domingo, março 29, 2015

Por hora


A hora muda duas vezes por ano. 

Num desses dias, lá para o Outono, chegados às duas da manhã, voltamos à uma. Ganhamos um hora! Posso ficar mais uma hora na cama ou no computador, sem ser sujeito a quaisquer remoques de ser um compulsivo "late riser", uma soez acusação que me persegue praticamente desde a infância.

Neste dia, a lei está comigo e tenho 60 minutos mais - 3.600 segundos! - para atrasar o meu regresso à vida ativa. Às vezes, confesso, só de tentar convencer quem está à minha volta da racionalidade indiscutível desta minha leitura, acabo por despertar e perder o sono. Já dei comigo a pensar que tenho de preparar melhor estas coisas, no futuro. 

O mundo está, infelizmente, construído num desagradável equilíbrio compensatório. E, assim, no final de março, acontece sempre uma noite aziaga em que nos roubam uma hora. É hoje! Não apenas somos impedidos de dormir a nossa quota habitual de sono como nos vão tirar mesmo uma hora, isto é, dão um alibi a quem nos desperta na manhã deste dia sinistro e nos avisa de que "já são dez horas!", uma sádica advertência face à insofismável realidade de serem apenas nove horas. 

Há sessenta e demasiados anos que convivo com esta tragédia. Tenho procurado companheiros de infortúnio, mas apenas encontro almas acomodadas com esta realidade ou - pior ainda! - madrugadores profissionais, figuras relutantes à minha pouco popular teoria de que as caçadas deveriam começar depois de almoço, que se deveria ir à pesca, qual Lorca, "a las cinco de la tarde".

Hoje mesmo, por esta hora, hospedado num Parador da planicíe castelhana, acabo de receber a advertência, imperativa, de que "el desayuno" é "hasta las 11 horas". E é, manifestamente, falso: se eu chegar, amanhã, um pouco antes das 11 horas, para a dose habitual de "embutidos", "queso" e "jugo de naranja", para acompanhar o meu tradicional "doble expresso", vou dar com o nariz na porta "del comedor": "La hora ha cambiado. Estamos cerrados, caballero!". 

O mundo é muito injusto! Bolas!

Memorabilia diplomatica (XVIII) - Sexo literário

Foi no Maputo, há já uns anos.

A lista dos condecorados era longa e o respectivo leitor, de nacionalidade portuguesa, era, manifestamente, uma pessoa pouco sensível às letras moçambicanas. Assim, sem hesitação, anunciou a certa altura da solenidade: "E agora, vai receber a ordem X a Senhora Dona Mia Couto".

Um frémito de embaraço e riso sacudiu a audiência. Mia Couto, o excelente escritor de Moçambique, afivelou um sorriso por detrás dos óculos e da barba, encaminhando-se para o palco onde o presidente português o aguardava, também este um pouco incomodado com a inesperada feminização do agraciado.

Um colega meu, de graça rápida, logo deixou cair, baixo: "Ainda bem que hoje não é condecorada a Senhora Dona Sara ... Mago!".


(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)

sábado, março 28, 2015

Memorabilia diplomatica (XVII) - A poesia e o PIB


Morreu o prémio Nobel da literatura Tomas Transtromer, poeta sueco.

Recordo-me bem do dia em que Transtromer ganhou o Nobel. Não porque conhecesse a sua obra, mas precisamente pelo contrário, por nunca ter ouvido falar dele até esse mesmo dia e, numa curiosa coincidência, por ter tido nessa data um almoço com o meu colega embaixador sueco em Paris.

Fiquei a pensar se não conhecer tal poeta seria, ou não, uma imperdoável lacuna cultural da minha parte. E, pelo sim pelo não, durante o almoço, depois de o felicitar, perguntei ao meu colega sueco se acaso os nomes de António Ramos Rosa ou de Herberto Hélder lhe diziam alguma coisa. Disse-me que não e sosseguei. Também ele não conhecia dois génios da poesia portuguesa.

