Há dias, António Costa disse ter a intenção dar ao titular
dos “Assuntos europeus”, num seu futuro governo, um estatuto superior ao de
“secretário de Estado”.
Há precisamente 20 anos, quando entrei para o governo como secretário
de Estado dos Assuntos europeus, a questão não se colocava. Embora outros países
tivessem “ministros” nessa pasta, as nossas competências eram, em absoluto,
idênticas. Durante os mais de cinco anos em que exerci o cargo, nunca senti que
o meu estatuto, exercido sob a tutela do ministro dos Negócios estrangeiros, me
criasse a menor limitação. Creio que o meu antecessor, que havia exercido o
cargo durante uma década, também não havia tido qualquer dificuldade.
A Europa mudou muito, desde esses tempos. Por muito que os
claustros das Necessidades não gostem de ouvir isto, há que convir que muitas
questões europeias se situam hoje numa dimensão que é já bastante menos “Negócios
estrangeiros”, tendo uma natureza diferente, quase doméstica. Alguns ministérios
“sectoriais” (como no MNE gostamos de os apelidar) criaram uma massa crítica capaz
de levar a Bruxelas, com grande competência, a voz das respetivas áreas. O
problema é que cada um tende a fazê-lo por si e alguém tem sempre que dar
coerência à posição de todos. E só o MNE pode fazê-lo.
Acresce que o nefasto Tratado de Lisboa afastou os ministros
dos Negócios Estrangeiros da mesa dos Conselhos europeus, onde os chefes de
Estado e governo tomam as mais importantes decisões. A este afastamento físico dos
MNE, correspondeu um aumento da importância dos ministros das Finanças, transformados
hoje nos verdadeiros “braços direitos” europeus dos chefes dos executivos. E
nas Finanças, como é sabido, trata-se de … finanças!
Estes são os factos. A conjugação de ambos os fenómenos, que
julgo imparáveis, tende a uma progressiva degradação da coordenação da posição nacional
na Europa, que só os “Estrangeiros” conseguem fazer, tanto mais que no seu
âmbito continuarão a residir temáticas em que são insubstituíveis – como as
dimensões externas da União e as questões institucionais.
Assim, a ideia de nomear um membro do governo com o estatuto
de “ministro” para os Assuntos europeus, naturalmente como adjunto do MNE e sem
ter ministério próprio (Costa disse, aliás, que haveria ministros neste modelo),
poderá fazer algum sentido. Esse membro do governo, pelo seu estatuto, teria assento
no Conselho de ministros, o que lhe conferiria muito maior autoridade e capacidade
de interlocução. Por seu turno, a ligação ao MNE permitiria que, no quadro da
ação externa global do Estado, a política europeia preservasse plenamente o seu
lugar. Coisa que hoje não acontece porque, como é sabido, este governo se “dispensou”,
desde a sua entrada em funções, de ter uma política para a Europa.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
9 comentários:
Caríssimo Chico
Lembro-me muito bem dos momentos que passámos juntos a "acertar" (em madrugadas longas) as conclusões dos Conselhos Europeus e da tua posição realmente como se foras um ministro: e o Gama não era fácil...
De tudo o António tem dito creio que esta decisão é a melhor "coisa"! Mas o António que se cuide. senão Outubro vai ser uma (nova) desilusão. Oxalá que a não seja...
Abç do Leãozão (A Arena Kimkhi nunca existiu...)
Caro Henrique. O Jaime Gama foi um excelente MNE, com que tive grande gosto em trabalhar. O país deve-lhe muito e o seu "tandem" com o Guterres funcionou magnificamente em favor dos interesses do país. Foram outros tempos, era outra Europa. Hoje é urgente fazer um corte geracional e trazer gente nova para os "estrangeiros" e os seus lugares subordinados. Quer-se gente na casa dos 40/50, como o Jaime Gama e eu tínhamos... há duas décadas!
O que o Sr. Embaixador diz e verdade, a governação e normalmente feita por pessoas na casa dos 40-50 anos, com grande capacidade de trabalho e alguma experiência ao nível da negociação e da tomada de decisões. A recente 'deblacle' grega e também um exemplo da falta que fez ao Governo do Syriza pessoas com experiência de governação a nível europeu. No entanto, não desprezemos a capacidade decisória e a sabedoria de pessoas da sua geração e ate mais velhos. Que falta fazem a Europa um Helmut Schmidt ou um Mário Soares, ou um Helmut Kohl, que exerceram funções de Governo quando já tinham mais de 60 anos... A este respeito, ainda que noutro registo, que bom e ver alguém como o Prof. Quintanilha pronto para exercer funções de deputado aos 70 anos... O nosso Pais não pode dispensar os mais velhos, sobretudo numa altura em que os erros de governação se pagam caro.
A Europa encontra-se numa encruzilhada tão grave como há 70 e picos anos.
Se a composição do governo naquele tempo para Portugal surtiu efeito, porque não tomar a mesma atitude os actuais governos?
Isto é uma situação de emergência.
A propósito, devemos ter memória e já demora um panteão no concelho de Santa Comba.
Caro Embaixador, quando alguém, em funções públicas, faz aquilo para que foi nomeado, por que será que o país lhe "fica a dever muito"? Só porque fez o que devia? Eu paguei os meus impostos, e o Estado não lhe pagou já? Caloteiro!
Ao Anónimo das 10.09. "Dever muito" significa que fez muito bem aquilo para que foi nomeado. A muitos o país não ficou a "dever" nada... Quando alguém se destaca é justo que o sublinhemos. E quero dizer-lhe que não gosto nada dessa sua posição de contribuinte "voyeur" à varanda da pátria, achando que tem todos os direitos do mundo só porque pagou o IRS, com uma espécie de diireitos sobre aqueles que se dispõem a servir a coisa pública, como se fossem seus empregados...
O 1º ministro coordena as politicas de todos os ministros; nos assuntos europeus é preciso que seja coordenado pelo MNE? Então o ministro da finanças, ou da saude, que têm assuntos permanentes com a UE, precisam de ser coordenados pelo MNE e pelo 1ªministro?
Caro António Cristóvão. Quem representa Portugal junto da instituição UE é um embaixador, que responde perante o MNE. Esse embaixador tem, sob as suas ordens, conselheiros das várias especialidades que estão em permanente relação com os ministérios de cujos assuntos tratam. É ao embaixador junto da UE (como o é no caso da ONU, da OCDE, da UNESCO, etc) que compete coordenar as posições dos vários ministérios que se expressem nessa instância. Para ser mais simples: o MNE é o veículo de relação com a UE. Em Portugal como em todos os outros países. A questão que o artigo foca é outra: é o modo como a coordenação se faz em Portugal. Porque se a Saúde quiser aliar-se a uma posição europeia restritiva, por exemplo, em matéria de prevenção de tabaco, alguém tem de mediar com a posição, em sentido contrário, da indústria portuguesa de tabaco. Passei anos nesse exercício...
Aprecio sempre as posições do comentador Reaça. E até posso concordar que já demora o panteão em Santa Comba. Em Santa Comba e em Condeixa.
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