sábado, janeiro 02, 2016

Vamos lá, rapaziada!


Futeboys

A nossa diligente imprensa de investigação, que tão afoita se mostra quando lhe dá para cuscuvilhar a vida de um qualquer cidadão, não tem a mesma curiosidade sobre a vida financeira (nomeadamente dívidas à banca e situação fiscal) das grandes agremiações futebolísticas. 

Aí, sim! Os números seriam importantes, quase a contarem para o défice...

Seria bonito, mas a cobardia, pelo medo ao boicote organizado dos adeptos das várias cores, atenua o escrúpulo profissional e não permite o empenhamento, não é?

Boa memória (1)


A sério: valeu mesmo a pena tudo aquilo?

sexta-feira, janeiro 01, 2016

Foi assim...


Não éramos muitos. Apenas algumas dezenas. Na maioria, especialistas nas áreas económica e jurídica, além de uns quantos diplomatas, numa convivência pouco habitual mas que, com os anos, se foi tornando cada vez mais natural e frutuosa. Grande parte vinha da estrutura que havia representado os interesses sectoriais portugueses no processo de adesão às então chamadas "Comunidades europeias". Alguns haviam sido destacados de outros departamentos técnicos. Outros ainda, provinham do núcleo que, nas Necessidades, tinha sido responsável pelas negociações. Eu vinha... de Angola! Juntámo-nos todos naquele edifício da Visconde de Valmor, para dar início à grande aventura que começou a fazer-se há precisamente 30 anos.

O "know-how" português sobre as questões europeias era considerável, mas algo lacunar. No MNE, no Ministério das Finanças e em vários outros departamentos do Estado, havia já gente com forte experiência em alguns dossiês, em particular dos que haviam sido objeto de negociação mais intensa. Porém, a globalidade do universo bruxelense era algo que ainda nos transcendia.

Sabíamos bem o que era essencial para os nossos interesses, aquilo a que deveríamos estar atentos em prioridade. Essa era a agenda “defensiva” a que estávamos aculturados. Mas havia um conjunto de temas que, por não serem relevantes para essa nossa agenda nacional, não suscitavam então a nossa reação.

As instituições europeias são uma "fábrica" de papelada, se bem que, à época, a sua "produção" fosse bem mais limitada do que hoje sucede. Não obstante, lembro-me de aterrarem então sobre as nossas secretárias resmas de documentação sobre cujo tratamento nos interrogávamos, com “deadlines” para eventual resposta que nos angustiavam e que, passadas que fossem, nos deixavam “aliviados”.

Depois dos primeiros meses de 1986, tudo começou a ficar mais claro: os assuntos coneçavam a ser hierarquizados com maior realismo e, pouco a pouco, o que sentíamos como alheio passou a mobilizar a nossa atenção. Porém, muitas das vezes, os departamentos técnicos que consultávamos não eram capazes de manifestar nenhuma opinião e, recordo, a perplexidade sobre a atitude que devíamos assumir podia ser imensa. 

Interessante passou a ser a nossa participação nas reuniões de Bruxelas, onde à timidez inicial de alguns sucedeu o “atrevimento” de outros, quando ousavam pronunciar o “Portugal pensa que…” Éramos todos aprendizes de uma arte nova, alguns já com experiência internacional anterior, outros dando os primeiros passos num terreno em que todos tínhamos a consciência de ir assentar muito do nosso futuro.

Foi assim. Correu bem, mesmo muito bem, essa magnífica aventura iniciada a 1 de janeiro de 1986.

2016 !


quinta-feira, dezembro 31, 2015

A bem "dezer"...


... o ano até nem correu nada mal!

Schengen


Feliz Ano Novo!


"O Independente"


Nuno Saraiva, a abrir uma crónica ontem no DN, a propósito do livro "O Independente - a Máquina de Triturar Políticos", de Filipe Santos Costa e Liliana Valente, escreve esta frase: "Foi dos livros em que mergulhei nos últimos tempos o que mais prazer me deu". Ora eu gostava de dizer que o Nuno me tirou as palavras da boca. Foi exatamente isso o que eu senti.