O meu sossego durou pouco, ao ouvi-lo dizer, logo de seguida, que, como poetas portugueses, apenas conhecia Fernando Pessoa e Camões. Ora eu não sabia o nome de nenhum poeta sueco (lembrei-me, depois, mas só lá cheguei com ajuda do Google, de um nome da respetiva literatura, mas não da poesia, de Lagerkvist)! O meu colega sueco ouvira falar de nomes da poesia portuguesa e eu, de literatura sueca, nicles!

Lembro-me de ter ido remoer o assunto, a caminho de casa. E, de súbito, aquietei o espírito com a reconfortante ideia de que, se isso acontece, é seguramente porque a nossa poesia é bem melhor do que a sueca. Deve ser isso! Pena é que ela não conte para o PIB...

(Fui recuperar esta historieta, aqui já publicada, neste dia em que morreu o poeta sueco)

sexta-feira, março 27, 2015

JN

Correspondendo a um amável convite do "Jornal de Notícias", passo a publicar naquele jornal uma coluna semanal, num painel de opinião que incluirá Mariana Mortágua, Fernando Teixeira dos Santos, Nuno Melo e João Gonçalves.

Julgo que a ninguém no JN passará pela cabeça que este apenas é um "regresso" meu ao jornal. Em 1967/68, escrevi por lá muito curtas crónicas - imaginem! - sobre jogos de futebol da distrital do Porto. Recordo-me de manhãs de domingo passadas em campos de subúrbio, recolhendo a composição das equipas junto à cabine. Depois, alinhavava algumas escassas linhas de comentário num estilo que creio muito tributário da imprensa desportiva desses dias. Tinha então direito no JN a três ou quatro linhas. Passado quase meio século, os temas mudaram e tenho algumas mais...

Carreira diplomática


Nunca por aqui fiz publicidade. Pois, hoje, vou fazer.

Daqui a dias, iniciar-se-á da Universidade Autónoma de Lisboa um curso de preparação para os futuros candidatos à carreira diplomática. Assegurarei a direção desse curso, que conta com qualificados académicos nas áreas temáticas que fazem parte da prova.

Para quem quiser saber mais sobre o concurso, pode fazer link aqui.

As pessoas interessadas no curso de preparação promovido pela UAL devem ligar aqui.

Não há Gelo para todos!

Andei muito pelo Montecarlo, mas nunca me sentei com o José Gomes Ferreira ou o Carlos de Oliveira. Nem com o Luiz Pacheco, que só vislumbrei entre as mesas. No Vává, nunca fui íntimo dos cineastas ou dos cantores. De alguns deles, só o fui décadas mais tarde. Parei na Smarta, mas nunca por lá falei com o Santareno ou a Natália Correia. Fui ao Café Lisboa algumas vezes, mas não fiz parte da gloriosa trupe jornalístico-cultural que fez a histórica travessia das cadeiras e das mesas, para o outro lado da Avenida da Liberdade, aquando da mudança de endereço. Fui visitante, regular ou episódico, de muitos e interessantes cafés e bares, cruzei muita gente que era ou veio a ser famosa, mas só conheci ou fui amigos de muito poucos, só à distância vi a esmagadora maioria dos outros. E não fiquei menos feliz por isso, podem crer.

Tenho amigos que conheceram toda essa gente, ou melhor, uns conheceram uns e outros outros. Ouço com gosto as suas histórias desse tempo, de uma Lisboa que passou por ali ao meu lado, que vi e apreciei como espetador, como aconteceu a tantos outros da minha geração. E, olhando para trás, acho que posso dar-me por muito satisfeito pelo privilégio de ter conhecido gente bem intetessante, pelo que não preciso de "inventar" os amigos que não tive e que, no parecer de alguns, parece que "dava jeito" ter. Por isso, irritam-me os que se colocam em "bicos-de-pé", algumas aves de arribação à sociedade intelectual lisboeta que hoje se colam a quem mal conheceram ontem. 

