quinta-feira, julho 14, 2011

Olá, amigo!

Estou contigo. Entendo que merecias ser tratado, em Portugal, de outra forma. O modo, ainda que simpático, como o polícia te interpelou, há dias, naquela esquina do Terreiro do Paço, soou a estranho. Que diabo! Chamar-te a atenção pelo fumo! Como se isso fosse um grande crime, no meio da rua, com a tua idade...

Faz agora precisamente 21 anos que nos encontrámos pela primeira vez, em Londres, estavas tu recém-chegado da tua Alemanha natal. Durante mais de quatro anos, tivemos um convívio muito agradável, quase quotidiano. Deste mostras de te adaptares bem aos costumes britânicos. Sentias-te verdadeiramente em casa.

Mudaste-te depois para Portugal, onde cuidámos em encontrar lugar para te acolheres e teres ocupação, embora nem sempre contínua. Em certos períodos, convivemos pouco, andávamos mais com outros amigos. É que tu havias-te habituado, desde muito cedo, a ir, de forma muito radical, pelos caminhos da esquerda. Cada um é como é, mas essa tua idiossincrasia teimosa, devo dizer-te, chegou a preocupar-nos, temendo que pudesse ter consequências nefastas, que te levasse a inconvenientes choques, que não te adaptasses ao novo ambiente. Gostes tu ou não, as coisas, aí por Portugal, são o que são...

Passaste muitas férias conosco, fizemos imensas viagens em conjunto. Com a nossa vida saltitante, tempos houve em que nos separámos, por longos meses. Mas sempre nos reencontrávamos, pelas nossas idas a Lisboa. E foste nossa companhia regular por esse país fora. Testemunhaste alegrias, estiveste presente em alguns momentos menos bons. Mostraste ser um amigo fiel e seguro. Às vezes, encontrávamos-te um pouco em baixo, sem energia, a tua saúde preocupava-nos, pregaste-nos alguns sustos, mas sempre te recompuseste. Não vale a pena esconder que tens alguns vícios - para além do fumo! -, porque pertences a uma geração marcada pelo excesso do consumismo. Infelizmente - sei que não vais gostar que diga isto, mas aqui vai! -, bebias (e bebes!) um pouco demais. Nunca vimos remédio para isso mas, reconhecerás, sempre tentámos conduzir-te da melhor forma que sabíamos. Gastámos contigo tudo quanto foi necessário para que nada te faltasse, para o teu pleno bem-estar. E sempre te perdoámos todos os teus excessos, porque gostamos de ti.

Mas a vida é o que é. Agora, tudo assim o indica, mais cedo ou mais tarde, vais deixar-nos, de vez. Podes crer que, quando esse momento chegar, vamos ter muitas saudades tuas. Mas ainda não é tempo para falar de coisas tristes. Hoje à noite, em Lisboa, vamo-nos encontrar de novo. Iremos ao Procópio e, depois, partiremos juntos para férias, no norte do país. Até logo, carro amigo!

(Carta aberta ao meu BMW, de 1990, com britânico volante à direita, o único carro que possuo em Portugal e que agora vai deixar de ser autorizado a passar pela Baixa lisboeta e, dentro de um ano, de circular por toda a cidade, por exceder os níveis de poluição determinados por lei).

"14 juillet"

No dia da sua Revolução de 1789, a França homenageou hoje as suas tropas, como é de regra, com um desfile militar pelos Champs Élysées.

O desempenho dos militares franceses em teatros de guerra, onde cumprem missões legitimadas por mandatos internacionais, justifica bem este gesto de gratidão.

Ainda ontem, no Afeganistão, cinco militares franceses morreram naquela que é uma das novas fronteiras da nossa segurança.

Às vezes, os cultores de certas escolas de pensamento, motivados por preconceitos ideológicos ou por animosidades políticas, tendem a esquecer que há operações militares justas. E que temos obrigação de saudar os militares que nelas se empenham.  

quarta-feira, julho 13, 2011

Jan Kulakowski

Tínhamos uma considerável diferença de idades mas, pelo que me apercebi nos vários contactos que com ele tive, não tínhamos grandes diferenças em relação à ideia da Europa. Falava um francês magnífico, como muitos polacos da sua geração.

Jan Kulakowski, que até há dois anos era deputado europeu, teve a seu cargo o dossiê da integração europeia, no gabinete do seu primeiro-ministro, nos anos 90. Sindicalista de origem, foi locutor de rádio e chefiou a delegação polaca junto da União Europeia.

