sexta-feira, julho 21, 2017

Dilemas


Há uns anos, quando era embaixador em Paris, fui convidado a estar presente num determinado evento que reunia portugueses emigrados em diversos países do mundo.

Fui falando com vários, inquirindo do modo como as nossas comunidades se integravam nessas sociedades, quais os seus principais problemas e, muito em especial, procurando recolher opiniões sobre o tipo de políticas públicas, por parte de Portugal, que entendiam por mais adequadas à promoção dos seus interesses. Tinha curiosidade em saber como avaliavam a qualidade da nossa rede consular, num tempo em que as mudanças na natureza da diáspora e a presença da União Europeia na área da proteção consular iriam necessariamente alterar alguns do parâmetros tradicionais da nossa ação externa.

Uma dessas conversas, recordo-o bem, tive-a com uma senhora que vivia na Venezuela. Era o tempo de Hugo Chávez e era evidente, não sendo isso minimamente uma surpresa, que o líder venezuelano estava longe de gozar da simpatia maioritária da nossa comunidade, "to say the least"...

Ao tempo, as coisas estavam ainda muito longe daquilo a que o sucessor de Chávez iria condenar o país. Porém, a desafetação da minha interlocutora face ao então presidente venezuelano era mais do que evidente - e isso era bem compreensível, dado que a comunidade portuguesa se sentia um elo fraco naquela sociedade, alvo de ataques aos seus interesses económicos, numa instabilidade que lhe causava angústias quanto ao futuro.

A certo ponto da conversa, a senhora disse-me: "Não compreendo como é que Portugal (era tempo do governo Sócrates) tem tão boas relações com aquele homem!" E falou-me, com alguma acrimónia, de Mário Soares e do aproveitamento político-mediático que o regime tinha retirado de declarações, simpáticas para Chávez, que o antigo presidente proferira na ocasião de uma visita que fizera à Venezuela.

Eu podia entender, com facilidade, aquela reação: a senhora detestava o mundo "bolivariano" que ia conduzindo a Venezuela ao desastre e mostrava-se chocada com os sorrisos regulares que Caracas trocava com Lisboa. Esse era também, recorde-se, um tempo em que algumas empresas portuguesas procuravam aproveitar o mercado venezuelano, visto como seguro pela garantias que o petróleo parecia conceder.

Não contrariei a senhora, mas perguntei-lhe, a título de teste: "O que é que acharia se o governo português denunciasse as violações dos direitos humanos e os atentados à democracia que são tão evidentes na Venezuela? Como sabe, há muitos países que estão a ir por esse caminho.”

"Pela sua rica saúde! Nem é bom falar nisso!" respondeu-me a senhora. "Não gosto nada de ver o Sócrates com o Chávez juntos, mas, enquanto eles se entenderem bem, pelo menos isso pode evitar que ele ataque a nossa comunidade..."

Lembrei-me agora disto, sei lá bem porquê.

quinta-feira, julho 20, 2017

Asta Rose



No passado fim de semana, ao folhear em casa de amigos uma deliciosa coleção da "Vida Mundial", descortinei esta fotografia, de 1942 (no fim do post, coloco outra, bem mais recente). Lá está Tomaz Alcaide, o grande cantor lírico português, e, a seu lado, uma senhora, com um "look" e uma elegância bem desses anos. Era Asta Rose.

Conheci Asta Rose em Brasília, em 2005. Era uma senhora idosa, muito popular nos meios culturais da sociedade brasiliense, sempre uma presença ativa a impulsionar iniciativas, em especial na área da música. Portugal estava-lhe no coração, cultivando por essa via a memória do marido com quem foi casada 25 anos, 20 dos quais vivendo em Portugal, país a que se sentia afetivamente ligada.

Nascida em Santa Catarina, Asta Rose havia sido bailarina e era uma melómana de primeira água. A Brasília cultural, em especial a ópera e a música erudita, deve-lhe imenso. A sua figura de extrema elegância, com uma inconfundível cabeleira e sempre de lenço à banda no pescoço, era um ícone da cidade, de que era cidadã honorária.

Lembro-me bem da última frase que nos disse, no dia da nossa despedida: "Voltem em breve, senão já não me encontram por cá". Não levámos a sério, não voltámos e, quando o fizermos, já não a encontraremos por lá. 

Soube agora que Asta Rose morreu em Brasília, há meses, com 94 anos. Não sei se por sua indicação, as suas cinzas foram juntas ao túmulo de Tomaz Alcaide. Asta Rose acabou em Portugal, ao lado de quem gostava.



quarta-feira, julho 19, 2017

Alberto Martins


Gosto da política feita por gente que acredita em ideias, que se bate por elas, que se mantém teimosamente coerente, em todas as suas opções. Como Alberto Martins.