Neste capítulo, nada me atazana mais supinamente do que as memórias do "Gelo". Ando, há anos, a encontrar por aí pessoal que diz que esteve horas numa esquina de mesa do Café Gelo com os surrealistas, gente que um dia dirá que foi "quase por um pêlo" que não entrou nas antologias ou nas mostras plásticas, que só não fez parte da foto com o O'Neill a fingir de maneta porque foi ele próprio quem tirou o retrato. Como, nos dias que passam, já quase todos os famosos do Gelo estão mortos, há ainda alguns que ainda "estão mortos" por contarem, sem testemunhas desabonatórias, que eram íntimos do Cesariny, do Cruzeiro Seixas (se foram íntimos, porque o não visitam em Vila do Conde, onde ele hoje apaga a existência?), do Manuel de Lima, do Mário Henrique Leiria. 

A propósito da morte de Herberto Helder, que foi do "grupo do Gelo", eu pediria assim ao meu querido amigo Helder Macedo - esse sim, figura do grupo - que, de uma vez por todos, "fixasse" a lista dos habitués do local, por forma a evitar que o passado cultural do Gelo passe a ser como as enciclopédias da União Soviética, que mudavam as páginas quando alguém caía em desgraça. Lá em Moscovo, como acontece às vezes a propósito do Gelo, o passado estava sempre cheio de futuro...

quinta-feira, março 26, 2015

Memorabilia diplomatica (XVI) - "Le Monde" é pequeno


Há dias, num restaurante de Lisboa, encontrei Miguel Trovoada, antigo presidente e primeiro-ministro de S. Tomé e Príncipe. Estava a almoçar com um amigo de ambos e recordei-lhe uma história comum.

Estávamos em 1976. Surgira em S. Tomé e Príncipe uma greve dos professores cooperantes portugueses... por cuja pré-selecção eu próprio tinha sido responsável, pouco tempo antes. Aparentemente, os nossos docentes sentiam estar a haver alguma discrepância entre as condições que lhes haviam sido prometidas pelos santomenses, antes de partirem de Portugal, e a realidade local com que então se defrontavam. A coisa parecia séria, as aulas estavam suspensas e a "batata quente" foi passada para as minhas mãos, porque eu fora o elo de ligação com as autoridades de S. Tomé. E aí fui eu despachado de Lisboa, viajando através de Paris e de Libreville, no Gabão, para o cumprimento da minha primeira missão externa. Sozinho, cinco meses depois de entrar para o MNE, imaginem!

No dia seguinte à minha chegada a S. Tomé, onde tive de ficar uma semana porque só havia um voo semanal de ligação à capital gabonesa, o embaixador português, Amândio Pinto, homem simpatiquíssimo, sem dar mostras de qualquer agastamento por terem mandado um "miúdo" para resolver um problema diplomático que estava sob a sua jurisdição, perguntou-me se eu queria encontrar... o primeiro-ministro! Que era Miguel Trovoada e que assumia também a pasta da Cooperação. 

"O primeiro-ministro?!", inquiriu este recém-admitido adido de embaixada. "Claro, não há qualquer problema", disse o embaixador. E, com a maior naturalidade, pegou no telefone e ligou ao primeiro-ministro, creio que por um número direto. Para meu espanto de neófito, meia hora depois lá estávamos, no respectivo gabinete.

Ao cumprimentar o chefe do Governo de S. Tomé, que veio depois a ser presidente da República e que é pai do atual primeiro-ministro, dei-me conta de que, sobre a sua secretária, tinha um exemplar do jornal português "O Século". E, pelo título de uma notícia, percebi que aquele jornal teria, pelo menos, duas semanas. Aí, não resisti: "Vejo que está a ler um Século antigo. O senhor primeiro-ministro quer o "Monde" de ontem?". Trovoada fez um olhar surpreendido: "Mas como é que você tem o "Monde" ontem?". Expliquei-lhe que saíra de Paris na tarde da antevéspera, já com o "Le Monde" desse dia (que, como é sabido, tem sempre a data do dia seguinte) debaixo do braço. Miguel Trovoada, homem que muito frequentara a França, sorriu, encantado com a possibilidade de ter notícias frescas da Europa, e, logo ali, disse que mandaria um carro à nossa Embaixada, para recolher a novidade informativa. O nosso embaixador prontificou-se a ser ele a mandar entregar-lhe o jornal, de imediato.

