O país aguarda o que o chefe do Estado irá dizer, na sequência da
queda do governo minoritário PSD/CDS. Há algo de ironicamente trágico na
situação de Cavaco Silva: a mais importante decisão que teve de tomar durante o
seu mandato surge quando já não dispõe de poder de dissolução do parlamento.
O presidente está na incómoda situação daquela figura que, nos
filmes, só tem uma bala para se defender. Não pode falhar o tiro, tanto mais
que o ciclo político lhe não dará mais nenhuma oportunidade para retificar o
que agora vier a fazer. Cavaco Silva já percebeu que, quer ele goste quer não,
a principal marca que deixará na vida política portuguesa será a que vai
decorrer dos efeitos da decisão que vier a assumir nesta conjuntura.
De Cavaco Silva se dizia que, com orgulho, afirmava ser alguém que
“não tem dúvidas e raramente se engana”. Talvez nesta linha, e para que o país
disso ficasse bem ciente, vimo-lo anunciar, que tinha “todos os cenários
estudados”. Ainda bem! Isso legitima que possamos esperar, não apenas uma
rápida resolução da crise, mas igualmente uma sábia saída, em particular bem
ponderada nos seus efeitos, para o impasse entretanto criado.
Recordo que, perante o resultado eleitoral, o presidente reagiu
com estranho destempero, como se estivesse a passar um raspanete a quem “não
votou bem". O discurso, lido como uma provocação à esquerda, favoreceu o
raro caldo comum de cultura de diálogo que germinava no seio desta. Duvido que
fosse este o efeito pretendido pelo presidente que, com algum irrealismo e até
deselegância, pareceu procurar potenciar divisões no seio dos socialistas. Corrigiu
a atitude na tomada de posse do breve governo, esperando-se agora que não recue
nessa postura menos dramatizada, mais consonante com a responsabilidade de
alguém que deve saber que qualquer palavra sua é escrutinada com atenção na
ordem externa.
É que o país vive um tempo em que a fragilidade da sua situação
económica está ainda muito dependente do humor dos mercados. Não devem ser
estes a determinar as decisões de escolha do exercício democrático, mas é
obrigação patriótica mínima dos atores políticos tentar evitar que a guerrilha interna
fique ao serviço de uma imagem de instabilidade, que acabe por afetar os
interesses externos de Portugal. Se aos partidos é legítimo pedir que tenham
isso em atenção, para o chefe do Estado essa é uma exigência básica.
A situação atual, para Aníbal Cavaco Silva, deve assemelhar-se a
um beco. Mas só se pode sair de um beco recuando. Ir em frente, significa ir
contra a parede. Concedo que o leque das opções que o presidente tem perante si
não é brilhante. Escolher entre o menor dos males não deve ser estimulante. Mas
é o que tem de saber fazer. O país aguarda.
6 comentários:
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~ Uma dissertação muito interessante, numa altura
que PPC surtou, afirmando que vai pedir a revisão
constitucional!
Uma anedota nacional que caiu bem para descontrair.
Vamos ver em que resultou o estudo exaustivo de ACS.
Não espero nada de elevado, a bem da estabilidade,
como apelou aos partidos, nas emissões televisivas...
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Desse senhor deve esperar-se sempre o pior e, mesmo esperando o pior, ele ainda consegue nos surpreender - para pior. Um verdadeiro artista. Há muitos exemplos, mas recordemos apenas dois: o odioso discurso de vitória no segundo mandato ou a dramatizada comunicação ao pais por causa de um problema qualquer nos Açores. Há outras, muitas outras ocasiões em que, quando agiu, só fez disparates e há outras, muitas outras alturas em que não falou quando deveria ter falado. Chegou ao poder em 2006 e não previu nada desde então - nem a crise mundial de 2008, nem a crise portuguesa de 2011. Muito menos ajudou a resolver o que quer que fosse, da sua torre de marfim belenense. Não se intitulava ele o melhor economista de Portugal? Se tivermos que lhe atribuír um título, que seja o do responsável número um daquilo a que chegámos. Desastrado ou comodista, foi sempre incompetente. Volto ao princípio: devemos esperar o pior.
Prezado Embaixador, eu ouvi a célebre frase de Cavaco Silva: "Eu nunca tenho dúvidas e raramente me engano". Lembrei-me logo do outro, que sabia muito bem o que queria e para onde ia, e desde então tenho tido as maiores reticências em relação ao actual Presidente. Felizmente que mesmo numa democracia débil ele nunca pôde ir tao longe como esse outro, mas vontade não lhe faltaria!
incómoda situação mesmo!!! ter que dar um golpe de estado, de quem ganhou as eleições e não vai levar!!!!
Entre duas três ou mais coisas:
Excerto do texto de F Assis no Público;
"Estava eu tranquilamente a reler algumas páginas de um dos seus livros quando, de súbito, aparece na televisão a imagem de alguns deputados socialistas a abraçarem o líder da CGTP na praça situada em frente à Assembleia da República. Lá estavam eles respeitosamente atrás de Jerónimo de Sousa, numa alegria tão incontida quanto pueril. Fechei o livro e desliguei a televisão. Um dia destes voltarei a abrir o livro e as páginas conterão as mesmas frases de sempre. Nessa altura, quando olhar para a televisão, espero que as imagens já sejam outras."
Senhor Embaixador,
Eu não titulava a peça a "Última Bala", mas o "Leite Azedo da Última Mamada".
Saudações de Banguecoque
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