domingo, agosto 16, 2015

Dedicatórias


Há dois dias, alguém referia o facto do Miguel Torga não fazer dedicatórias nos seus livros. De facto, parece que praticamente ninguém se pode gabar de ter um volume em casa com a assinatura do dr. Adolfo Rocha - como Miguel Torga de facto se chamava. 

A mim, isso nunca me preocuparia. Por duas razões. 

Porque, embora transmontano e reconhecendo sem dificuldade a genialidade de Torga, nunca fui um grande apreciador da sua escrita e, devo confessar, também me irritou sempre muito aquele constante ar "trombudo" do médico coimbrão nascido em São Marinho d'Anta, que tinha, contudo, o grande e não despiciendo mérito de muito irritar a ditadura.

A segunda razão é muito pessoal. Por uma qualquer razão, nunca me interessei muito em ter nos meus livros dedicatórias dos autores, embora fique muito grato quando o fazem. Ultimamente, tenho-me confrontado com o embaraço de ver reproduzidas no site da Biblioteca de Vila Real, a quem estou a dar progressivamente todos os meus livros, algumas dedicatórias insertas nas suas primeiras páginas. Nunca percebi se é ou não delicado depositar numa biblioteca livros que nos foram oferecidos pelos respetivos autores, com notas pessoais manuscritas.

Mas, falando em delicadeza, vou revelar um episódio de uma (não) dedicatória de um livro que me ficou "atravessado".

Gosto da escrita de Francisco José Viegas, de quem li praticamente tudo quanto publicou, mas que só vim a conhecer pessolmente há cerca de uma década. Bem antes disso, numa Feira do Livro de Lisboa, na barraca de uma editora que o publicava, pedi dois livros dele que então me faltavam. Depois de pagar, o vendedor voltou-se para mim e disse, apontando para o Francisco, que estava junto ao balcão: "Está aqui o escritor. Quer que ele lhe faça uma dedicatória?".

Eu fui apanhado de surpresa. Conhecia de fotografia Francisco José Viegas, mas nunca o tinha visto em pessoa. A minha reação foi a mais bizarra possível: "Muito obrigado, mas não é necessário". Não sei por que reagi assim - não sendo fã de dedicatórias nada tenho contra elas - pelo que o meu gesto foi de uma imensa indelicadeza. Recordo-me que o Francisco sorriu e eu saí dali, de imediato arrependido com a minha insólita atitude, a todos os títulos deselegante. 

Caro Francisco, se acaso ler esta nota, que ela sirva como pedido muito atrasado de desculpas (creio que nunca lhe referi isto pessoalmente). E, já agora, vamos então marcar aquela nossa conversa que está atrasada desde o ano passado.

9 comentários:

Isabel Seixas disse...

Conquista
Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!

Miguel Torga, in 'Cântico do Homem'

patricio branco disse...

estando na bulbosa, hoje e então já leya do campo grande, continuo a chamar-lhe bulhosa por hábito, encontrei uma curiosa edição dum livro de francisco josé viegas, lourenço marques, também era primeira ou especial, e resolvi comprar. há tempos que pensava ler um romance do escritor.
virando-me para sair, a o balcão da caixa está perto da montra e da porta, vejo na rua através do vidro da montra o escritor, figura bem identificável, era ele.
saio e penso: que faço, sigo caminho ou falo com ele? já na rua, estava ele a ver os livros da montra da livraria, toco-lhe no ombro, ele vira-se, mostro-lhe o livro e pergunto-lhe: conhece este autor? seguiu-se uma troca de palavras sobre a edição e pedi-lhe que me autografasse o livro. por comodidade entrámos na livraria. tirei o celofane que protegia o volume e ele autografou em cima do balcão. perguntou-me o nome para personalizar, disse-lhe que não era necessário nome e ele lá escreveu "com um abraço do f j v, data e sitio".
assinou com uma lindissima caneta de aparo parker 51 cinzento claro e tampa ouro. gosto de canetas, tenho uma modesta colecção, e disse-lhe algo sobre a parker, que bela caneta, tendo-me ele dito com visivel satisfação que a tinha desde os tempos da faculdade, usando-a diariamente.
agradeci-lhe o autógrafo, disse que não lhe tirava mais tempo, disse-me que estava a fazer tempo para uma reunião que era ali muito perto, despedi-me, agradeci e cada um foi à vida...
tudo isto para dizer que partilho apenas em parte o que diz fsc sobre livros autografados, também discordo. há certos autógrafos que podem ser interessantes e creio que a maioria dos escritores se sente grata por lhe pedirem um, ao contrário do carrancudo miguel torga. sentem que há 1 leitor ou leitora que os reconhece e tem um livro seu. e muitos merecem essa atenção do leitor em relação ao produto do seu trabalho.
muito ocasionalmente peço portanto ao autor que me autografe um livro seu, coisa muito bem escolhida, ao meu gosto. e há curiosos autógrafos.

Anónimo disse...

Entretenha-se com os acessorio...mas leia in "Observador"

A cotovelada islâmica-Maria Joâo Marques

Abraham Studebaker disse...

Era um trombudo e um chato,o de S. Martinho de Anta! Imaginem se ainda fosse vivo,que dislates não diria, ao ver o que aí vai! Vamos, todos para o arco da governação!!!

patricio branco disse...

volto e acrescento.
acredito que a maioria dos autores gosta de ver um leitor anónimo dar-lhe um livro seu para autografar. é um encontro do escritor com o seu leitor. é triste ver apresentações de novas obras com sessões de autógrafos vazias, como já vi. triste se nos pomos na pele do autor. ora um dia fui a uma sessão de autógrafos, o escritor mexicano carlos fuentes estaria às 3 da tarde na casa del libro de sevilha para falar com interessados e autografar livros. vieram 5 pessoas, entre os quais minha mulher e eu.
cf era um grande escritor, um dos de peso da america latina com garcia marquez e vargas llosa. Fui portanto. não tenho esse hábito por comodidade, por não ter uma agenda escrita de eventos a não ser a memória, passam-me portanto eventos interessantes.
mas a este fiz questão e não perdi o tempo, foi uma conversa agradável com cf que se revelou duma grande cordialidade e simpatia e que, alem de nos dedicar e autografar os livros resolveu desenhar algo na página, uma laranjeira com 3 laranjas (se supone que es un narrando, disse) numa, um cadeirão noutra.

Anónimo disse...

Li e gostei do Crime em Ponta Delgada. Por outro lado, deixei de ler e de comprar todas as publicações jornalísticas que dirigiu, de tal modo trauliteiraram. Quero mesmo que, enquanto figura pública, vá levar no mesmo cu, onde mandou outros "tomarem".

João Pedro disse...

Eu conheço que tenho dedicatórias (já tive oportunidade de as ver) - parentes meus, de quem torga era amigo chegado e visita frequente na sua casa nos arredores de vila Real.

Anónimo disse...

Torga é um clássico que nada tem a ver com as suas trombas, com a oposição à ditadura ou com as manias atuais de vender livros! Está acima das feiras!
Aqui há dias um leitor de praia afirmou que se for ministro (já não deve haver alguém que se admire com isto) constitui obrigatória a leitura do que estava a ler deitado na toalha! Não era Torga obviamente... Mas os alunos são os mesmos que precisariam de ler Torga a par com os restantes clássicos!
Cada vez os "bichos" são menos humanos!
O Duriense

Anónimo disse...

Gostando-se do campo e do Douro gosta-se de Torga (Adolfo Rocha). Nacidade, sobretudo hoje, é um autor que se desconhece, em particular das gentes mais novas.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...