Para a pequena história, assinale-se que o governo santomense fez algumas concessões que permitiram acomodar as reivindicações dos nossos professores e me deram ensejo de com eles negociar o fim da greve. Dias mais tarde, viajei com o próprio Miguel Trovoada no avião de regresso a Libreville. E o jovem adido de embaixada que eu era regressou a Lisboa, impante, com a missão bem cumprida.

Será que o "Le Monde" teve alguma coisa a ver com isso?

(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)

quarta-feira, março 25, 2015

Coincidências


Foi anunciado que o avião da Germanwings que ontem se despenhou em França, provocando 150 mortos, era de um modelo precisamente idêntico ao avião da brasileira TAM que, em 2007, vitimou, em S. Paulo, 199 pessoas, entre os quais um cidadão português. 

Há em ambos os acidentes uma curiosa coincidência que envolve Filipe de Espanha.

Ontem, o rei Filipe estava em visita oficial a Paris, à hora do desastre em França.

Em 2007, na noite em que o avião da TAM se despenhou em S. Paulo, o então príncipe Filipe estava em Brasília, no âmbito de uma visita oficial ao Brasil. Casualmente, fui eu quem o informou do acidente, escassos minutos depois dele ter tido lugar. No decurso da conversa, na embaixada de Espanha em Brasília, recebi um SMS de um amigo que estava no aeroporto onde o desastre ocorreu.

Memorabilia diplomatica (XV) - Visita de Estado

Os três dias tinham passado na agitação e correria que é típica das visitas presidenciais a um país estrangeiro. Na manhã seguinte, far-se-ia o regresso a Portugal. O ministro e a sua mulher, acabado que foi o último jantar oficial, voltaram cansados ao quarto do hotel, ansiando por uma boa noite de sono.

Havia, porém, um ritual a cumprir: neste género de deslocações, as regras logísticas obrigam a que os membros das comitivas deixem as malas do lado de fora dos quartos, aí pelas cinco da manhã, por forma a serem recolhidas pelos bagageiros, que as colocam no avião, bem antes da partida. É desta forma que os presidentes e as suas comitivas podem sair diretamente dos hotéis para os aviões, já sem preocupações com as bagagens.

Para isso, porém, há que fazer as malas bem cedo, deixando para trás apenas as coisas básicas de higiene e o vestuário para essa manhã. Foi essa regra que a mulher do ministro cumpriu, já com o marido a dormir. Concluída a função, colocou as malas à porta e foi-se deitar.

No dia seguinte, aí pela sete horas, o ministro toma o seu duche e - surpresa das surpresas! - dá-se conta de que a sua mulher, por lapso, tinha colocado nas malas o seu par de sapatos. A essa horas, as malas já deviam estar no avião!

Que fazer? Era um "país de Leste", as lojas da cidade estavam fechadas, o "concierge" do hotel revelou-se sem soluções. E, há que convir, era política e socialmente imprudente o ministro surgir em peúgas na fila de cumprimentos. Ou não surgir, o que seria protocolarmente muito grave e abriria lugar a infindáveis especulações.

É nessas horas que os embaixadores justificam a sua existência. Ou não. O meu colega em posto foi alertado para a crise ministerial quando já estava, no seu carro, prestes a chegar ao hotel. "Que número usa, senhor ministro?". A resposta "41" terrificou-o, olhando desolado para os seus pés "38" e para a impossibilidade de encontrar, na sua própria casa, uma alternativa.

O carro continuava a rolar em direção ao hotel, onde o presidente o esperava. Mas o embaixador tinha bem claro que o seu ministro também o esperava, embora ainda no quarto, e, claro, aguardando uma solução. Na falta dela, como seria de presumir, lá se iria a desejada promoção e o tal posto, uma sinecura simpática que prometera à sua mulher e que perseguia há muitos anos, como fim de carreira.Que importava a qualidade dos dossiês técnicos, que a Embaixada tão bem tinha caprichado em trabalhar e apresentar, face ao drama do ministro? Que representavam anos de bons serviços, perante a presumível fúria ministerial, que o gáudio da comitiva iria potenciar?