Alberto Martins deixou hoje o parlamento, por vontade própria. Os portugueses começaram a conhecê-lo em 1969, quando ousou levantar a voz, como presidente da Associação Académica de Coimbra, numa célebre sessão pública na presença de Américo Tomás. Pagaria a ousadia, mas o ato valeu democraticamente a pena. Depois de abril, lutou pela liberdade, sempre com voz própria, nas tribunas políticas que entendeu assumir - do partido ao parlamento, passando pelo governo. Partilhámos algumas "guerras" políticas e estivemos quase sempre nas mesmas "trincheiras".

Sai de cena com grande dignidade e, estou certo, com sentido justo do dever cumprido. Um forte e solidário abraço para ti, Alberto!

O sprint



Ela tinha aí mais um ano ou dois do que eu, então adolescente, mas parecia bem mais velha. Tinha uns olhos lindos de morrer e era "muito bem desenhada". Não me ligou pêva durante toda a conversa, em que ambos fomos quase sempre testemunhas silenciosas, mantendo um ar distante, de quem tinha manifestamente a cabeça noutro lugar. 

Os pais, residentes em Santo Tirso, tinham ido visitar os meus, numa passagem por Vila Real. Eu e ela estávamos "por empréstimo" na sala, a decorar a ocasião social, fartos de histórias que não nos diziam respeito, chamando a elas pessoas de que só vagamente ouvíramos falar. Na inutilidade da nossa função decorativa, ela manteve-se sempre imune aos olhares concupiscentes que eu me recordo de lhe ter lançado. Foi uma hora perdida, para ambos. Com pena minha, claro.

À noite, ouvi os meus pais comentarem, entre si, alguma coisa sobre a jovem, por rápidas conversas entre portas que o casal tinha tido com eles. A família andava muito preocupada com ela, pelos seus atos de rebeldia, pela falta de disciplina, por já "olhar para a sombra", como então se qualificavam as raparigas que iam "saindo da casca". Isso rimava bem com os sinais de ousadia contida que eu lera no seu olhar, muito embora eu tivesse sido tudo menos o usufrutuário dos seus potenciais desvios. A verdade é que eu nunca mais a veria, pelo que deixei de pensar nela.

Passaram umas semanas. Nesse tempo, eu lia uma imensidão de jornais desportivos. Acompanhava tudo o que se publicava sobre ciclismo, futebol, atletismo e hóquei em patins - as modalidades que então me interessavam. Um dos temas que, à época, dominava essa imprensa era a inesperada transferência do vencedor da Volta a Portugal do ano anterior, da equipa de ciclismo do Futebol Clube do Porto para a do Sporting. 

Um dia, foi anunciado que a mudança se consumou. O desportista apresentou-se no estádio José de Alvalade para envergar a gloriosa camisola do meu Sporting. Era a transferência do ano. O "Record", à época tendencialmente verde-branco, trouxe uma grande reportagem sobre a chegada do novo integrante. A ilustrá-la, na primeira página, lá estava o ciclista, "com a noiva". Era ela! 

Os pormenores souberam-se mais tarde: tinha havido uma "fuga" dramática de casa dos pais, com forte comoção familiar. Estava-se já em "contra-relógio" para o casamento, por forma a concluir formalmente aquela difícil etapa da vida de ambos. No fim de contas, as coisas tinham algum sentido: ele, o vencedor da Volta, era um rapaz nascido em Santo Tirso, namorado da jovem, embora contra a vontade dos pais dela. A sua vitória, ao "sprint", era justa, a "camisola amarela" era merecida e era, aliás, da cor do sorriso com que fiquei ao ler o jornal...

terça-feira, julho 18, 2017

Não me convinha!



Quem não tem papas na língua, chama cobardia à tibieza humana. Em política, o conceito transmuta-se e pode acabar por ser sinónimo de oportunismo.

Contava-me o meu pai que, há muitos anos, em Viana do Castelo, havia um fulano que era designado, entre os seus conhecidos, como o "não me convinha".

A história conta-se rapidamente. Um dia, o dito fulano passeava-se pela cidade, ao lado da sua mulher, quando esta entrou numa altercação com um homem que ia a passar, por razões que não interessam para o caso. A conversa azedou e, a certo ponto, o passante deu uma forte lambada na senhora. Quando todos pensavam que o marido ia lavar a honra da mulher, este, pelo contrário, ficou impávido e, cobardemente, não reagiu.