Conheci-o em Bruxelas, em fins de 1995. À primeira vista era um homem fechado, mesmo difícil. À medida que conosco se abria, descobríamos uma figura muito elaborada, com um grande culto pela história. Uma noite, num jantar na embaixada polaca no Restelo, contou-me pormenores muito interessantes da história do movimento sindical na Polónia, que haveria de ser a grande alavanca para o futuro democrático do país. Fez-me então perceber esse mundo de contradições em que emergiu Lech Walesa. Era um sábio e disse-me uma frase que nunca esqueci: "Amo a Europa porque amo a Polónia". 

Morreu há dias.

Gulbenkian

A Fundação Calouste Gulbenkian vai mudar de instalações, em Paris, a partir do segundo semestre deste ano. No edifício da avenue d'Iéna onde, desde há quase meio século, tem estado instalado o seu Centro Cultural, e que foi a casa do próprio Calouste Gulbenkian ao tempo em que por aqui viveu, está aberta, até Setembro, uma curiosa exposição intitulada "Memória do sítio", a qual, para além de recordar a vida de Gulbenkian, faz um interessante passeio pela vida da própria casa - que, em si mesma, é um belo objeto arquitetónico. O catálogo da exposição é excelente, por ser, ao mesmo tempo, um útil repositório histórico.

Ontem estive por lá, naquele que foi um dos últimos atos culturais destes tempos do edifício da avenue d'Iéna. Com Emílio Rui Vilar, presidente da Fundação, tive oportunidade de encontrar Paula Rego, que vai ter uma sua exposição naquele espaço, daqui a uns tempos. 

Aproveito a ocasião para deixar aqui uma palavra de grande admiração, pessoal e institucional, pelo magnífico trabalho, que tenho tido o ensejo de testemunhar, ao longo destes mais de dois anos, levado a cabo pelo diretor do Centro Cultural Gulbenkian em Paris, e, simultaneamente, diretor internacional da Fundação, João Pedro Garcia. A ação da Gulbenkian em Paris, onde foi o oitavo diretor da história do Centro, não teria tido o brilho que teve se não tivesse sido dirigido pela sua mão culta e eficaz.

A foto que ilustra este post é de Jorge Molder, está na capa do catálogo da exposição e representa a escadaria da casa de Gulbenkian em Paris.

As ditaduras e a diplomacia

A conversa decorria aí há uns vinte minutos. As relações de Portugal com aquele país, que eu passara em revista com o respetivo embaixador, que viera a Lisboa apresentar as suas cartas credenciais, não justificavam uma audiência muito mais longa.

O país que representava era uma ditadura, daquelas que o mundo não hesita a qualificar como tal, mas que teimam em apresentar-se como modelos das "mais amplas liberdades". Na fase final da conversa, aproveitei para deixar alguns "recados" que a União Europeia sempre enviava às autoridades desse Estado, os quais justificavam as reticências que, sobre o seu regime, mantínhamos e que limitavam a nossa abertura coletiva a uma maior cooperação.

Por um acaso, eu conhecia aquele embaixador, há já alguns anos. Havia sido ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país e, à minha frente, ele ouvira em Bruxelas coisas muito mais violentas do que aquelas que eu agora lhe dizia, com alguma serenidade, a qual tinha também algo a ver com a simpatia pessoal que o homem me despertava.

Deixou-me falar até ao final e, quando terminei, pediu: "Importava-se que a nossa conversa continuasse sem a presença da sua colaboradora?". A minha adjunta, que tomava notas, saiu, a um sinal meu.

E foi então que me disse: "Desculpe esta minha atitude, mas eu precisava de falar consigo, a sós. Desde que nos conhecemos, Portugal, tem sido impecável conosco. Vocês dizem-nos o que o vosso governo pensa sobre o nosso regime, mas essas críticas têm sempre um tom construtivo, sem arrogância ou paternalismos. Gostava que soubesse que nós respeitamos muito o modo como Portugal atua".

Achei interessante, mas o que acabava de dizer não justificava o "tête-à-tête" solicitado. O que adiantou, de seguida, deixou tudo mais claro: "Nós conhecemo-nos já há algum tempo. Tenho defendido, da melhor forma que sei e posso, os interesses do meu país. Mas não imagina o que significa representar um Estado que é dirigido por um louco, por um déspota, que nos esmaga e que nos isola do mundo". E foi, por aí adiante, num requisitório em que revelou que vários colegas seus pensavam da mesma maneira, mas viviam aterrorizados e limitados naquilo que podiam fazer.