Se, neste final de ano, me é permitido aconselhar a compra e a leitura de um livro, esta seria a minha escolha. Está ali o essencial para se perceber a evolução daquilo a que, em tempos, se chamou o "cavaquismo" e do Portugal desse tempo. Há por ali retratos imperdíveis de figuras cuja importância se esvaiu com o tempo, mas que pareciam então ter um destino nacional assegurado. Mas também por ali está o perfil, a preto e branco, de um jornal que, com muita arte e às vezes com muito pouca ética deontológica, não deixou de marcar um tempo importante no jornalismo português, por muito que isto possa parecer algo incongruente. 

Durante esses anos em que foi dirigido por Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas, "O Independente" foi um ator central na vida política portuguesa. "Queimou" pessoas, destruiu carreiras, bombardeou inimigos de estimação, protegeu amigos do peito, desenvolveu uma espécie de jornalismo onde, lado a lado, o brilhantismo convivia com alguma canalhice, numa total impunidade. O livro retrata tudo isso sem estados de alma, mas também sem contemplações. Lê-lo é um prazer, difícil é pô-lo de parte quando o tempo do dia não é suficiente. Recomendo-o vivamente. 

quarta-feira, dezembro 30, 2015

"Europa - um Feliz Ano Novo?"


Na "Visão" desta semana, que saiu hoje com um interessante conjunto de textos sobre o ano que aí vem, publico um artigo sobre os desafios da Europa para 2016, intitulado "Europa: um Feliz Ano Novo?". Pode lê-lo aqui.

Fraga da Almotolia


Há dias, falei aqui do Buraco Sagrado, um dos lugares "secretos" de Vila Real. Hoje estive perto de outro, a Fraga da Almotolia. 

Pergunte-se a um vilarealense se conhece a Fraga da Almotolia. Em dez, deve encontrar um que diz que "ouviu falar" e, em cem, talvez um tenha por lá passado algum dia. E, no entanto, se lhes pedirmos indicação sobre onde é o Chaxoila, quase todos dirão que sabem - sem que reconheçam que o tal lugar da Fraga da Almotolia (porque se chamará assim?) é quase por detrás do restaurante Chaxoila, desde há muito uma "casa de pasto" de referência das cercanias da cidade de Vila Real.

A Fraga da Almotolia, uma área na zona das Flores, à saída de Vila Real para Chaves, era um lugar tradicional de exercícios militares do RI 13, a unidade do Exército da cidade. A seguir à descolonização, a exemplo do que aconteceu em outras zonas do país, a agência norueguesa para a cooperação, Norad, criou na Fraga da Almotolia um bairro para acolher famílias de "retornados", numa acção de solidariedade que viria a ser complementada com uma magnífica ajuda à construção e equipamento do novo Hospital de Vila Real. Não obstante ter dado a uma das suas avenidas o nome de Noruega, fico com a sensação de que a cidade nunca agradeceu devidamente estes desinteressados gestos nórdicos.

Por que falei hoje na Fraga da Almotolia? Porque fui almoçar (aliás, muito bem) ao Chaxoila e achei que o serviço público que é este blogue também tem obrigação de revelar aos seus leitores os locais do Portugal desconhecido que existem na minha terra. Prometo não exagerar nesta toponímica bizarra, mas ainda não excluí elucidá-los sobre os mistérios da esquina da Cardoa, partindo já do princípio de que lhes são familiares os Quinchosos, que já foram beco e hoje ganharam vida nova. 

terça-feira, dezembro 29, 2015

Portas


Paulo Portas é um dos mais talentosos políticos portugueses. Goste-se ou não da sua forma de estar na vida pública, qualquer opinião independente será forçada a constatar que ele tem sido, ao longo dos anos, um dos grandes "performers" do nosso espetro partidário.

Portas teve o azar de "encalhar" num partido que atingiu o seu "princípio de Peter" político há bastantes anos. Surgido dos conservadores (e muitos reacionários) inquietos com a Revolução de 1974, o CDS nunca conseguiu superar a preeminência do PSD na direita portuguesa. Portas, que se iniciou na juventude do PSD, fez do jornalismo (foi um excelente jornalista, no que à qualidade da escrita diz respeito) a sua trincheira, até que aportou à liderança do CDS, num dia em que se fartou de ser "ponto" para um ator em cujo sucesso deixou de acreditar. Tentou então transformar o partido, que parecia condenado à insignificância. Crismado de Partido Popular (coincidência de iniciais?), deu-lhe uma coloração eurocética e soberanista, colocou a democracia-cristã na gaveta e, a partir de um certo momento, assumiu as cores liberais que os tempos pareciam justificar. Contudo, nunca enveredou pela direita pura e dura, do populismo extremista, hiper-securitário ou xenófobo, há que reconhecer.