As pessoas que souberam do episódio ficaram indignadas com a inação do marido e alguns amigos do casal foram mesmo ao ponto de lhe perguntar a razão pela qual não defendera a mulher. Sem adiantar grandes explicações, ele apenas lhes retorquiu: "Não me convinha!" Não se livrou, para a vida, do auto-infligido apodo.

Reconheço que a similitude é um pouco forçada, mas o "não me convinha!" podia perfeitamente ser a resposta dada pelo PSD para não "ir a jogo", lavando a face e a decência do partido, depois do episódio racista protagonizado do seu candidato a edil em Loures. 

Sejamos justos: neste caso não foi necessariamente cobardia, foi apenas oportunismo. Triste, para um partido com um historial que se pensava menos compatível com o cinismo cívico.

segunda-feira, julho 17, 2017

Ainda os ciganos

Parece que está a custar a entender a algumas pessoas que a defesa da não estigmatização dos ciganos nada tem a ver com uma atitude de permissividade face a comportamentos delituosos de cidadãos dessa origem étnica.

Condenem-se, com todo o rigor, todos os cidadãos de etnia cigana envolvidos em qualquer tipo de atos delituosos ou criminosos. Condenem-se os ciganos como se condenaria qualquer outro cidadão - branco, preto ou às riscas. 

Qualquer outra atitude que, neste contexto, singularize os ciganos tem o nome de racismo. E quem a assumir é racista. Ponto. 

É assim tão difícil de perceber?

Bolor autárquico

Andando um pouco pelo país, constatei vários casos de "paraquedismo" autárquico, isto é, rapaziada partidária que, depois de ter operado em determinado município, surge a tentar a sorte noutra câmara. Como se fosse natural a existência desta espécie de brigada política intermunicipal para todo o serviço.

Outra realidade, pelos outdoors, é o ressurgimento dos "dinossauros", que a lei procurou colocar em definitivo pousio, mas que, passada uma quarentena (às vezes como "backseat drivers", escondidos em vereações), aí vêm de novo. Às gravatas pomposas dos cartazes de há 16 ou 20 anos, sucedem-se agora as camisas abertas, de cores claras, a dar ar de operacionalidade compensatória do peso da idade. Um ridículo sem sanção.

Numa subclasse destes últimos, aí estão também os "ressocializados", os sobreviventes às condenações da Justiça, muitas vezes tidos como "injustiçados" por um eleitorado que, se os eleger, se coloca eticamente ao seu nível. A turma do "rouba mas faz" é um triste espelho do país. São essas inqualificáveis personagens que, à pala do estafado "já pagaram a dívida com a sociedade", regressam de novo, quais raposas sorridentes em capoeira, aos locais que lhe proporcionaram as condições e o ensejo para a prática dos delitos.

Desventuras

O candidato do PSD à CM de Loures fez singulares declarações sobre as comunidades ciganas existentes naquele concelho. Nada do que disse é novo, isto é, já no passado e em tristes tempos foram ouvidos juízos decorrentes de idêntica racionalidade. 

Atento o que parecia ser o consenso maioritário prevalecente no seio dos partidos representados na AR sobre questões ligadas à luta contra discriminação de minorias étnicas - facto de que Portugal sempre se orgulha no plano externo e que lhe tem valido alguns encómios em fóruns multilaterais - um silêncio da direção do PSD sobre estas declarações funcionaria como uma objetiva rutura desse consenso, deslocando o nome do partido para um terreno eticamente muito pouco cómodo. 

O PSD tem muito pouco tempo para "pôr os pontos nos is" neste assunto. É que a "cereja em cima do bolo" seria, naturalmente, um eventual elogio do PNR a tais declarações. 

domingo, julho 16, 2017

Do ódio

Há momentos em que o ódio é legítimo? Há situações em que o sentimento de estarmos a ser atingidos, de forma arbitrária, nos leva a ser possuídos por uma imparável vontade de vingança. Toda a tolerância que ao longo de uma vida ensaiamos, com racionalidade, é, num segundo, ultrapassada por um estado de revolta profunda contra aquilo que nos rompe a linearidade da vida, o nosso bem-estar, que nos subverte os sonhos, tornados pesadelos. Sei que não devia, talvez, estar a partilhar aqui a intimidade de um sobressalto exclusivamente pessoal, de uma animosidade como aquela que me tomou, que violentou decisivamente a minha calma. Ontem, fora de Lisboa, na escuridão silenciosa de uma noite de verão, tomei uma atitude que hoje posso reconhecer ter tido o seu quê de violenta. Estou arrependido? Não estou. Quem por aqui me acompanha, creio que compreenderá. Sou uma pessoa pacífica, julgo que equilibrada, não extremista. Mas o que é demais, a partir de certo ponto, não se pode aceitar, a legítima defesa perante a agressão é, a meu ver, uma resposta adequada. Teve algo de sangrento? Teve. Acesa a luz, lá estava ela, expectante, quase provocatória, a melga. Na fúria, no ódio com que a esparramei na parede branca descobri uma outra face de mim. Foi bonito? Não, não foi. Mas se tivessem sido objeto por quase uma hora de mordidelas, eu queria vê-los no meu lugar!

