A curta visita que a chanceler alemã, Angela Merkel, hoje fará a Portugal desencadeou um conjunto de reações, a maioria das quais corporizam na chefe do governo de Berlim os malefícios da cura de austeridade que Portugal está a atravessar. Pode entender-se a genuinidade da atitude de quantos são levados a interpretar as dificuldades da sua vida atual como o resultado direto das políticas seguidas pela Alemanha no plano europeu, pelo que até se compreende que, por exemplo, haja quem considere menos adequado o "timing" desta visita. Mas acho que convém haver alguma serenidade no juízo português sobre a dirigente alemã que hoje passa por Lisboa.
A senhora Angela Merkel é lider político de um grande país democrático, responsabilizada nessas funções por um eleitorado que hoje alimenta um maioritário sentimento de desconfiança sobre o comportamento de certos países do Sul da Europa, onde se inclui Portugal, que considera que seguiram políticas laxistas que tiveram como resultado a situação que hoje atravessam. No entendimento de que os processos de rápido ajustamento macroeconómico são a solução certa para superar o atual estado de coisas, a liderança alemã limita-se a reproduzir o sentido da vontade desse seu eleitorado, o qual talvez não tenha sido motivado para valorizar, na devida dimensão, os esforços que o nosso país tem feito, mostrando-se adversa à adoção de outras políticas que eventualmente poderiam tornar o processo português menos gravoso. Com toda a certeza, falta quem explique melhor aos alemães que o seu país é o principal beneficiário do mercado interno europeu e que, num passado não muito longínquo, toda a Europa comunitária foi solidária, e pagou por isso, com a concretização do seu projeto de reunificação.
É perfeitamente legítimo que, tal como acontece noutros países, exista em Portugal, por parte dos muitos perdedores dos dias que passam, um sentimento de revolta contra as políticas de austeridade que são obrigados a sofrer. Muitos entendem, muito simplesmente, que elas decorrem de orientações que a Alemanha impõe à Europa do euro. Mas talvez devamos parar para pensar um pouco sobre qual o verdadeiro papel da Alemanha em tudo isto.
O pacote de austeridade que hoje é aplicado a Portugal é produto de uma receita económico-financeira, que comporta algumas dolorosas reformas do Estado, que foi desenhada por três instituições internacionais - uma das quais, aliás, é presidida por um português (Comissão Europeia), outra tem outro português como vice-presidente (BCE) e a terceira tinha um académico lusitano como seu diretor para a Europa (FMI). Foram essas instituições quem negociou, com um governo português já então fragilizado pela perda de confiança política interna que o tinha afastado do poder, um programa de "assistência" que, à época, acabou por ser politicamente ratificado por outras forças partidárias portuguesas. O voto maioritário de muitos de quantos hoje entre nós protestam veio, aliás, a atribuir a essas outras forças políticas, que haviam sido determinantes no afastamento do anterior executivo, o encargo de passar a governar o país, nele incluída a responsabilidade de aplicar o programa acordado e, nessa tarefa, de decidir as escolhas específicas a fazer, dentre as medidas concretas que apontem no sentido das metas genéricas da condicionalidade que são determinadas pelo contrato subscrito.
O pacote de austeridade que hoje é aplicado a Portugal é produto de uma receita económico-financeira, que comporta algumas dolorosas reformas do Estado, que foi desenhada por três instituições internacionais - uma das quais, aliás, é presidida por um português (Comissão Europeia), outra tem outro português como vice-presidente (BCE) e a terceira tinha um académico lusitano como seu diretor para a Europa (FMI). Foram essas instituições quem negociou, com um governo português já então fragilizado pela perda de confiança política interna que o tinha afastado do poder, um programa de "assistência" que, à época, acabou por ser politicamente ratificado por outras forças partidárias portuguesas. O voto maioritário de muitos de quantos hoje entre nós protestam veio, aliás, a atribuir a essas outras forças políticas, que haviam sido determinantes no afastamento do anterior executivo, o encargo de passar a governar o país, nele incluída a responsabilidade de aplicar o programa acordado e, nessa tarefa, de decidir as escolhas específicas a fazer, dentre as medidas concretas que apontem no sentido das metas genéricas da condicionalidade que são determinadas pelo contrato subscrito.
Repito: pode acusar-se a Alemanha, cujo peso se sabe ser determinante no processo decisório europeu, de não ser sensível à necessidade de se associar a algumas medidas tendentes a aligeirar os efeitos desta cura financeira, quer em Portugal quer em outros Estados que atravessam circunstâncias similares. Mas faz parte do dever de pedagogia, em especial de quem tem obrigação de olhar para além da "espuma dos dias", explicar e fazer entender aos portugueses que a senhora Angela Merkel apenas exprime e objetiva, na sua prática política, aquilo que entende serem os interesses que a Alemanha, certa ou errada, entende dever defender. É que convém não esquecer que os governos dos países, de todos os países, são eleitos para promoverem os seus interesses, não os dos outros. E também lembrar que é para isso que, para além da Alemanha, também foram eleitos governos nos outros países.