Santana Lopes é, sem o menor favor, uma das figuras mais interessantes da política portuguesa, nas últimas décadas. (Digo isto com o óbvio "disclaimer" de quem nunca teve com ele a menor afinidade, antes pelo contrário). Acho mesmo estranho que, até agora, nunca ninguém tenha feito uma sua biografia, num tempo em que isso está na moda. A menos que os potenciais biógrafos tivessem a consciência de que "you haven't seen it all". Se assim foi, tinham razão.
A postura de Santana no seio do "PPD/PSD" (como ele gosta de chamar ao seu partido) é a de alguém que quis sempre afirmar-se como uma espécie de herdeiro teórico de Francisco Sá Carneiro, de quem foi adjunto, embora nunca tivesse ficado muito claro o que é que isso significava em concreto, no terreno ideológico. Tribuno emérito em congressos, foi quase sempre uma "esperança" com escassa concretização prática nos voos mais altos. Várias vezes, porque o seu tempo não era o adequado, ficou na soleira do êxito.
Cavaco Silva, que não gosta dele (recordemos o mortal artigo no "Expresso" sobre a "má moeda"), nunca o chamou para ministro, tendo-o apenas escolhido como secretário de Estado, diz-se que na lógica que Lyndon Johnson aplicou um dia a John Edgar Hoover : "better to have him inside the tent pissing out than outside the tent pissing in". Durou pouco no cargo.
Uma certa imagem de "homme à femmes" colou-se-lhe à pele por muito tempo - o que sempre tive por uma das suas facetas mais simpáticas e urbanas - e tal não contribuiu para reforçar a sua imagem no plano de Estado. Pelo meio, teve sucesso como autarca, embora essas posições surgissem sempre, aos olhos de quem estava atento, como meros degraus de um percurso de uma (legítima) maior ambição política.
Com a saída de Durão Barroso para a Comissão Europeia, Santana Lopes viria a ser um inesperado primeiro-ministro, cooptado da vice-presidência do partido, sem passar pelo teste das urnas. Desde a caótica tomada de posse - discurso e trocas de governantes, à última hora - até ao momento em que, meses depois, Jorge Sampaio o despediu, sem glória, o seu governo foi feito de uma sucessão de episódios, que o país crismou para sempre como "as trapalhadas". Santana Lopes sentiu-se sempre injustiçado pelo gesto do antigo presidente, que já o tinha nomeado "à contrecoeur" e que deve ter sentido um imenso alívio ao ter tido pretextos para dele se ver livre, como decorre das suas memórias. Quer Santana Lopes aceite isso ou não, o país nunca estranhou o gesto de Sampaio.
Passos Coelho, no fim da era Sócrates, deu à escolha a Santana Lopes uma embaixada ou a provedoria da Misericórdia. Em boa hora aceitou esta última, onde consta que estava a ter um papel positivo, aí se rodeando de muitos dos seus tradicionais "compagnons de route". Entretanto, uma vez mais como comentador na imprensa e na televisão (onde já havia discutido desde futebol a política, neste caso num dueto com Sócrates), foi criando um estilo "statesmanlike", projetando um ar mais maduro e ponderado, a que associa uma simpatia natural, que muitos acham cativante. Ia-se-lhe lendo, contudo, nas palavras e nos silêncios, que a ambição política o não tinha abandonado. Não encontrou espaço para concorrer à presidência da República e terá mantido apenas a ficção de poder ser candidato a Lisboa nas últimas autárquicas. As oportunidades iam-se assim fechando (restava-lhe, talvez, tentar Belém depois de Marcelo, mas já nas calendas).
Agora, subitamente, Santana descobriu uma oportunidade para regressar à política ativa, à liderança do partido. É um "remake", é certo, mas é uma tentativa de relegitimação, para alguém que a necessitava. É mais uma "colina" no seu percurso de altos-e-baixos. É um ato, simultaneamente, de coragem (atento o previsível ciclo favorável de Costa, a perda da influência e do "dourar de imagem" que a Misericórdia lhe proporcionavam, bem como a imprevisibilidade do resultado do confronto com Rui Rio), de ambição (conseguindo, "in extremis", evitar o salto geracional que Montenegro ou Rangel significariam) e de resposta positiva a apelos de um certo PSD que é totalmente incompatível com Rui Rio.
Santana converte-se, assim, na principal "novidade", nos meses que se seguem. E não deixa de ser muito interessante que um partido que parecia a caminho de uma salto etário (Passos Coelho fizera já parte desse caminho) se reencontre com a necessidade de optar entre duas figuras vindas de um tempo anterior.
Quem conhece os cantos à casa social-democrata antecipa uma luta muito dura (e "muito feia", segundo alguns). Para quem está de fora, tudo indica que vão ser tempos de observação bem interessantes.