sábado, julho 15, 2017

Século XXI?

Ontem, por um mero acaso, surgiu-me no Twitter uma entrevista, a uma televisão canadiana, do lider checheno, em que este profere algumas opiniões "medievais" àcerca do tratamento dado aos homossexuais naquela República russa.

Ainda não estava refeito do primarismo que transparecia daquela entrevista quando vi alguns extratos de declarações do professor Gentil Martins, nas quais este distinto cirurgião profere opiniões que colocam a homossexualidade ao nível das doenças e perversões.

Há dias em que parece ser legítimo desconfiar que há setores do mundo que ainda não entraram no século XXI. 

sexta-feira, julho 14, 2017

Perpexidade

Não gostei de ouvir o primeiro-ministro dizer o que disse na quarta-feira na Assembleia da República sobre a Altice/PT/MEO.

Não gostei, desde logo, porque não acho correto que, daquela tribuna, se singularizem empresas, da forma como isso foi feito, com todo o efeito potencial que tal pode ter na atitude dos mercados. Achei isso bastante imprudente da parte de António Costa. (A quem estranhar que eu escreva isto, lembraria que nunca condiciono a liberdade da minha opinião às simpatias políticas).

O que se passou, contudo, só confirma algo que já se ia sabendo: que a Altice se está a comportar em Portugal de uma forma altamente agressiva, numa estratégia empresarial que está a colocar em causa muitos postos de trabalho. Esta atitude hostil da empresa só nos pode suscitar grande perplexidade. 

Essa perplexidade aumenta muito ao saber-se que a Altice está prestes a adquirir a Mediacapital, proprietária da TVI e da Rádio Comercial. Acho muito estranho, confesso, que a expansão de um grupo, em tão larga e significativa escala, seja feita sem um diálogo, prévio e sereno, com os poderes públicos. 

Portugal é uma economia de mercado, aberta, com regras cujo cumprimento compete à regulação fiscalizar. Depois disso, há os tribunais. Será assim? É, mas nós sabemos que o bom senso exigiria que entre a empresa e o Estado as coisas se estivessem a processar de outra forma. E essa é a razão da minha grande perplexidade.

Américo Amorim


No tempo que antecedeu o surgimento dos "capitães de abril", a imprensa costumava designar homens como Américo Amorim, que ontem morreu, como "capitães da indústria". Esses eram também os dias em que ao qualificativo de “capitalista” não eram dadas conotações ideológicas e em que o termo “empresário” era exclusivamente dedicado aos produtores do Parque Mayer e ofícios correlativos.

Amorim faz parte de uma nova geração de criadores de riqueza que o período pós-25 de abril trouxe à ribalta. Durante anos, os expoentes dessa geração tiveram de defrontar o preconceito social de representarem o "dinheiro novo", face ao "dinheiro velho" das famílias que, à sombra do condicionamento industrial, tinham prosperado durante a ditadura, ao lado ou em aliança com o capital financeiro que adubou o Estado Novo. Os factos, contudo, vieram a não dar lustro, por aí além, aos alegados brasões históricos.

O mundo começou por conhecer Américo Amorim a partir do seu notável império da cortiça. Mas essa foi apenas a base a partir da qual criou um conjunto heterogéneo de investimentos, numa multiplicidade de áreas que tiveram o sucesso como marca comum.

Falei poucas vezes com Américo Amorim. A primeira em Londres, há mais de um quarto de século, quando aceitou ser nosso convidado numa palestra. Recordo o seu entusiasmo sorridente, que se somava àquele sentido de "saber ver antes dos outros" que, com os anos, fui descobrindo ser a qualidade comum - e distintiva da vulgaridade dos empreendedores - a certas figuras do mundo empresarial privado. A última vez que conversámos foi há poucos anos, quando o vi envolvido, com empenho solidário, numa louvável e discreta iniciativa de generosidade social, a que fui convidado a dar uma modesta colaboração.

