terça-feira, julho 11, 2017

Guiar o apetite




Nos dias de hoje, vivemos inundados de notas sobre restaurantes, de guias, de listas, de blogues, de revistas que os recomendam, de programas de televisão (e até de rádio) que os promovem.

Embora a abundância de referências possa acabar por confundir alguns - até porque muitas vezes tal não é acompanhado por uma discriminação crítica capaz - é evidente que, em termos de informação, estamos hoje mil vezes melhor do que, por exemplo, estávamos há trinta anos, quando o destaque dado a alguns desses locais vivia da mera publicidade e da muito escassa crítica na imprensa - onde o nome maior era já então a figura referencial de José Quitério, sem menosprezo pelo excelente trabalho de muitos outros. 

Esse era também o tempo áureo do boca-a-boca, da dica de quem sabe onde se come "o melhor bacalhau", ou "o melhor leitão" ou onde há "o melhor Abade de Priscos". Uma "conversa" onde há que isolar profilaticamente quem come "o que vier à rede" e quem se dedica a promover os amigalhaços. 

Porque sempre fui um andarilho de mesas da gastronomia, fui coletando muita informação sobre esses ditos melhores locais, que sempre partilhei (e continuo a partilhar) com os amigos. 

Um dia, em finais de 1987, eu e o Alfredo Magalhães Coelho decidimos juntar todos os dados que tínhamos acumulado, "democratizá-los" e publicar, em "fascículos" policopiados, alguns guias regionais de restaurantes. 

A ideia era dar a quem se passeasse pelo país a possibilidade de encontrar um lugar "decente", nas principais localidades de alguma dimensão onde chegasse. Além das referências costumeiras, informava-se sobre os pratos mais típicos e até dávamos dicas geográficas para chegar aos locais. 

Com estes guias pretendia-se evitar que as pessoas tivessem de recorrer aos dois critérios quase infalíveis para escolher uma boa mesa, numa localidade portuguesa sobre a qual não há referências: perguntar qual o melhor restaurante local a um tipo gordo (é essencial que seja gordo!) e com ar abastado (tem também de ser pessoa "de posses") e, cumulativamente, inquirir "onde costuma almoçar o senhor presidente da Câmara". A coincidência destas duas informações tem um grau de rigor superior ao Guia Michelin. 

Os nossos guias artesanais (gratuitos, claro) foram um imenso sucesso. Eram "batidos" por mim num "286" (o neolítico dos computadores) e, tal como o "Avante!" no tempo do "Botas", eram impressos "clandestinamente" (a tiragem era muito escassa, para marcar a raridade da obra e o privilégio de poder ter a ela acesso) pelo saudoso Camilo, na reprografia da Direção-Geral dos Assuntos Comunitários. (Ao olharem as cores das capas, os diplomatas que me estiverem a ler cruzar-se-ão com algo conhecido...) 

Nunca chegámos a cobrir todo o país, mas creio que houve guias de Trás-os-Montes, Minho, Beiras, Alentejo e Algarve. O guia de Lisboa e Ribatejo e o de Porto e Beira Litoral (as ilhas nunca estiveram previstas) foram sendo adiados até ao dia de S. Nunca. 

Ontem, numa revisão de estantes, encontrei dois "números" (de 1988 e 1989), bem marcados pela humidade. Nem os abri! Nada é mais perecível do que um guia de restaurantes. Por isso, quando consultarem algum, verifiquem logo a data de impressão. Tudo o que tenha mais de um ano deve merecer uma imediata desconfiança (sei do que falo, acreditem!)

7 comentários:

Anónimo disse...

Dada a sua experiência, comprovada, quer ter a gentileza de sugerir um guia de restaurantes portugueses actualizado?

(escrevo como aprendi na escola primária!)

NB - costumo utilizar as suas informações do seu blogue Ponto Come.

duarteO

Anónimo disse...

Cá tenho os meus, um pouco amarelecidos, que bom jeito me deram; e cá tenho também, do mesmo jaez, os livrinhos que o Fernando Assis Pacheco fazia e dava aos amigos - antes de começar a publicar em editoras.Belos tempos!

Luís Lavoura disse...

Tudo o que tenha mais de um ano deve merecer uma imediata desconfiança

Mas, se isso é assim (e eu acredito que seja), então a utilidade destes guias é bem limitada - perdem a utilidade passado um ano. Não vale muito a pena adquirir algo cuja utilidade se perde tão depressa.

Francisco Seixas da Costa disse...

Não há nenhum guia confiável. O Boa Cama Boa Mesa tem muitos restaurantes que valem a pena, mas tambem traz os outros e de todos diz bem, o que o torna inútil para quem, a priori, não souber separar o trigo do joio

Anónimo disse...

Senhor Embaixador

Leio com atenção as suas recomendações, mas gostaria que publicasse mais vezes informações sobre restaurantes.

Tenho pena que não tenha tempo para coordenar um guia, que estou certo seria muito útil.

Anónimo disse...

Senhor Embaixador,

Mas isso é uma preciosidade.... eu gostava muito de conhecer os resistentes! No negócio da restauração 30 anos são 3 milênios.

patricio branco disse...

por vezes dava-me curiosidade folhear o michelin do ano, o que dedica 4/5 do volume a espanha e o resto a portugal. há 4 ou 5 anos que não o vejo. parece que as * têm aumentado em portugal, mais casas de comida com as ** alguma até com 2.
é sabido que ter uma * no michelin causa estresse nos proprietários dos restaurantes que fazem tudo para a manter e que têm o terror da perder.
há restaurantes que não querem o michelin por lá a espiar e provar, que nem autorizam que o estabelecimento figure no guia, ou na guia, não sei bem se é feminino ou masculino neste caso do livro
pois não sei se já fui a alguma casa de comida com estrelas no famoso guia, em portugal, já fui mas fora de portugal.
bonitos esses caderninhos com notas pessoais de cores variadas. sem duvida. gostaria dos folhear, mais que ao michelin. etc etc

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...