Por uns tempos, o CDS/PP pareceu protagonizar os interesses de nichos sociais mais frágeis, das pessoas idosas e pensionistas à "lavoura" familiar, colocando-se no campo mais renitente às causas fraturantes da modernidade, que sacodem incomodamente um certo Portugal tradicional. Era talvez o seu lado democrata-cristão a emergir, diziam uns; era um saco de votos à mão, acharam outros. Mas foi sol de pouca dura e logo partiu para outra. Com Paulo Portas, o CDS pareceu uma "barata tonta", andando de um lado para o outro. Se se perguntar hoje a alguém "onde está" ideologicamente o CDS, ninguém saberá responder. Porquê? Porque Portas teve necessidade de "romper" por onde tivesse mais ganhos potenciais, saltitou de causa em causa, à procura de um mercado político próprio, que nunca chegaria a encontrar. Não obstante ter conseguido uma fatia de poder, isto é, uma capacidade de representação de alguns interesses e de conquista de lugares para prosélitos, falhou no essencial: não chegou ao verdadeiro poder, à chefia do governo. À direita, o poder está e estará, por muitos e bons anos, no PSD. Em Belém, é agora Marcelo Rebelo de Sousa, de um certo PSD, quem, por cinco anos, tem as hipóteses maiores. Portas guarda-se para 2021?

Por ora, Portas deve ter-se cansado. De toda a direita desiludida pela hábil manobra de António Costa, o desespero de Portas mostrou ter sido ele o mais afetado. A demarcação que Passos Coelho dele quis fazer também acabou com um capítulo da sua vida política.

Era tempo de sair de cena, com ar de estar a dar o lugar aos novos, que se desunharão entre eles. Agora, Portas vai querer ganhar distância, vai tentar assumir "gravitas", vai procurar "senadorizar" a sua imagem. Uma empresa ou uma instituição, talvez lá por fora, vai ser o seu Vale de Lobos. Com Portas, como o passado provou, aquilo que, no presente, é definitivo pode passar a ser revogável no futuro. Sem dramas e sem corar, porque ele sabe bem que este é um país de crédulos de memória flácida. Como já aconteceu com Marcelo, lembremo-nos. Por isso, aguardemos pelas cenas dos próximos capítulos. Daqui a uns tempos falaremos.

segunda-feira, dezembro 28, 2015

2016 à mesa


Durante os meses de Janeiro e Fevereiro, está prevista a publicação, numa revista, de três guias com várias dezenas de restaurantes do Norte do país, que cobrem três regiões: o Minho (descendo até às cercanias do Porto), Trás-os-Montes e Alto Douro (com "fatias" do distrito de Viseu e do Douro Litoral) e da cidade do Porto e arredores. Após essa publicação, mas não antes, os guias surgirão no blogue "Ponto Come". 

Trata-se de escolhas pessoais, cuja subjetividade assumo sem a menor dificuldade. Algumas omissões ocorrerão (só falarei sobre aquilo de que tenho informação segura) e admito que algumas injustiças também.

Os eventuais leitores poderão depois comentar livremente no blogue "Ponto Come". 

Piropo

A nova e avançada legislação que o parlamento português aprovou, criminalizando o piropo, é o que se pode chamar uma lei boa como o milho...

Mais a sério: há piropos e piropos, há que reconhecer. Uma boca foleira agressiva, que indisponha quem a recebe, cheia de palavrões e insinuações sexuais, não é admissível. Mas acho perfeitamente normal que, com graça e simpatia, de uma forma que haja a convicção de que agrada a quem o ouve, se possa fazer um elogio à beleza de alguém. Confesso, no entanto, que me preocupa, a partir de agora, o critério de quem vai julgar a ampla "zona cinzenta" entre estes dois extremos. E, muito em especial, pergunto-me se esta legislação não vai reduzir o espaço à legítima sedução, motor do mundo...

A importância de uma letra


Foi em Nova Iorque, há já uns anos. Aqueles nossos amigos brasileiros haviam encontrado numa rua um casal conhecido. da mesma nacionalidade, que partia de regresso ao Brasil no dia seguinte, no termo de um período de férias. Os nossos amigos, também turistas, que ficavam um tempo mais na cidade, sugeriram então juntarem-se os quatro para jantar nessa noite, num belo restaurante, do lado de Brooklin, com uma vista deslumbrante sobre Manhattan - o "River Cafe", cenário de muitos filmes. Encontrar-se-iam lá, a uma certa hora, ficou combinado.