Dizer que, na economia portuguesa, fazem falta homens como Américo Amorim pode parecer um lugar comum. É para mim muito evidente que fazem falta, entre nós, muitos mais criadores de riqueza e de emprego, que Portugal necessita de um tecido empresarial com forte dimensão, para poder competir internacionalmente. As PME têm aí um papel insubstituível, nomeadamente na diversificação (produtiva e geográfica) da exportação, mas sem empresas grandes e sólidas, projetadas para o exterior, a economia portuguesa não passará nunca da cepa torta. Isto é, nunca sairemos do estatuto em que há muito permanecemos (e que sei não ser agradável recordar): ser o país mais pobre da Europa ocidental.

Nos dias de hoje, Américo Amorim era o homem mais rico desse país pobre - e imagino que deva ser esse o mote para alguns especuladores da palavra, que sabem ser essa a forma mais eficaz de alimentar a medíocre cultura de inveja dominante.

quinta-feira, julho 13, 2017

Assuntos europeus



Perdoar-se-me-á que mantenha uma atenção particular sobre a pasta dos Assuntos Europeus. Afinal, ocupei aquele gabinete por mais de cinco anos, dediquei boa parte da minha carreira diplomática àqueles temas, continuo a tê-los como o meu principal "fond de commerce" de interesses.

Por razões que desconheço, mas que respeito, sai dos Assuntos Europeus Margarida Marques. Tanto quanto me foi dado observar, foi uma excelente secretária de Estado: conhecedora dos dossiês, com visão estratégica, neste tempo muito mais exigente na área europeia do que alguns curiosos da "espuma dos dias" políticos podem julgar. Tenho a imodéstia de assumir que só digo isto de algumas escassas pessoas, entre todos os meus sucessores no cargo.

Em sua substituição, assume funções Ana Paula Zacarias, uma excelente diplomata. Tal como Margarida Marques, é uma pessoa conhecedora dos meandros bruxelenses, com uma carreira brilhante no Serviço Europeu de Ação Externa. O primeiro-ministro e o MNE ganham uma colaboradora de "primeira água", a quem desejo o maior sucesso.

Ontem, em outro post, referia por aqui que as mulheres dominam nos assuntos europeus, em Portugal. Nos casos que referi, acumulam: são mulheres e muito competentes. O país continua muito bem servido na pasta dos Assuntos Europeus. E bem precisa!


quarta-feira, julho 12, 2017

Lula


Tenho uma forte estima pessoal por Lula da Silva. Como embaixador de Portugal no Brasil, e depois disso, devo-lhe algumas atenções, que não esqueço. Como cidadão português, sinto-me grato pelas muitas atitudes que dele testemunhei, abertamente favoráveis ao reforço das relações com Portugal, muitas vezes à revelia de certos setores oficiais brasileiros. Além disso, e no plano político, conservo um imenso apreço pelas medidas que Lula tomou em favor das pessoas mais desprotegidas do Brasil, que mudaram, para bem melhor, a vida de muitos milhões de brasileiros.

Lula da Silva acaba de ser condenado, em primeira instância, por crimes de corrupção. Se a sentença vier a ser confirmada, e sem infirmar por um instante tudo quanto acima escrevi, espero que Lula da Silva seja punido pelos crimes que venha a ficar claramente provado que cometeu. Se vier a ser inocentado, lamentarei, como amigo, que a Justiça o tenha feito passar por essa provação. Em qualquer dos casos, que fique claro: a minha estima pessoal por ele permanecerá.

É assim que eu vejo a vida.

Diplomacia familiar


Vi o cavalheiro surgir uma noite lá em casa, com ar grave. Foi recebido pelo meu avô e pela minha mãe. Era uma figura relativamente importante, na hierarquia das personalidades de Vila Real, onde chefiava um departamento oficial. Eu devia ter 11 ou 12 anos e o facto da conversa ter lugar à porta fechada fez-me pensar ser grave o assunto.

No fundo, a história era simples. O filho desse cavalheiro, um rapaz de vinte e poucos anos, havia "raptado" uma jovem de 17 anos, por quem estava apaixonado, cuja família, residente perto das Pedras Salgadas, tinha um vago parentesco com a nossa. O registo não podia ser mais clássico: a família da rapariga, por qualquer razão, não aceitava o rapaz (já assim era em Verona, ensina a literatura) e este, com a pressa fogosa dos dois a ajudar, forçou a decisão drástica.

