quinta-feira, agosto 13, 2015

"Ipanema meisje"


Foi em 2008, durante a visita oficial ao Brasil do presidente da República, Cavaco Silva, por ocasião das comemorações dos 200 anos da ida da corte portuguesa para aquela então colónia tropical.

Numa das noites, Portugal ofereceu no Rio de Janeiro um espetáculo musical no celebrado Teatro Municipal. Creio que no intervalo do espetáculo, alguns dos espetadores aproximaram-se do chefe de Estado português, para o cumprimentar. Por ali estavam também membros da delegação e alguns jornalistas.

A certo ponto, um jovem brasileiro dirigiu-se a Cavaco Silva. Tinha aí uns 17 ou 18 anos. Disse ao presidente que gostava de Portugal mas que, como brasileiro, não podia deixar de lamentar que o seu país tivesse sido colonizado por um país como Portugal. E acrescentou que teria sido bem melhor para o Brasil se a Holanda tivesse acabado por ganhar a guerra contra Portugal, nos séculos XVI e XVII, e que, a partir daí, a sua cultura se tivesse imposto. O país seria, com toda a certeza mais próspero e desenvolvido.

A tirada do jovem não tinha nada de inédito. Faz parte de um reflexo cultural muito comum em certos setores da sociedade brasileira, de que a área universitária é um regular exemplo, a queixa de que a colonização portuguesa é ainda culpada por muitos dos defeitos do Brasil contemporâneo, seja na corrupção, seja na burocracia. É algo que alimenta uma certa lusofobia e que também se apoia na inferência de que os Estados Unidos, colonizados pelos britânicos, tiveram um destino bem diferente. Ouvi este argumentário frequentemente, com a ideia da colonização holandesa a vir à conversa. Às vezes, brincava com os meus amigos brasileiros que talvez os tivessemos poupado ao destino de serem "um grande Suriname" - a antiga colónia holandesa, hoje um pouco atrativo país no nordeste da América do Sul.  

Já não me recordo o que o presidente retorquiu ao rapaz e, confesso, só vim a lembrar-me do que eu próprio disse porque, no dia seguinte, li meu comentário irónico publicado com destaque num jornal diário de grande expansão: "Gostava de ouvir a "Garota de Ipanema" cantada em holandês". A minha frase foi retomada depois por alguma imprensa pró-portuguesa e aí foi glosada, por algum tempo.

Dias depois, num email recebido na Embaixada e que me era dirigido recebi a letra da "Garota de Ipanema", o poema de Vinicius de Moraes, traduzida em ... holandês.     

13 comentários:

Patrick disse...

Na época da ditadura militar no Brasil, havia um sentimento de mútua apreciação entre os generais e o salazarismo, motivo que possivelmente deu origem à essa cultura de espezinhar a colonização portuguesa na comparação com outras, como a holandesa ou britânica (que, francamente, não se diferenciaram notadamente na espoliação das colônias).

Há também, como elemento desse caldo de cultura, o bairrismo pernambucano, que atribui um certo "esplendor" à presença de Maurício de Nassau no Nordeste, unido ao fato de que os judeus que viviam em Recife, expulsos pela inquisição após a saída dos holandeses, emigraram e fundaram a comunidade judaica num então fim de mundo neerlandês que depois viria a ser a atual Nova Iorque. Nessa visão pueril, é como se Portugal tivesse impedido Recife de se tornar a capital do mundo.

Erk disse...

Gostaria que algum desses brasileiros ávidos em reescrever a História me indicasse uma colónia Holandesa, uma única, que tenha atingido a prosperidade do Brasil nestes dias.

Pretenderia o Brasil ser uma Indonésia? O tal Suriname?

Ora...

Para além de que nunca ouvi nenhum português desculpar-se algum atraso do país com as invasões francesas.

Portugalredecouvertes disse...

E portanto os brasileiros publicam grande quantidade de informação:

Exemplo
São Luís de Maranhão, iniciada pelos franceses, Foi inaugurada em 1614 e destruída pelos holandeses no ano de 1641, reconstruida pelos portugueses que cobriram as suas fachadas de azulejos, ficou tao bela que ficou conhecida como "cidade dos azulejos"

A Igreja de Nossa Senhora da Luz, do antigo Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Olinda, foi construída em 1540, por ordem da Coroa Portuguesa. Em 1630, o estabelecimento foi saqueado pelos holandeses e incendiado no ano seguinte. Depois da saída dos flamengos, em 1654, a igreja foi reconstruída com a feição do barroco, com reminiscências da renascença portuguesa.

pena que estes trabalhos não sejam mais valorizados em Portugal, no Brasil podemos ver movimentos que defendem a proteção desse património, e muitas cidades antigas "portuguesas" e outros centros históricos são classificadas património mundial pela Unesco pela beleza das suas construções e riqueza do seu património artístico
um grande contributo e um bem haja para o Brasil que promove esses locais em termos turísticos

Anónimo disse...

