura.
Nesse dia 4 de novembro, depois de Soares se ter ido despedido do presidente Weizmann, partimos de Jerusalém em direção a Gaza, em carrinhas blindadas, fortemente guardados por seguranças israelitas, Atravessada a fronteira, Yasser Arafat aguardava Mário Soares. Arafat era outra figura que tinha uma excelente relação pessoal com Soares, forjada quando, anos antes, este correra fortes riscos para o visitar, ao tempo em que estava cercado, numa zona ameaçada de Beirute. Arafat nunca esqueceu isso.
A tarde desse dia, em Gaza, decorreu num ritmo intenso, com vários encontros e visitas. Arafat ofereceu um jantar oficial a Soares, findo o qual conduziu o chefe de Estado português à "guest house" onde este se hospedava. Estávamos os três a conversar numa sala quando, de repente, entrou um militar e disse algo ao ouvido de Arafat. Pela reação de espanto do líder palestino, que se escusou e saiu, percebemos que seria algo importante. Escassos minutos passados, Arafat regressou. Tinha ido atender uma chamada do MNE israelita, Shimon Perez, que lhe havia comunicado que o primeiro-ministro Rabin tinha sido objeto de um atentado e estava ferido. Um par de minutos mais tarde, nova chamada confirmava que Rabin tinha morrido. Muito perturbado, Arafat despediu-se de nós e saiu.
Mário Soares e eu tentámos então avaliar o que devíamos fazer e procurámos contactar em Lisboa o primeiro-ministro António Guterres. Mas os telemóveis não funcionavam e só um tempo mais tarde, através de um telefone-satélite militar, viria a ser possível falar com Guterres. Recordo-me que, quando Soares me ouviu a tentar sossegar o primeiro-ministro, dizendo que estávamos bem e em segurança, retorquiu, do outro lado da sala, entre o irónico e preocupado: "Em segurança?! Este é, neste momento, o lugar mais inseguro da terra!". Naquela altura, não sabíamos quem era o assassino e a probabilidade de ser um expremista árabe era a mais provável. Soares falou finalmente com Guterres e ficou combinado que suspenderíamos a visita oficial, logo no dia seguinte.
Assim aconteceu. Nessa manhã, despedimo-nos de Arafat e atravessámos a fronteira para o Egito. Mubarak mandara uma avião buscar-nos numa cidade próxima e fomos dormir ao Cairo. No dia seguinte, Soares e eu regressámos a Jerusalém, onde representámos Portugal no funeral de Rabin. Sob uma segurança impressionante, a cerimónia iria juntar uma rara multidão de chefes de Estado e de governo de várias partes do mundo.
Um dia, talvez arranje tempo para contar, em pormenor, as histórias e peripécias dessa memorável viagem.
Um dia, talvez arranje tempo para contar, em pormenor, as histórias e peripécias dessa memorável viagem.
Rabin morreu faz hoje precisamente 20 anos. Lembro-o nesta noite fria, aqui em Varsóvia, uma cidade onde se escreveram muitas páginas trágicas da história do povo judeu.
6 comentários:
Leitura assídua de seu blog, sinto, nos seus textos, a proximidade da História - como se a estivesse sendo contada para mim e , assim, eu pudesse recontá-la a meus filhos e netos. Meu carinho e meu agradecimento especial por esse privilégio.
Aldema ( www.correndomundo.blogspot.com)
E foi Prémio Nobel em 1994. Assassinado por um extremista judeu. Gostei muito do seu texto com as ultimas recordações daquele dia. Isso é História.
por coincidencia duas testemunhas dessa noite histórica jantaram ontem em Pequim..
ab
J.
Há quem diga que Rabin foi eliminado pelos serviços secretos Israelitas e que uma alta figura do Estado Hebreu esteve metido nisso...
Por acaso, os retornados de há quarenta anos não seriam refugiados dos países de origem ?
Retornado é um RETORNADO, não é um refugiado.
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