Já aqui escrevi, um dia, que a última coisa que um diplomata deve fazer, perante estrangeiros, é dizer mal das autoridades do seu país. Como dizem os americanos, "my country, right or wrong". Porém, devo dizer que fui sensível à tragédia daquele homem, um patriota confrontado com um ditador. Na diplomacia, como na vida, todas as regras têm exceções.

Porque é que me lembrei disto, hoje? Porque, há pouco, encontrei um outro diplomata desse país, que, já nem sei bem a propósito de quê, me começou a tercer loas sobre o seu bem-amado líder, uma figura funesta que permanece na cena internacional. Olhei ostensivamente para o meu relógio e achei que eram horas de mudar de ares.

terça-feira, julho 12, 2011

A hora da crise

Há quem pense que a zona euro pode estar a entrar no seu verdadeiro primeiro momento de verdade. O alargamento da situação de fragilidade de uma economia nacional com a dimensão e a importância da Itália, a confirmar-se a sua gravidade, conduz agora a crise europeia para um patamar diferente. 

Já não se tratará, simplesmente, de controlar derivas de economias periféricas, com mais ou menos "panos quentes" e "espadas de Dâmocles" individualizadas, mas de decidir, de uma vez por todas, se um projeto monetário comum pode, ou não, sobreviver sem instauração de outros mecanismos de natureza compensatória ou instrumentos criativos de financiamento, como os "eurobonds". Porém, a viabilidade destes modelos está dependente de um conjunto tão complexo de variáveis, nas muito diversas ordens políticas nacionais, que começa a ser legítimo interrogarmo-nos sobre se isto não será "areia demasiada" para a "carroça" europeia. 

Ontem à noite, um observador com grande experiência nestas andanças europeias dizia-me que temia que, um destes dias, um projeto que demorou décadas a construir pudesse ruir, como um castelo de cartas, em pouco tempo. Esperemos que este pessimismo não tenha razão de ser, até porque o modelo europeu tem agregado a si um conjunto de realizações (em especial, algumas políticas comuns), independentes do projeto da moeda única, que seria de grande irresponsabilidade pôr em causa.

Uma coisa é certa: em qualquer desses cenários, o saneamento das contas públicas, como aquele que Portugal está a levar a cabo, com grande coragem e determinação, continuará sempre a ser essencial. Não é por uma doença deixar de ser individual e, eventualmente, começar a mostrar-se como epidémica, que devemos deixar de tratar-nos.

Jornais

A realidade é a mesma, os olhares têm subliminares diferenças. Descubra-as:

"Dois anos de recessão profunda, prevê o Banco de Portugal", escreve o "on-line" do "Público".

"Banco de Portugal prevê recessão menor que a troika", no "site" do "Diário de Notícias".

segunda-feira, julho 11, 2011

Telemóveis

Cada vez me "passo" mais com os toques e as conversas de telemóvel em público. Eu sei que isso acontece a muitos, mas eu queixo-me aqui das minhas penas.

Há poucos dias, numa cerimónia religiosa com elevada tensão emocional, um telemóvel tocou. Pode acontecer a qualquer um, por distração. Porém o "paralelepípedo batizado" (era assim que o meu pai qualificava alguns patetas) em lugar de desligar de imediato, atendeu em voz baixa, para espanto de todos. Grunhiu uma coisas e - pensámos nós! - desligou o aparelho. Qual quê! Um minuto depois, o telefone voltou a tocar e, não fora uma espécie de onda de ameaça física de toda a vizinhança, preparava-se para responder de novo.

No dia seguinte, na sala de espera do aeroporto de Lisboa, uma mulher incomodou todos os circunstantes, alimentando com voz de ave canora uma longa conversa, como se os outros fossem obrigados a aturar as peripécias da sua vida e da família. Alguns estrangeiros, à volta, riam do ridículo da situação. Há leis para tudo, menos para acabar com estes espetáculos.

Recordo-me que, um dia, em Brasília, o pianista Adriano Jordão - que era também conselheiro cultural da nossa embaixada - dava um concerto. A sala estava cheia. O pianista iniciou a peça. Tocou um telefone. O Adriano Jordão parou de tocar e, voltando-se para a senhora que, com desespero, tentava calar a máquina, disse:

- Faça-me um favor. Se for para mim, diga que não estou...