Eu acho que só os índios é que se podem queixar da colonização. Não faz sentido que os outros brasileiros, que são descendentes dos colonos, façam reparos desse género.

Anónimo disse...

Se a Holanda tivesse vencido no Brasil (curioso eles não se fixarem na fantasia francesa da França Antártica), os próprios que disso falam não existiriam, pura e simplesmente. Teria sido a única vantagem, já se vê...

Unknown disse...

"Ouvi este argumentário frequentemente, com a ideia da colonização holandesa a vir à conversa. Às vezes, brincava com os meus amigos brasileiros que talvez os tivessemos poupado ao destino de serem "um grande Suriname" - a antiga colónia holandesa, hoje um pouco atrativo país no nordeste da América do Sul." Essa tese do Grande Surineme que pelos vistos é sua, passou-a também e emprimeira mão ao Darcy Ribeiro? E aos tipos que falam no Manhattham Conection da Globo? Parabéns pela autoria da teses!

Anónimo disse...

O que está atitude reflecte e, alel de um arrepiante ignorância e incultura, uma dose de estupidez. Os brasileiros brancos não foram colonizados por ninguém . São os descendentes dos colonos portugueses e de outros países que para lá foram depois séc XIX. Acresce que todos aqueles que têm nomes portugueses e são a maioria, não estariam lá se o Brsil tivesse ficado holandês . Finalmente existe alguma ex-colonial holandesa equiparável ao Brasil? Tem nostalgia do apartheid? Como é compativel o enorme orgulho nacional brasileiro com a recusa do passado?
Fernando Neves

Anónimo disse...

Sou Português e resido por causa do meu trabalho tem alguns anos aqui no Brasil. Essa a par das estórias de que roubamos o ouro é o que mais ouvimos por aqui. Mas agora já não falam muito na Holanda, depois das recentes derrotas com este País nos Mundiais de 2010 e 2014 perderam como eles gostam de dizer a Graça com a Holanda. O Brasil, tem evidentemente coisas boas, mas deixem que lhes diga a esmagadora maioria da população é de uma ignorãncia atroz. Já sei que se vier aqui algum brasileiro vai dizer que a culpa é da colonização portuguesa.

Patrick disse...

"Já sei que se vier aqui algum brasileiro vai dizer que a culpa é da colonização portuguesa."

O fato isolado mais importante para os vícios da desigualdade social no Brasil e os males associados foi a escravidão em larga escala. Quem nos trouxe essa chaga foram os portugueses, como o teriam feito os holandeses, franceses ou britânicos, sem distinção de origem. Não ser o único culpado não é sinônimo de absolvição.

Anónimo disse...

Os brasileiros (alguns) quando comentam a corrupção, que ao longo dos tempos se instalou no Brasil, bem como o índice de criminalidade, sempre dizem: "isso é herança dos colonizadores portugueses" (...)

Anónimo disse...

O que é curioso é que muitos continuam a querer vir para cá seja para trabalhar ou estudar. Ainda mais curioso é os que vivem terem o mesmo tipo de discurso e no entanto não abandonam as Terras Lusas...
Sinceramente não sinto afinidade com o Brasil,não gosto de multiculturalismo.

Sérgio

António Ferreira disse...

O que muitos brasileiros ignoram, tal como alguns comentários por aqui, é que o modelo de colonização holandesa... não existe.

Os holandeses preocuparam-se, isso sim, em criarem entrepostos comerciais, zonas livres, onde pudessem negociar com comerciantes locais. Entrepostos esses que foram muitas vezes conquistados aos portugueses.

Onde quer que estiveram os holandeses não tiveram grandes preocupações em ensinar aos locais a sua língua, evangelizar ou, muito menos, misturarem-se com os locais de alguma forma. A Indonésia foi uma excepção, mas também a sua presença limitava-se a poucas cidades, onde praticavam comércio.

O caso dos agricultores Boers na África do Sul é flagrante. A colonização de África do Sul por eles nunca foi apoiada a nível oficial e quando brutalmente esmagados pelos ingleses - colocados nos primeiros campos de concentração da história para morrer - foram completamente ignorados por Amesterdão, ficando à mercê dos britânicos.

De uma forma sucinta, os holandeses nunca quiseram colonizar território nenhum - ao contrário de portugueses, franceses ou ingleses - quiseram sim fazer negócio em vários pontos do mundo e regressar a casa.

O desejo de alguns brasileiros terem uma colonização holandesa é assim um sonho que durou poucos anos em Pernambuco.

Os holandeses nunca quiseram colonizar país nenhum e se o Brasil estivesse estado sob o seu domínio, o país hoje não passaria de um "grande Suriname", tal como referiu o embaixador, um país impróprio para consumo.

inconfessável disse...

Eu perguntaria: acha que teriam 'o samba' com os holandeses?

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