domingo, agosto 23, 2015

Fernando Gomes da Silva


Há dias, na praia, uma voz forte chamou-me. Olhei e era o meu amigo Fernando Gomes da Silva. Demos um abraço do tamanho do mundo!

Durante alguns anos, tive o gosto de fazer parte de um governo em que o Fernando foi ministro da Agricultura. Eramos ambos "independentes" num executivo PS, mobilizados pelo entusiasmo de integrarmos a equipa de António Guterres.

Fernando Gomes da Silva é um homem frontal, cujo desassombro me habituei a apreciar. Corajoso e sabedor das coisas do setor, o Fernando criou alguns inimigos ferozes. Certa imprensa, mobilizada por alguns deles, nunca o poupou.

O país recorda, como anedota, a sua imagem a comer mioleira num restaurante do Luxemburgo, no auge da crise das "vacas loucas". Foi um erro mediático? Não, foi um gesto que pretendia sublinhar que o principal responsável pelo setor agrícola português considerava que as medidas postas em prática para a defesa da saúde pública dos consumidores europeus, nesse caso no Luxemburgo (onde nenhum caso de BSE alguma vez foi detetado), eram adequadas e que ele próprio "corria um risco" que considerava não existir. Pois ainda hoje, quase duas décadas passadas, há quem tente ridicularizar uma atitude que era a mais racional possível.

Numa outra ocasião, quando os agricultores portugueses desceram à rua, na Baixa lisboeta, para protestar contra uma medida europeia, no âmbito da Política Agrícola Comum, o Fernando saiu do gabinete e teve a coragem de se juntar aos manifestantes, para lhes expressar a sua solidariedade. Portugal tinha-se batido em Bruxelas, sob a sua orientação, para que a medida tomada, lesiva dos nossos interesses, não fosse adotada. Infelizmente, numa votação para a qual não havíamos conseguido, com outros países, gerar uma minoria de bloqueio suficiente, os ventos não correram a nosso favor. Fernando Gomes da Silva achou então adequado - e eu também achei! - sair para a rua e prestar a sua solidariedade aos nossos agricultores, por quem ele sempre se batera, e bem! Ora foi o bom e o bonito! "Ridículo", "insensato" e outros epítetos bem piores foi o mínimo com que foi qualificado nos dias seguintes.

Um dia, uma folha de couve semanal que, por alguns anos, se dedicou, sob o gáudio alarve de algum país, a publicar notícias que se achava dispensada de confirmar, trouxe Gomes da Silva associado a um qualquer processo que, logo no dia imediato, a verdade se encarregaria de desmentir. Do meu gabinete, pelo "telefone branco" do governo, liguei ao Fernando, a prestar-lhe a expressão da minha amizade e apoio. Lembro-me, como se fosse hoje, da sua reação:

- Ó pá! Tu não imaginas a sensação que um tipo tem ao virar uma esquina, olhar uma tabacaria e dar de caras com a tua "fronha" na capa de um pasquim que te acusa de uma coisa que eles estão "desertos" de saber que é falso e cuja notícia, depois de lida, se percebe que não confirma o "escândalo" que é anunciado pelo título!

O Fernando estava indignado e tinha fortes razões para isso. Momentos como esse, bem como uma gestão sempre muito atenta dos nossos interesses em Bruxelas, que pude acompanhar de muito perto, criaram a imensa consideração e estima que hoje tenho pelo Fernando Gomes da Silva, um homem de bem e um fantástico servidor público, de quem tenho a honra de ser amigo. Espero poder continuar a encontrá-lo pelas areias da vida, agora que, como se diz no futebol, em definitivo, ambos "pendurámos as chuteiras" da política. 

4 comentários:

Anónimo disse...

Bem me lembro do petisco da mioleira... e até que podia ter sido acompanhado com um BSE (vinho branco da região da Península de Setúbal)... eh eh eh eh

Pedro Barbosa Pinto disse...

Nunca deixa que a criança faça treze anos, porque passaria a adolescente e deixaria de ser inocentemente atrevida! Mas acredite que a minha, se me visse a comer mioleira, ainda que da mais sã e sagrada vaca da Índia, também ficaria convencida que eu não chegaria ao Natal!

Jaime Santos disse...

Achei o petisco da mioleira infeliz, como depois se veio a verificar, alias. Mas concordo em relação ao resto. Quanto ao facto de o Sr. Embaixador ter decidido pendurar definitivamente as botas da política, tenho pena que o tenha feito. Daria um excelente Ministro dos Negócios Estrangeiros. Como daria Carlos César, mas a esse vejo-o mais numa pasta como a Economia. O Pais e que fica a perder...

Fernando Gomes da Silva disse...

Meu Caro Chico
Depois de nos termos encontrado na apresentação do "Encostados à Parede" do nosso comum amigo Paz Ferreira e de me teres mostrado o teu texto sobre a minha pessoa, que não lera ainda (culpa minha que frequento pouco o teu blog)não posso deixar de te agradecer ter o nosso abraço nos areais de Troia dado origem a este pequeno passeio, muito lisonjeiro para mim, pelos areais da vida. Quase me apetecia desenvolver os dois ou três (será influencia do titulo do Blog ...) episódios que recordas, mas isso daria texto muito longo e provavelmente sem interesse a não ser para nós dois. Não resisto no entanto a esclarecer que o texto da "folha de couve" era só a acusação (que ficou provada em julgamento ser falsa !)de utilização fraudulenta de fundos comunitários ... À época era muito duro, meu caro Chico. Hoje se calhar é banal ... Tudo era resultado de uma campanha de um filiado do PS, então parlamentar europeu, que nunca perdoou a minha nomeação para Ministro da Agricultura pelo facto de eu ter dito publicamente em vésperas das eleições de 95 que o PS não tinha ninguém preparado para o cargo. Ele achava-se em condições para o efeito ... Mas essas são outras "duas ou três" histórias dos areais da vida longa que já levo ... Um grande obrigado pela generosidade do texto e um forte abraço do tamanho do mundo pela nossa amizade.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...