Cortiça

3,3 biliões de rolhas de cortiça - isto é, uma para cada seis garrafas de vinho em todo o planeta - são vendidos anualmente pelo grupo Amorim, que tem em França, perto de Bordéus, uma filial, que tive oportunidade de visitar, em 2009.

O administrador do grupo, António Rios Amorim - que, por coincidência, é meu colega no Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro -, deu uma entrevista ao importante diário Sudoeste onde também revela que, depois de um crescimento de concorrentes plásticos, "a rolha de cortiça está de volta". Boas notícias.

domingo, julho 10, 2011

Jorge Lima Barreto

Duvido que o Jorge Lima Barreto, que agora morreu, se identificasse com a imagem caricatural do jazz que transparece desta tapeçaria do chileno Pedro Huart. Ele era mais de um "outro jazz", de um estilo com o qual nunca tive grande afinidade.

Fui amigo do Jorge desde os tempos de liceu, em Vila Real, onde ele apareceu, vindo da sua Vinhais natal, para fazer o antigo 5º ano do liceu. Era uma figura atípica, agitada, de olhar entre o grave e a gargalhada, que perturbava a serena cidade transmontana, naqueles anos 60.

Perdemo-nos de vista por algum tempo. Voltámos a ver-nos em Lisboa, a espaços, quando as coincidências isso propiciavam, cada um nos seus mundos, bem diferentes. Às vezes, lia com curiosidade o que ele escrevia. Procurei ouvir, com esforçada atenção, o que ele interpretava. Como disse, não fui muito sensível a ambos os registos mas, entre nós, mantinha-se, nas episódicas breves conversas, aquela confortável memória de tempos antigos.

Há uns anos, no Brasil, através do seu irmão, o ator Luis Lima Barreto, mandei-lhe o meu penúltimo abraço. Aqui vai o último. 

"Tour de France"

"O senhor chama-se Costa? Um português com o nome de Costa acaba de ganhar a etapa do "tour" - ouvi do empregado de balcão, ao registar-me num hotel de Rouen, ao final da tarde de ontem. Ganhou um sorriso meu, do tamanho do mundo.

É muito bom ser testemunha privilegiada dos êxitos de portugueses em França.

sábado, julho 09, 2011

Otão de Habsburgo

Só hoje falo do desaparecimento de Otão de Habsburgo, que teve lugar há já uns dias. Mas este atraso não tem a menor importância, porque também ele fez esperar a morte pelos muitos e bons 98 anos.

Sai de cena um descendente de outra Europa, o herdeiro virtual do império austro-húngaro. Acabou por ser protagonista ativo da Europa contemporânea ao manter-se, durante 20 anos, deputado ao Parlamento Europeu e um ardente defensor da unidade europeia. Politicamente cultivava opções ideológicas muito conservadoras.

Otão de Habsburgo viveu uma parte da sua vida em Portugal. Foi um dos beneficiados com os vistos dados por Aristides Sousa Mendes, o que permitiu à sua família atravessar a fronteira franco-espanhola e seguir para o exílio nos Estados Unidos, através de Portugal.

Conta-se que, um dia, ao ouvir dizer que havia um jogo de futebol Áustria-Hungria, terá perguntado: "contra quem?".

A comandante

Ontem à tarde, no início do voo Paris-Lisboa, antes das boas-vindas aos passageiros, ouvi uma hospedeira perguntar para outra: "Digo 'a comandante" ou 'o comandante' ?". Quem dirigia o avião era uma senhora. Disse "a comandante", claro.

Durante o voo, li uma longa entrevista de Maria Filomena Mónica a Anabela Mota Ribeiro, no "Jornal de Negócios". Nela se falava muito dos homens, do papel de afirmação da mulher na sociedade e de uma suposta complacência machista-latinista dominante em França no caso Dominique Strauss-Kahn (quem terá criado esta falsa ideia em Portugal?). Sintomática é a forma como o texto acaba: perguntada pela entrevistadora se a conversa teria decorrido do mesmo modo se tivesse sido um homem a colocar-lhe as perguntas, Maria Filomena Mónica (cito de cor) disse que não, que nesse caso teria sido mais agressiva nas suas respostas.

Não tem muita graça ver o machismo do outro lado do espelho.

sexta-feira, julho 08, 2011

Diogo Vasconcelos

Não conhecia pessoalmente Diogo Vaconcelos, que ontem faleceu em Londres. Mas tinha (e ainda tenho) a honra dele figurar como seguidor deste blogue - onde aparece numa fotografia com a muralha da China por detrás, que aqui prefiro a outras existentes na net com melhor resolução.

