O “Expresso” deste fim de semana traz, na Revista, uma reportagem sobre Oslo e o caminho da capital norueguesa para se tornar uma “cidade do futuro” em matéria ambiental, graças às suas políticas favoráveis a soluções de vida sem carbono.
Por coincidência, passam este mês 40 anos que cheguei a Oslo, para aí trabalhar na nossa embaixada. Fiquei três anos. Tenho saudades? Depende daquilo de que estivermos a falar.
Tenho (claro!) saudades de ter 31 anos, de estar no meu primeiro posto diplomático, de sentir o futuro (fosse ele qual viesse a ser) à minha frente. Tinha (herdado do meu antecessor) um andar com uma bela varanda para Holmenkollen, o monte onde fica a pista de ski e que dá alguma graça à cidade. Foi esse o meu primeiro cenário de Oslo.
Ao longo do ano, a cidade muda, literalmente, da noite para o dia: no inverno entra-se e sai-se do emprego com luz artificial, no verão o sol encandeia às quatro da manhã e conduz-se sem faróis às dez da noite. Anda-se encasacado, de gorro e luvas, por muitos meses e, à menor réstea de sol, os locais sentem necessidade de saltar para a rua (“Os adoradores do sol”, chamou aos nórdicos Fernando Namora, num seu livro. O tema havia também sido tratado por José Gomes Ferreira, que foi vice-cônsul em Kristiansund, há quase um século, no “Tempo escandinavo”).
O meu trabalho era apenas medianamente interessante (a Noruega não é um posto importante na nossa carreira) e tive sempre uma vida nada fácil em termos de gastos (ontem como hoje, Oslo é “fogo” em matéria de preços). Mas achei alguma graça à experiência, talvez ainda mais por, em seguida, ter ido parar “com os costados” a uma Luanda em guerra civil e com mil privações.
Oslo era uma cidade que, chegado de Lisboa, eu via como demasiado calma, “uma Estocolmo com dez anos de atraso”, como então alguém por lá me dizia. Tudo fechava muito cedo, havia já um arraigado culto da natureza, que eu nunca me habituei a comungar (verdade seja que não me esforcei rigorosamente nada), um sentido nacional muito forte (anos depois, um fascista nacionalista provocaria por lá um impensável massacre) e um quotidiano marcado por uma esforçada (e quase arrogante) simplicidade espartana. O ski de fundo, as caminhadas pelos bosques, os desportos de natureza (o “orientering” era um vício), a bicicleta, etc - tudo isso fazia parte de um mundo a que eu era 100% alheio.
Na carreira diplomática há, muitas vezes, uma tendência para nos deixarmos “apanhar” pelas coisas, hábitos e até ideias locais. Nunca fui dessa escola do “go native”: mantive-me sempre uma orgulhosa “ilha” em todos os locais onde vivi - da gastronomia aos lazeres e ao resto dos costumes, “visitando-os” apenas com curiosidade quase etnográfica. E nunca me dei mal com essa independência cultural de vida, confesso.
Em Oslo, consegui encontrar, em especial em estrangeiros e diplomatas, muitos companheiros de recusa obstinada aos hábitos locais. Íamos nadar para piscinas públicas e, no fim, depois de uma sauna, parávamos numa espécie de lojas de rua com comida (as “gatekyøkken”) onde, em minutos, recuperávamos as calorias perdidas. Pizzas e grandes noitadas, com muita música, contribuíam para compensar passeios de ski onde, para escândalo dos meus amigos noruegueses, eu teimava em levar um pequeno vasilhame metálico com um líquido escocês de apoio. Mas se há coisa que eu, para sempre, aprendi em Oslo foi o prazer no usufruto das longas noites.
Depois de lá viver, voltei algumas vezes, a última das quais por três dias, quando estava em Paris. Fiz então o tradicional circuito dos locais onde vivemos (“aqui havia um loja de móveis, não era?”) e das cada vez menos pessoas que já por lá conhecemos (“lembra-se daquele jantar no palácio em que...”). Acabado que foi o reconhecimento ritual, esgotados os contactos, demos por nós perdidos na Karl Johans gate, sem rigorosamente nada para fazer, sem paciência para mais museus, já sem encontrar graça nas prateleiras do Glassmagasinet, sem jornais a comprar no Narvesen, sem nos passar pela cabeça ir ver cinema ao Saga ou passear pela Vika. Até resistimos a ir a um restaurante português! Não me estou a ver a regressar a Oslo.
Tudo isto dito, devo deixar claro que fiquei com uma grande e eterna simpatia pela Noruega e pelos noruegueses. Gosto de um povo que tem orgulho na sua história e se sente feliz com o estilo da sua vida, para o que a riqueza e o bem-estar que conseguiram criar muito contribui.
O “Expresso” diz-nos que Oslo vai ser a “cidade do futuro”? Para mim, foi a primeira cidade estrangeira do meu passado.