Apesar da hora matutina, pouco propensa a rasgos, o nosso embaixador, olhando casualmente de viés entre os bancos da frente do seu Mercedes de serviço, a pedir uma substituição que o chefe da gabinete do ministro lhe assegurara na véspera, intui uma solução: nos pés do seu motorista. "Ó Arnaldo, que número é que você calça?". Surpreendido pelo intimismo do seu sempre reservado chefe, o Arnaldo responde: "40, senhor embaixador". E aí, pese embora o diferencial que a tragédia tornava irrelevante, o Arnaldo selou, em glória, o seu destino matinal: lá se ficou no carro, em peúgas, até ao regresso à Embaixada, depois da partida da comitiva presidencial.

Dizem-me que o ministro arvorou, nas despedidas, um ar grave e compungido, que alguns jornalistas - rapazes bem sagazes - levaram à conta da tensão entre o governo e o presidente, que os últimos meses tinham agravado. Ora a verdade, porém, era bem mais terra-a-terra.

(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)

terça-feira, março 24, 2015

Herberto Helder


Durante anos, achei Herberto Helder um poeta críptico. Um dia, li-o com mais atenção e fiquei fascinado com a sua escrita. Entre nós, há muito pouca gente como ele a dominar o uso certo das palavras, sem excessivos rebuscamentos, sem essa obsessão, tão comum, da "trouvaille" estilística arrebicada que esconde, atrás de um "barroco" tido por criativo, uma mera falta de ideias originais.
 
Sempre me perguntei como é que Herberto Helder "alimentava" a sua escrita, passando os dias, ao que sabe, numa obstinada reclusão. De onde lhe vinha a vida que enchia a sua poesia? Mas eu já desisti de tentar entender os poetas. Só os leio e cada vez com mais prazer.
 
Herberto Helder morreu agora.

"Shark tank"


Por mera curiosidade, vi o primeiro programa do "Shark tank", onde um grupo de empresários, entre os quais um amigo meu, avalia propostas de negócio de candidatos em busca de financiamento. Tinha feito sempre "zapping" nas versões estrangeiras, mas achei interessante observar como é que as coisas corriam em Portugal. Não achei muita graça ao programa, devo confessar, pelo que não fiquei "cliente".
 
Porém, interpretei como muito instrutivos alguns dos comentários que ouvi da parte dos quatro avaliadores. Penso que pode ser muito útil, para quem possa ser tentado em arriscar o seu dinheiro em alguns negócios, obter comentários francos, por parte de pessoas com experiência, sobre a razoabilidade de certos investimentos. Em particular para gente jovem, motivada a envolver-se nos mundo dos negócios, é bom poder receber conselhos de quem tem competência para os dar.
 
Por vezes, no meu dia-a-dia, tenho deparado com iniciativas comerciais e industriais que "entra pelos olhos dentro" que não vão funcionar, que são uma ruína anunciada para os seus promotores e que, no entanto, levam poupanças e esperanças. A verdade é que não sou o melhor exemplo para esses criadores de projetos económicos: nunca me meti num negócio, não arrisco um tostão em ações e, se o estímulo à atividade económica dependesse de mim, o país "parava". Nem na lotaria ou no totoloto alguma vez joguei! Talvez por isso, tenho um imenso apreço e admiração por quem arrisca o seu dinheiro, por quem cria empregos, por quem investe no futuro. Espero que o "Shark tank" possa ajudar a que muitos o façam, cada vez mais, mas com os pés bem assentes na terra.    

Os putativos

Entendo que o PS não deve ficar preocupado pelo anúncio da candidatura presidencial de Henrique Neto. 