A jovem tinha sido levada da casa "de boas famílias" em Vila Real onde estava hospedada, durante a noite (nunca percebi por que razão estas coisas se fazem de noite, mas deve ser para magnificar o romantismo do ato). Estariam então em "parte incerta" (o futuro viria a revelar ser Lamego, a apenas escassas dezenas de quilómetros, em casa de parentes).

Nessa pequena cidade de província dos anos 60, o escândalo só não se tornou "viral" na má-língua dos cafés porque esse vocábulo se limitava então às suas tradicionais dimensões médicas. Mas, por uns dias, não se falava de outra coisa: "Então já sabes que o filho do doutor Fulano fugiu com uma aluna do Magistério Primário?"

Ele era um pouco mais velho, tinha historial de conquistas e, provavelmente por isso, o pai da pequena, um abastado proprietário rural, talvez temendo pelo destino da herança, fizera forte "contravapor" ao romance.

A visita nessa noite do pai do raptor destinava-se a pedir uma mediação por parte do meu avô. Conhecendo-o, divertido como ele era, deve ter-se deliciado com o enredo, pedindo à minha mãe para o "assessorar".Desconheço o teor da conversa havida, apenas constatei que, no dia seguinte, o meu avô e a minha mãe, não sei com que mandato nem garantias recebidas, lá partiram para uma conversa com o pai da raptada.

Ao progenitor, cujo nome não vem para o caso, sempre ouvi designar lá em casa por "o Rendufe". Tinha ficado naturalmente furibundo com o rapto da filha e, no seu consabido mau feitio, constava que tinha prometido mesmo dar "uns tiros de caçadeira definitivos nos dois", para lavar a honra da família. Nisso era acompanhado pelo irmão da rapariga que, rezavam também as crónicas, andava munido de uma moca, que alardeava ser para "desfazer à paulada" o raptor. (Para sempre, sempre passou a ser designado na nossa família como "o da moca"...)

As condições de base para a negociação não se apresentavam, assim, muito favoráveis a um compromisso. Por uns dias, a boa vontade do meu avô e da minha mãe, sob o olhar distante e algo divertido do meu pai, mobilizou um curto "shuttle" entre a cercanias das Pedras Salgadas e uma moradia perto de um miradouro a que, em Vila Real, se chama a Meia Laranja. A minha memória mais impressiva desse "operação" é uma hora de "seca" passada num carro, à porta desta última morada, aguardando uma das diligências, nessa atividade de "go-betweens". Tenho uma vaga ideia de ouvir falar de promessas patrimoniais feitas pela família do raptor para apoio ao casal, como parte do possível entendimento.

O compromisso fez-se e, ao que parece, a minha mãe terá tido nisso um papel vital, no processo de convicção dos pais da jovem. Lembro-me bem dos meus tios brincarem com ela, chamando-lhe a "diplomata" da família.

Aliás, o reconhecimento do sucesso do empreendimento foi tal que houve casamento, tendo a minha mãe e o meu avô servido de padrinhos. Não me recordo de ter ido à boda, mas lembro-me dos recém-casados passarem a ser visitas lá de casa.

Ele tinha um ar de galã nervoso, de boas maneiras, sempre de boquilha, se bem me lembro um pouco dado aos álcoois, frequentador habitual da barra da Toca da Raposa. Ela era uma bela, roliça e "bem desenhada" e "grown-up" adolescente, se a minha memória me não trai (e, nestas matérias, por qualquer razão, costuma ser fiel...). Um dia mudaram-se para o Porto e nunca mais ouvi falar deles.

Do episódio - que me veio à memória quando, há dias, passei frente à casa dos pais do raptor - guardei para sempre as diligências "diplomáticas" da minha mãe, quiçá reveladoras de que essa qualidade humana é, porventura, de natureza hereditária.

Peixe frito, claro!


Correspondendo a um pedido expresso de dois amigos estrangeiros, um anfitrião luso organizou hoje, no seu terraço, um almoço de peixe frito! "Peixe frito"?!, já estou a imaginar a reação espantada de alguns "finaços". Isso mesmo! Peixe frito! Magnífico! Depois de uns queijos para "fazer boquinha" (um serra amanteigado, um meio curado e um curado a sério), acompanhados por um espumante da zona do vinho verde, passámos ao essencial. Antecedido de uma sopa de couve flor (o toque das natas e o caviar fizeram a diferença), abrimos com uns carapaus fritos, seguidos de pescadinhas de rabo na boca, de se lhes tirar o chapéu! Tudo com um belo arroz de tomate, "à maneira". A acompanhar, claro um Alvarinho. Fechámos, bem "ao de leve", com uma mousse divina, morangos e umas cerejas da Gardunha, "para desenjoar", como se diz na minha terra. Não fosse, contudo, o aparelho digestivo ressentir-se, o anfitrião proporcionou, com o café, um digestivo: uma aguardente caseira, minhota. Eu, que já não tenho fígado para essas aventuras, fiquei-me num "Jameson", p'ró novo. E bela conversa! Há almoços que valem a pena!

terça-feira, julho 11, 2017

Hamburgo

Por mais que tenha procurado, não consegui encontrar prova de que Trump, à chegada ao G20 em Hamburgo, tenha tentado imitar a frase de Kennedy em Berlim, dizendo: "Ich bin ein hamburger".