Chegados ao restaurante, os nossos amigos começaram a estranhar o atraso dos dois restantes convivas. Com o tempo a passar, e imprudentemente não tendo ficado com os mútuos números de telefone, decidiram jantar só os dois. Alguma confusão ou dificuldade de última hora deveria ter havido.

Regressados ao Brasil, quase esqueceram a cena, até porque viviam em cidades diferentes. Um dia, os homens de ambos os casais encontram-se e o meu amigo diz para o outro: "Então, lá em Nova Iorque, vocês nunca chegaram a aparecer...". O "faltoso" responde : "Essa agora!! Então vocês marcaram aquele estranho lugar e, afinal, acabaram por não ir!" E explicou que tinha chegado bem à hora, com a sua mulher elegantemente vestida para um local de luxo e que se havia confrontado com um sítio um pouco "bizarro", nada condizente com o cenário para um jantar requintado, como esperavam.

O meu amigo estava siderado! Mas afinal que diabo de local era esse, onde tinham ido parar? O outro explicou que tinha dado o nome do restaurante que ele lhe tinha indicado à pessoa que estava no balcão do seu hotel, pedindo para esta descobrir o endereço e chamar um taxi. Lá chegados, o ambiente pareceu-lhes desde logo muito pouco adequado, mas entraram e aguardaram. Como os meus amigos não chegavam, e porque aquilo era um espaço um pouco constrangedor, decidiram regressar ao hotel.

Consciente de que havia algo de errado, o meu amigo perguntou: "Mas onde é que o taxi vos levou?" Ao que o outro explicou que foi ao "Rivera Cafe"! Os infelizes tinham aportado a um sinistro "Rivera Cafe", em lugar de irem para o elegante "River Cafe". Era "apenas" a diferença entre a noite e o dia...

Há pouco, ao descobrir a página do "Rivera Cafe" no Facebook, dei-me conta um comentário inserido por alguém nessa página, que diz tudo: "worse place I ate in a long time"...

domingo, dezembro 27, 2015

Buraco Sagrado



Há dois dias, falou-se por aqui do Buraco Sagrado, uma das zonas mais "secretas" de Vila Real. Nem imaginam a quantidade de pessoas da cidade que ou nunca ouviram falar do nome ou ouviram mas não fazem a menor ideia de onde fica esse local, que a toponímia local não regista.

As coincidências fazem parte da vida. E ontem, ao final da tarde, estive na casa de uma pessoa que é proprietária de um quadro do pintor Trindade Chagas, datado de 1928. Olhei para ele e vi que reproduz precisamente uma zona do Buraco Sagrado. Ele aqui fica, bem como a informação de que o Buraco Sagrado é uma zona por detrás do antigo hospital e do liceu, sendo acessível por ambos os lados. 

Posso imaginar que esta informação não seja de grande utilidade para muitos leitores deste blogue, espalhados pelo mundo, mas quantas informações inúteis não coletamos nós ao longo da vida? Assim, se um dia vier a baila o nome de Buraco Sagrado, já sabe!

O telefone de outros tempos


por aqui contei um dia o telefonema que, no início anos 60 do século passado, fizémos ao administrador apostólico de Vila Real, monsenhor Libânio, imitando a voz do bispo da Diocese, dom António Valente da Fonseca, que se encontrava em trabalho em Roma. A conversa começou por versar sobre os problemas da Diocese para, a certa altura, abordar o estado de saúde de umas muito conhecidas prostitutas locais, o que colocou o monsenhor numa imensa aflição, pensando que o bispo se "tinha passado", levando-o a interromper a chamada.

De uma outra vez, relatei neste blogue a aventura que foi convidar telefonicamente o responsável por um torneio de ping-pong (diz-se ténis de mesa agora, não é?) a repetir os resultados de todos e cada um dos jogos, convencendo-o de que, no dia seguinte, essa "reportagem" sairia em duas páginas do "Norte Desportivo". Ao alvoroço com que vencedores e derrotados, desejosos de ver o seu nome em letra de forma, esgotaram em segundos os exemplares chegados a Vila Real, seguiu-se uma fúria contra os desconhecidos "engraçadinhos" que tinham sido autores da "partida", felizmente não identificados.