Mas já acho que os socialistas devem começar a preocupar-se pelo facto de, na sua área política, não ter ainda emergido um candidato com uma vocação ganhadora.

segunda-feira, março 23, 2015

Memorabilia diplomatica (XIV) - Rota da Seda

 
A Ásia Central é uma região do mundo que vive sob o manto de um relativo desconhecimento, como que escondida atrás de uma Rússia com a qual tem uma relação complexa e ofuscada pela vizinhança mais mediática da China, do Irão e do Afeganistão.
 
A antiga "Rota da Seda" é constituída por cinco dos 15 países que resultaram da implosão da antiga União Soviética e tem, dentro de si própria, fortes contradições, parte das quais resultantes de alguma arbitrariedade na definição de fronteiras que Estaline lhes impôs. O seu processo político, desde o fim da URSS, não tem sido linear e tem passado por convulsões diversas, quase sempre sob modelos políticos autoritários.

Há uns anos, com outros quatro embaixadores da OSCE, viajei (já agora e para que não restem dúvidas: à minha custa!) por todos esses países e pude aperceber-me que, por detrás de nomes com terminações similares que induzem à confusão dos não iniciados (Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão, Uzebequistão), vivem realidades muito diferentes e, não raramente, conflituantes entre si. Petróleo, escassez de água, lixos tóxicos, questões religiosas e de minorias, para além das tensões estratégicas provocadas pelo radicalismo islâmico e pela fragilidade das culturas democráticas, são algumas das temáticas de que, sem qualquer dúvida, ouviremos falar muito no futuro. Os tempos da luta anti-terrorista acabaram por travar, em alguns deles, a abertura que já se pressentia nos respectivos regimes e, em certos casos, deram mesmo um álibi para novas vagas repressivas. Noutros, porém, tem vindo a detectar-se alguma dinâmica de inclusão cívica, que deve ser estimulada e relevada.

A experiência dessa visita deixei-a expressa num artigo que, à época, causou alguma polémica nos meios OSCE, pelo tom crítico que assumiu: "Central Asia - not always a 'silk road' to democracy"

É a propósito da Ásia Central que deixo hoje uma pequena história.

Durante a nossa viagem, num desses países sujeito a um regime muito autoritário, verificou-se ser impossível conseguir contactos com opositores ao regime de partido único, por óbvio receio de represálias. O máximo que se conseguiu foi falar com a representante de uma Organização Não Governamental local, dedicada ao acompanhamento da situação dos prisioneiros políticos. Ela entrou na sede da delegação da OSCE, onde nos encontrávamos, sabedora que tinha de aproveitar a presença de diplomatas ocidentais para dar conta da terrível situação que afectava alguns dos seus compatriotas. Relatou-nos, sempre sem recorrer a um tom dramático, algumas barbaridades cometidas pelo governo do país, deu-nos nomes e locais, detalhou as imensas dificuldades sentidas pela sua organização e o escasso apoio que conseguia junto das missões diplomáticas estrangeiras, muitas delas há muito convertidas à cínica lógica da "realpolitik". Todos ficámos impressionados pela serenidade grave desta mulher, pela sua dignidade e coragem, pelo muito que arriscara ao vir falar connosco. À saída, num tom quase neutro de voz, com uma naturalidade desconcertante, deixou-nos um simples pedido: "Se vos fôr possível, peçam às embaixadas ocidentais que existem aqui no meu país para estarem atentas ao que me pode vir a acontecer. É que estou segura que as minhas autoridades não me vão perdoar pelo facto de ter vindo falar convosco..."

É em ocasiões como estas que dou mais valor à democracia em que vivemos.

(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)

Henrique Neto


Pronto! Começou a corrida. Henrique Neto é candidato declarado à presidência da República. O primeiro.

Com 78 anos, um passado digno de anti-fascista, "self-made man", industrial, homem de palavra frontal, Henrique Neto não é um homem "fácil". Tens ideias próprias, diz sempre o que pensa e di-lo com palavras fortes, às vezes ácidas. No seio do Partido Socialista, ao olhar para as últimas décadas, verifica-se que quase sempre foi uma figura incómoda, incontrolável, crítica. 