É pena.

Caixa em pizza

Não, não é "pizza em caixa", distribuída pelos motards; é mesmo "Caixa em pizza". É que a Comissão parlamentar de Inquérito sobre a Caixa "deu em pizza".

(É pena nós não termos por cá esta expressão que os brasileiros conhecem "de gingeira". Trata-se de um episódio passado no Palmeiras, clube de futebol, onde um conflito interno acabou num jantar conjunto das partes conflituantes. A imprensa reportou então que "acabou em pizza". Desde então, sempre que se pressente que um inquérito não vai dar em nada, os brasileiros dizem "vai dar em pizza".)

Como já era de esperar, num terreno tão pantanoso para o PS e PSD, com o CDS a "meter a colherada", o inquérito deu "em águas de bacalhau": afinal nada se provou em matéria de favorecimentos políticos, por via de créditos concedidos.

Apetece-me assim repetir o que, sobre este assunto, vai para um ano, escrevi num jornal. Aqui fica.

"Eu e todos os portugueses – repito, contribuintes investidores – temos o direito a saber, preto no branco, quais a responsabilidades exatas do condomínio PS/PSD, com algum CDS à mistura, que dominou a Caixa nas últimas décadas. Desde logo porque, nessa gestão politizada, houve gente competente e outra que o foi menos – e não podem todos ser medidos pela mesma rasa. 

Os portugueses têm o direito de saber, com nomes e números, quem foram, nos anos que prejudicaram a instituição, os responsáveis pelos créditos concedidos sem as necessárias garantias, se houve motivação política nessas decisões, se aconteceram, e porquê, grandes perdões de dívida e quem são hoje os principais devedores incobráveis – alguns dos quais andam por aí de costas direitas, com ar de gente séria.

A Caixa é uma coisa demasiado importante para que os erros de quem por lá passou possam ser iludidos, numa espécie de voluntária amnésia para absolver os vícios políticos do sistema. E, se o governo e alguns partidos se mostrarem relutantes a fazê-lo, o presidente da República deveria lembrar-lhes essa responsabilidade. O país ficaria grato."

Mas, pelos vistos, "acabou em pizza".

Guiar o apetite




Nos dias de hoje, vivemos inundados de notas sobre restaurantes, de guias, de listas, de blogues, de revistas que os recomendam, de programas de televisão (e até de rádio) que os promovem.

Embora a abundância de referências possa acabar por confundir alguns - até porque muitas vezes tal não é acompanhado por uma discriminação crítica capaz - é evidente que, em termos de informação, estamos hoje mil vezes melhor do que, por exemplo, estávamos há trinta anos, quando o destaque dado a alguns desses locais vivia da mera publicidade e da muito escassa crítica na imprensa - onde o nome maior era já então a figura referencial de José Quitério, sem menosprezo pelo excelente trabalho de muitos outros. 

Esse era também o tempo áureo do boca-a-boca, da dica de quem sabe onde se come "o melhor bacalhau", ou "o melhor leitão" ou onde há "o melhor Abade de Priscos". Uma "conversa" onde há que isolar profilaticamente quem come "o que vier à rede" e quem se dedica a promover os amigalhaços. 

Porque sempre fui um andarilho de mesas da gastronomia, fui coletando muita informação sobre esses ditos melhores locais, que sempre partilhei (e continuo a partilhar) com os amigos. 

Um dia, em finais de 1987, eu e o Alfredo Magalhães Coelho decidimos juntar todos os dados que tínhamos acumulado, "democratizá-los" e publicar, em "fascículos" policopiados, alguns guias regionais de restaurantes. 

A ideia era dar a quem se passeasse pelo país a possibilidade de encontrar um lugar "decente", nas principais localidades de alguma dimensão onde chegasse. Além das referências costumeiras, informava-se sobre os pratos mais típicos e até dávamos dicas geográficas para chegar aos locais. 