A modorra de uma cidade de província, onde muito pouco havia para fazer, em especial em tempos de férias, levava à ousadia para este tipo de brincadeiras, protegidas, à época, pela garantida impossibilidade técnica de se detetar a origem das chamadas.

Ontem, numa volta pela cidade com amigos, recordámos mais três dessas "partidas" inocentes, em que interveio um número considerável de amigos, até porque o respetivo "efeito" só era conseguido pela repetição dos atos.

A primeira teve como vítima o proprietário de uma tasca no "circuito", o senhor Coelho. O Coelho era um homem de má catadura, proverbial mau feitio, sempre com um ar zangado atrás do balcão. A partir de certa altura, e durante várias semanas, o Coelho recebia chamadas que começavam de forma diferente mas acabavam sempre da mesma maneira, como por exemplo: "Está lá? É o senhor Coelho?" O homem respondia que sim e, do lado de cá da linha, nós avançávamos com a mesma frase: "Pum! Pum! Ó Coelho, matei-te!" Antes de desligarmos, o Coelho zurzia-nos com um arsenal muito criativo de asneiradas, de onde não saíam incólumes as nossas progenitoras. Foram largas dezenas de chamadas. Às vezes, já não era o próprio Coelho que atendia, mas nós tínhamos artes de obrigar a que ele próprio viesse ao telefone, invocando o nome forjado de um fornecedor ou coisa parecida. Um dia, alguns de nós corremos mesmo o risco de estar na tasca, a comer uma sanduíche, enquanto outro amigo executava a "operação". E não nos "desmanchámos"...

A segunda "intervenção", ao que apurámos, colocou uma família quase de cabeça perdida. Era uma simples chamada para um determinado número, apurado na lista da cidade. Invariavelmente, a nossa fala era a seguinte: "É de casa do senhor Zuzarte?" Respondiam sempre positivamente, quase sempre o próprio, ao que nós acrescentávamos: "O senhor Zuzarte não tem vergonha de ser o último nome da lista telefónica?" E acrescentávamos coisas como: "Deve ser muito triste, não é?" ou "Nunca pensou mudar de nome?" Da surpresa inicial, o Zuzarte começou a "passar-se dos carretos", respondendo com um chorrilho de imprecações furibundas. Às vezes, era a esposa do senhor Zuzarte que vinha à linha e nós adaptávamos a frases criativamente piedosas. Não vou revelar, contudo, a fraseologia adotada quando a família Zuzarte passou a encarregar a "criada" de atender as chamadas...

Conto agora a última das "partidas" - há outras que nunca "prescreverão", pelo que são irreproduzíveis... - que então fazíamos. Havia, na avenida Carvalho Araújo, uma importante loja de eletrodomésticos chamada "Casa Patinhas". Ora, à época, de um popular programa radiofónico diário dos "Parodiantes de Lisboa", faziam parte uns "sketches" muito populares, uma conversa entre um detetive, chamado "Patilhas", e o seu colaborador, o "Ventoínha". O senhor Patinhas passou a receber, aí uma vez por dia, durante meses, uma chamada telefónica muito simples: pedia-se-lhe para chamar ao telefone o "Ventoínha". De início, o senhor Patinhas foi dizendo que por ali não havia nenhum Ventoínha. Rapidamente percebeu a marosca e passou a ter reações furiosas. Mudámos então de tática: passou a ser "o próprio Ventoínha" a telefonar, dizendo querer falar com o Patinhas. O homem (o facto dele se não chamar Patinhas e não Patilhas era já despiciendo) dava berros que se chegavam a ouvir num banco da avenida que havia perto da porta da loja, onde nos íamos sentar para gozar a cena. Um dia chegámos a pedir a uma amiga para telefonar como se fosse mulher do Ventoínha, perguntando por ele. Arrancámos-lhe o telefone da mão antes do pobre Patinhas a mimosear com qualificativos que um "blogue de famílias" como este não pode, naturalmente, acolher.

Era assim nesse tempo, nessa Vila Real de então, para quem tinha 14 ou 15 anos e muito pouco para fazer nos tempos livres. Não devia ser muito diferente noutras cidades de província portuguesas.

sábado, dezembro 26, 2015

Fernando Henrique Cardoso


Tenho uma grande admiração por Fernando Henrique Cardoso. (Embora a alguns isso pareça incongruente e incompatível, tenho também forte admiração por Lula da Silva, mas isso são outras histórias). 