Deixo daqui um sincero abraço de simpatia pessoal a Henrique Neto, pessoa que me merece respeito, com quem tenho trocado impressões esparsas e francas, ao longo destes anos. Um respeito que é agora reforçado pela coragem que teve para entrar nesta aventura, a qual nem por ser impossível deixa de ser nobre. Estarei algures, mas só lhe posso desejar um valente combate.

A hora dos amantes


Encontrar um lugar para estacionar em Campo de Ourique, respeitando em absoluto as passadeiras e os sinais de trânsito, está a tornar-se cada vez mais complicado. Para zonas mais distantes do parque subterrâneo, a única e mais sensata solução é mesmo ir de taxi (ou de Uber!).
 
Há dias, quando discutia com alguém a minha forte e frustrante experiência na matéria, recebi uma resposta curiosa:
 
- À noite? Há uma hora excelente, um pouco depois da meia-noite e até cerca da uma. Há sempre carros a partir.
 
- Ah! Sim? Do pessoal que vai aos restaurantes?
 
- Também! Mas quem é do bairro e o conhece bem tem uma outra explicação.
 
- Qual é?
 
- É a hora dos amantes. É o momento de regressarem às casas, às "legítimas"...
 
Campo de Ourique é um mundo!

domingo, março 22, 2015

Sonoridades sociais


O "social" bateu à porta de Xanana Gusmão: o seu divórcio está aí pelos jornais. Mas ainda não deve haver uma edição em tetum da "Caras"...

Embora o episódio seja talvez "politicamente incorreto", recordei-me hoje da reação de uma amiga minha, vai para muitos anos, quando deparou, pela primeira vez, com o nome do líder guerrilheiro de Timor-Leste. 

Pouco dada a acompanhar a atualidade, num tempo em que a luta da Fretilin não era manchete habitual nos nossos mídia, confessou-me que, ao ouvir o nome "Xanana Gusmão" achou que se tratava de uma "piquena" da Linha. 

Depois de um primeiro choque, refleti melhor e concluí que não causaria nenhuma estranheza que alguém dissesse: "Sabes quem encontrei no casamento? A Picucha Leite de Noronha e a Xanana Gusmão. Elegantíssimas!"  

Memorabilia diplomatica (XIII) - Queluz


Era um jantar de gala no Palácio de Queluz. Um rei ou um presidente estrangeiro estava em visita de Estado a Portugal. O protocolo esmerou-se em ter a imensa mesa com grandioso aspeto, belos candelabros e talheres de prata, o serviço de pratos mais requintado, tudo sobre uma toalha magnífica, só usada nas grandes ocasiões. Demorou horas a colocar tudo em ordem, mas o cenário era deslumbrante.

Salazar chegou bem antes do presidente português e do convidado estrangeiro deste. Era, cumulativamente com o cargo de chefe do executivo, ministro dos Negócios Estrangeiros e tinha um cuidado pessoal com estas ocasiões solenes.

Mesureiro e conhecedor do seu sentido de pormenor, o chefe do protocolo, cavalgando a oportunidade do bom trabalho feito, inquiriu se o senhor presidente do Conselho quereria dar uma vista de olhos à sala, antes de o jantar começar. Salazar disse que sim.

Lá chegados, o diplomata não resistiu e perguntou: "O senhor presidente do Conselho acha que está tudo bem? Gosta da toalha que escolhemos? Fomos buscá-la à Ajuda...".

Salazar esboçou um sorriso, entre o cínico e o irritado, e respondeu: "Muito bem, está tudo muito bem. E a toalha é linda. Pena foi que a tivessem posto do avesso...".