Com estes guias pretendia-se evitar que as pessoas tivessem de recorrer aos dois critérios quase infalíveis para escolher uma boa mesa, numa localidade portuguesa sobre a qual não há referências: perguntar qual o melhor restaurante local a um tipo gordo (é essencial que seja gordo!) e com ar abastado (tem também de ser pessoa "de posses") e, cumulativamente, inquirir "onde costuma almoçar o senhor presidente da Câmara". A coincidência destas duas informações tem um grau de rigor superior ao Guia Michelin. 

Os nossos guias artesanais (gratuitos, claro) foram um imenso sucesso. Eram "batidos" por mim num "286" (o neolítico dos computadores) e, tal como o "Avante!" no tempo do "Botas", eram impressos "clandestinamente" (a tiragem era muito escassa, para marcar a raridade da obra e o privilégio de poder ter a ela acesso) pelo saudoso Camilo, na reprografia da Direção-Geral dos Assuntos Comunitários. (Ao olharem as cores das capas, os diplomatas que me estiverem a ler cruzar-se-ão com algo conhecido...) 

Nunca chegámos a cobrir todo o país, mas creio que houve guias de Trás-os-Montes, Minho, Beiras, Alentejo e Algarve. O guia de Lisboa e Ribatejo e o de Porto e Beira Litoral (as ilhas nunca estiveram previstas) foram sendo adiados até ao dia de S. Nunca. 

Ontem, numa revisão de estantes, encontrei dois "números" (de 1988 e 1989), bem marcados pela humidade. Nem os abri! Nada é mais perecível do que um guia de restaurantes. Por isso, quando consultarem algum, verifiquem logo a data de impressão. Tudo o que tenha mais de um ano deve merecer uma imediata desconfiança (sei do que falo, acreditem!)

segunda-feira, julho 10, 2017

A Oeste nada de novo

Já tinha havido uns ensaios, mas o comportamento da personagem não ajudava. Dizer bem de Trump ainda era complicado, simplesmente porque ia contra o bom senso mais razoável. Aqui ou ali, em especial nas redes sociais, ia havendo alguns corajosos que se atreviam a notar que, afinal, o homem dissera qualquer coisa que tinham por sensata (ou, o que era mais vulgar, que exprimira alto aquilo que alguns pensavam baixo). Mas o pendor ciclotímico da figura, que consegue desdizer num tweet o que antes deixou entender numa daquelas frases com um vocabulário de dezenas de palavras, "traduzido" pressurosamente pelos exegetas criativos da Casa Branca, logo tirava o tapete aos prestimosos "trumpetistas" lusos. Que, por essa via, permaneciam órfãos. Mas atentos e veneradores. 

Trump leu agora, na Polónia, uma proclamação maniqueísta, do género da linguagem "nós ou eles" que, não há muito tempo, facilitou confrontações trágicas. Com um texto que está a anos-luz daquilo que ele alguma vez conseguiria articular por si próprio (mesmo os seus maiores fãs coincidem nisto), Trump provou saber ler o que lhe colocaram à frente. A nossa direita atlantista radical rejubilou. Um texto onde se nota o dedo do par de Steve (Miller e Bannon), com uns floreados estilísticos desenhados pelos "speechwriters" do ultra-conservadorismo americano. Um discurso formalmente escorreito, tanto quanto se pode chamar "escorreita" a uma peça proclamatória de nova Guerra Fria, num tempo em que o mundo decente julgava ter definitivamente ultrapassado essa fronteira. Trump, apanhado na ratoeira em que o seu anterior tropismo para uma acomodação com Putin o havia acantonado, foi claramente forçado pelo "establishment" republicano, fortemente anti-russo, a debitar um "mantra" jingoísta, de defesa do "ocidente", que agrada à "nova Europa", dando, de caminho, pasto discursivo à retórica confrontacional que tem vindo a tomar conta da NATO. 

Por cá, os atlantistas radicais de serviço, que são quase exatamente os mesmos que já haviam visto "armas de destruição maciça" no Iraque, cavalgaram esta preciosa oportunidade e já se disponibilizam a dar (finalmente!) um aval de confiança ao mais primário líder que a América algum dia produziu. E, claro, julgando ser isso um elogio, comparam-no a Ronald Reagan, essa espécie de "benchmark" da "direita intuitiva", que alguma "esquerda" que aí anda tende também a apreciar.

Estão assim abertas as inscrições para a "Associação de Amizade Portugal-Trump". A lista dos fundadores pode ser observada numa certa plataforma informática. Quase se pode dizer que "a Oeste nada de novo", ou melhor, que, neste Ocidente sem imaginação, é tudo tão velho como os trapos. Ou como a guerra.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...