Desde o tempo em que fui embaixador no Brasil, FHC (é assim que o conhecem) foi sempre de uma extrema simpatia comigo. Tive gosto em ter sido ele e entregar-me o prémio "personalidade do ano" com que, em 2006, o mundo empresarial luso-brasileiro quis manifestar-me o seu apreço pelo apoio que a embaixada que chefiei lhe proporcionava. E guardo para memória futura uma longa conversa a dois, no restaurante Carlota, em São Paulo, onde falámos um pouco de tudo e muito de política brasileira. Temo-nos cruzado em Lisboa várias vezes, nos últimos anos.

Fernando Henrique Cardoso acaba de editar os seus "Diários da Presidência 1995-96", um volume de quase mil páginas com suculenta informação sobre a vida política interna do Brasil, que a mim me continua a interessar muito. O livro chegou-me há dois dias, oferta de um amigo brasileiro. Passei os olhos por ele e, de facto, é garantido que me vai acompanhar por algumas semanas. 

Não é de estranhar que as escassas referências a Portugal tenham chamado a minha atenção prioritária.

Há algumas notas pessoais muito simpáticas sobre Mário Soares, Jorge Sampaio e António Guterres ("ele pensa do jeito que eu penso"), bem como um apontamento breve de um encontro com Ricardo Salgado, que foi informar FHC, para grande surpresa deste, de que o grupo Espírito Santo pretendia investir no Brasil. Também idêntica intenção da Caixa Geral de Depósitos é assinalada. Sobre uma conversa com Durão Barroso, a referência é curiosa: "Falei bastante com DB, nada de mais extraordinário a não ser que foi muito grato e muito cansativo" (sic)!

(Um parêntesis para notar que o período coberto por este volume corresponde à chegada ao governo de António Guterres e à substituição de Mário Soares por Jorge Sampaio).

Sobre as relações luso-brasileiras, na ressaca da crise dos dentistas, diz FHC : "pela imprensa me parece que Portugal tem um certo ceticismo com relação ao Brasil, talvez até bem fundamentado. E não tem tanto entusiasmo quanto se pensa em relação às chamadas "relações especiais". A cúpula, o governo, todos os lados, mais a elite cultural, esses sim, mas não creio que isso tenha enraizamento maior na vida portuguesa propriamente dita, como não tem na vida brasileira". Interessante leitura.

O mais curioso destas referências a Portugal prende-se com a CPLP e a posição de José Aparecido de Oliveira, que havia sido embaixador brasileiro em Lisboa. Não estarei a revelar nenhum segredo se disser que, na percepção dos meios políticos portugueses (eu estava no governo nessa altura), ficou a sensação de que foi FHC quem se opôs a que José Aparecido de Oliveira fosse o primeiro secretário-executivo da organização. Ora o antigo presidente desmente essa versão nestes "Diários", e diz com clareza que a oposição foi do chefe da diplomacia brasileira: "O Luiz Filipe Lampreia não quer". Curiosamente, Lampreia não se refere a esta sua posição no livro "O Brasil e os ventos do mundo" (Rio, 2009), onde se limita a assinalar que a criação da CPLP se fez "por impulso do embaixador do Brasil em Lisboa, José Aparecido de Oliveira", encerrando com a brutal (mas muito verdadeira) constatação de que "no Brasil não existe nenhum entusiasmo com a instituição".

"A russa a caminho do Marão"


Ferreira Fernandes, no DN de hoje, retoma uma história aqui contada há dias. Ter o mais credenciado cronista português a ecoar brilhantemente o meu modesto escrito foi uma excelente prenda de Natal.

sexta-feira, dezembro 25, 2015

A greve de Natal


Quero deixar aqui uma nota de simpatia aos maquinistas e condutores da CP e do transportes coletivos do Porto, que decidiram uma justa greve (não conheço os motivos, mas deve ser justa) precisamente no dia de Natal, sabendo bem que essa data é a que menos prejudica os trabalhadores e a que mais afeta os utentes - os quais, como é sabido, são, em esmagadora maioria, os capitalistas e as classes possidentes do país. Avante! Haveis de ir longe...

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...