Esta é uma história clássica no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
 
(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)

sábado, março 21, 2015

A poesia do cozido


Que tem uma chouriça de sangue a ver com uma sextilha? E a orelheira, junto com a entremeada, rima com a farinheira ou com uma boa "pomada"? Em princípio, uma coisa é uma coisa é uma coisa e não tem a ver com as outras, não obstante o poeta, que já se foi, tenha garantido que "isto anda tudo ligado". Mas haverá algo de mais "poético" do que um grupo divertido de amigos a charlar sobre as coisas da vida (as boas e as más), dizendo cobras, lagartos e "tonnerres de Brest" sobre o governo que ainda por aí anda, agora que (já não era sem tempo!) "os cofres estão cheios", tudo à volta de um soberbo cozido à minhota, frente a uma vista deslumbrante sobre Lisboa, neste sábado luminoso, no dia mundial da poesia? E se a função, arquivada que foi a dimensão gastronómica, tiver sido completada pela oferta de livros de poesia, com recitação da dita pelos comensais e bebensais? Esta vida são dois dias e, por isso, mais vale viver à tarde do que nunca.

Obrigado, Carlos!

Memorabilia diplomatica (XII) - Loulé em Lomé


Foi em finais de 1989, em Lomé, no Togo, um pequeno país africano escrustrado entre o Ghana e o Benim. Estávamos no acto formal da assinatura da 4ª Convenção de Lomé, estabelecida entre a então Europa a 15 e os 69 países espalhados pela África, pelas Caraíbas e pelo Pacífico.

Foi uma cerimónia interminável, com imensos discursos e com os representantes de cada país (eram 84!) a serem chamados, um a um, a assinar o texto, no palco de um grande auditório da capital do Togo. Logo que o nome de um país era mencionado nos altifalantes, e enquanto se processava a deslocação do respectivo dignitário para a mesa da assinatura, desciam, pelas escadarias laterais do anfiteatro, coloridos grupos de dançarinos, ao som de uma música alusiva ao país em causa, levando à frente a bandeira e um cartaz com uma grande fotografia do respectivo chefe de Estado.

Como a ordem era alfabética, Angola foi o primeiro país de expressão portuguesa a ser chamado. Para nossa imensa surpresa, a música que acompanhou a assinatura pelo ministro angolano foi ... a "Tia Anica de Loulé". Esperámos por Cabo Verde, para ver se alguma morna de Cesária Évora era selecionada. Qual quê! Lá saiu outra vez a "Tia Anica"! E o mesmo aconteceu no caso da Guiné-Bissau, de Moçambique e de S. Tomé e Príncipe. E, claro, a coreografia do governante português, com o retrato imenso de Mário Soares a descer nas mãos de jovens pelas escadas do auditório, também se fez ao som da mesma música. Chegámos a interrogar-nos sobre se a alusão a Loulé não seria uma compensação pelo facto do primeiro-ministro ser de Poço de Boliqueime...

Cuidámos em não suscitar a nossa estranheza pela escolha da música junto dos nossos colegas dos PALOP, tanto mais que, no caso das antigas colónias francesas, britânicas ou belgas a seleção musical foi bem africana. É que, com resquícios de radicalismo, alguns poderiam ter pensado que se trataria de uma forma encapotada de neo-colonialismo musical da nossa parte, muito embora a organização do evento fosse africana.

Ele há cada uma!

sexta-feira, março 20, 2015

Memorabilia diplomatica (XI) - O quarto

Era no tempo das negociações para a entrada de Portugal nas Comunidades Europeias, essa primeira década dos anos 80 em que, com muito esforço e dedicação, vários sectores da sociedade portuguesa foram chamados a dar o seu testemunho sobre as práticas em vigor no nosso país, a fim de as procurar tornar compatíveis com as que eram seguidas nessa Europa a que pretendíamos aderir.

Naquele dia, eram os nossos produtores de leite que explicavam qual o tipo de vasilhame que era usado em Portugal. O técnico que tinha ido a Bruxelas falava um francês sofrível, com algumas falhas que, não sendo trágicas, eram, pelo menos, cómicas.

Uma delas teve graça e ficou na história da nossa adesão. Ao referir-se ao tipos de garrafas utilizadas em Portugal para a venda de leite, terá dito mais ou menos isto: "Au Portugal, nous avons des bouteilles de litre, de demi-litre et de chambre de litre".

O espanto dos auditores de língua francesa terá sido muito, ao serem confrontados com esta criativa forma de se referir ao quarto de litro...

(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...