Temos amigos comuns, sabia que era das grandes figuras portuguesas dedicadas às novas tecnologias e recordo bem o seu sorriso amável em algumas ocasiões em que o vi na televisão.

Ontem fui a Lisboa despedir-me de uma amiga. Hoje, despeço-me aqui de um amigo virtual, que segue a mesma viagem.

Ainda as agências de notação

Quem estiver interessado pode consultar o artigo que hoje publico no principal diário económico francês sobre o comportamento das agências de notação financeira quanto à economia portuguesa.

O texto foi enviado na tarde de quarta-feira para o jornal. A questão colocada no seu último parágrafo acabou por ser (parcialmente) respondida ontem à tarde pelo Banco Central Europeu. Só nos podemos felicitar.

Leia o artigo (em francês) aqui (ou aqui) ou em português aqui.

A pedido da TSF, comentei o artigo desta forma.

quinta-feira, julho 07, 2011

Cátedra Solange Parvaux

Na vida diplomática, acontece-nos ter na ideia nomes de algumas figuras estrangeiras que, por uma razão ou por outra, se dedicaram ou dedicam, nos respetivos países, às coisas da cultura portuguesa. Solange Parvaux é uma dessas figuras míticas ligadas ao ensino da língua portuguesa em França, mas já havia desaparecido quando, em 2009, fui colocado na Embaixada em Paris.

Pedagoga e inspetora do ensino francês, Solange Parvaux "apaixonou-se" pelo português, tendo estado na origem da "Association pour le Développement des Etudes Portugaises, Brésiliennes, d’Afrique et d’Asie lusophones" (ADEPBA), sendo autora de vários livros sobre a nossa língua. A ela se deve um impulso decisivo para a consagração do português no ensino oficial francês.

Na terça-feira passada, tive o gosto de proceder, na Embaixada, à assinatura, em representação do Instituto Camões, conjuntamente com a presidente da universidade Paris III (Sorbonne Nouvelle), Marie-Christine Lamardeley, de um protocolo que institui a cátedra Solange Parvaux, naquela universidade.

Responsáveis universitários, amigos e admiradores de Solange Parvaux estiveram presentes nesse evento, onde tive ocasião de lembrar que o ensino da língua portuguesa na Sorbonne data já de 1919 e que, em 1930, foi criado naquela universidade o primeiro leitorado de português. Nestes tempos em que continuamos a procurar garantir um melhor lugar para a língua portuguesa no sistema oficial francês, o empenhamento do Estado português na criação desta cátedra parece-nos ser um bom testemunho da nossa determinação em assegurar esse objetivo.

Porque a ocasião foi também um momento festivo, houve música pela pianista Clare Longedike, numa colaboração com a Casa de Portugal/Residência André de Gouveia, na Cité Universitaire de Paris.

quarta-feira, julho 06, 2011

Para a Maria José

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
Da emoção que a hora tece.

Fernando Pessoa

Notações

Uma agência de "rating" internacional acaba de baixar a classificação de Portugal, assinalando um aumento de risco em torno da nossa economia, fazendo disparar os juros das obrigações portuguesas.

A publicação deste parecer, na véspera de um leilão de dívida, encarecerá os custos do Estado. Mas, essencialmente, acarreta um peso acrescido no normal processo de endividamento de outras entidades públicas e privadas, cujo respaldo do Estado português surge agora enfraquecido, com garantias mais difíceis de concretizar.

Não importa aqui "chover no molhado" sobre os critérios dessas agências, apenas sendo justo lembrar uma vez mais que o seu atual rigor serve, de certa forma, para compensar o olhar distraído que elas tiveram, durante anos, perante os riscos de muitos produtos financeiros sem credibilidade, que estiveram na origem da atual crise. 

O que agora afeta, na perspetiva dessas agências, a situação portuguesa, não tem em mínima consideração os esforços que as autoridades portuguesas estão a levar a cabo, colocando em prática, com um apoio político maciço e com um imenso sentido de responsabilidade, um programa de um rigor orçamental sem precedentes. 

No passado, como foi o caso das intervenções externas nos anos 70 e 80, o nosso país já havia dado mostras de ter capacidade para superar graves crises macroeconómicas. E a disposição corajosa que agora Portugal está a demonstrar é a melhor prova de que tudo faremos, uma vez mais, para superar esta nova situação. Mas nem a serenidade responsável com que o povo português está encarar o esforço que lhe é solicitado parece convencer os "olheiros" das agências de notação da nossa determinação.

Agora tudo se passa como se os rumores em torno de uma possível reestruturação da dívida grega, fruto de uma situação nacional muito específica que todos reconhecem diferente da nossa, tenham necessáriamente que arrastar Portugal para um tratamento idêntico pelos mercados.

Não deixa de ser irónico que, tendo o nosso país acordado com as instituições europeias e com o FMI um pacote de profundas reformas e de cortes drásticos na despesa pública, algumas das quais antecipadas já por nossa decisão autónoma, as agências de notação acabem, afinal, por mostrar-se "mais papistas do que o papa".

Será talvez legítimo pensar que a União Europeia, e, dentro desta, os atores principais que definem as opções de reforço da zona euro, talvez devesse refletir bem no facto de que esta permanente "navegação à vista", com decisões cumulativas "ad hoc", suscitadas em resposta à corrente dos acontecimentos, vai ser o melhor aliado do jogo especulativo dos mercados. Esta política de medidas avulsas acaba, sem a menor dúvida, por tornar muito mais caro agora aquilo que uma atempada decisão, firme e consequente, já poderia ter estancado há muitos meses. 

O que se passou nas últimas semanas, com alguma cacofonia contraditória entre a linha política do BCE e as iniciativas em torno dos "heterónimos" criativos com que alguns tentam tratar a ideia de reestruturação da dívida grega, aí está a mostrar os seus indesejáveis frutos.

(este texto serviu-me de "inspiração" para o artigo que, no dia 8.7.11, publiquei nos "Les Echos" - ver mais acima)

terça-feira, julho 05, 2011

Condecorações

Olhar para as condecorações dos outros, de forma mais ou menos discreta, é um vício que é muito típico de alguns diplomatas. Há dias, numa cerimónia no Mónaco, vi que um colega meu se fixava atentamente numa condecoração vermelha que eu trazia na lapela. A certa altura, não resistiu: "Que condecoração é essa? É a "Légion d'Honneur" francesa?", inquiriu.

Não, não era, expliquei-lhe. Era "apenas" a nossa Ordem de Cristo. "Mas tu, em Paris, andas sempre com outra condecoração na lapela!", retorquiu. Expliquei que assim era porque, em França, usava, por regra, uma condecoração que, em tempos, me tinha sido atribuída pelo governo francês, muitos anos antes de eu pensar em vir viver para Paris. E lembrei-lhe algo que pouca gente sabe: existe uma legislação francesa, datada do século XIX, que proíbe os cidadãos franceses de usarem, no seu território, as insígnias da Ordem de Cristo e de uma ordem da Santa Sé cujo nome não lembro, apenas porque ambas têm a mesma côr que a "Légion d'Honneur" e podem confundir-se com ela.

Lembro esta mania dos diplomatas curiosos, a propósito de uma história que o meu amigo Jaime Nogueira Pinto me contou, há uns tempos. Era a propósito de um militar que trabalhava no gabinete do presidente Óscar Carmona, nos anos 40 do século passado e que tinha então a seu cargo o serviço do protocolo. Por diversão e interesse cultural, esse coronel tornara-se num especialista em condecorações estrangeiras. Identificava-as e sabia a história de cada uma.

Numa certa receção, nesses tempos idos da ditadura, o seu olhar fixou-se nas condecorações vistosas de um embaixador latino-americano, que tinha a casaca pejada de insígnias. Com a complacência do hiper-condecorado, lá foi revelando os nomes das ordens de que esse diplomata era portador. Mas, a certo ponto, embatucou: "que condecoração é esta? Nunca a vi!". O diplomata, sobranceiro, respondeu-lhe: "Pois se o senhor as conhece todas, também tem de conhecer esta. Mas não lhe vou dizer o nome. Descubra!..."

A evolução da receção fez com que o militar e o diplomata acabassem por se separar antes do mistério ser esclarecido. É nessa altura que, com um sorriso, este último se volta para um colega português e lhe diz: "Gostei de ver a cara do vosso militar. Não conseguiu descobrir que condecoração era esta. Pudera! Fui eu que a desenhei e que a mandei fazer para mim mesmo...".

Depois de ouvir esta história, já tenho dado comigo a pensar se todas as condecorações que brilham no peito de alguns dos meus colegas são verdadeiras.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...