Um destacado político britânico comentou que o Reino Unido está num estado similar a ter de “unscramble scrambled eggs” (des-mexer ovos mexidos). Olhando o extraordinário resultado eleitoral de Nigel Farage, que leva (embora se não saiba por quanto tempo) para o Parlamento Europeu a maior bancada partidária daquele hemiciclo, só comparável à dos conservadores da CDU de Merkel, é legítimo concluir que, se a situação em Londres estava já confusa, mais intrincada passou a ser depois do partido que lidera o governo britânico ter sido humilhado pelos eleitores e dos seus principais opositores históricos, os trabalhistas, terem perdido metade da bancada de que dispunham no areópago europeu.
A abdicação de Theresa May, na véspera desse desastre anunciado, não foi surpresa. Fê-lo ao ter perdido a confiança mínima dos seus pares que um líder deve ter para manter o direito a usar esse título e, simultaneamente, ao ter esgotado o leque de soluções plausíveis para fazer aceitar o acordo que, em nome do seu país, firmara como os “vinte e sete”. Ao recordar, na sua declaração de despedida, que o seu partido se chama “conservador e unionista”, May deixou implícito que o impasse da fronteira irlandesa foi o seu grande obstáculo e será o busílis eterno de que qualquer futuro primeiro-ministro britânico se não poderá libertar.
“Brexit means Brexit” (Brexit significa Brexit), repetiu May, ao longo de meses. Nenhum dos candidatos à sua sucessão pode esquecer que, ao chegar ao nº 10 de Downing Street, levará consigo o compromisso imperativo de fazer sair o Reino Unido da União Europeia, decidido pelo povo britânico, num país que tem escassíssima tradição referendária, pelo que talvez leve mais a sério do que qualquer outro esse tipo de decisões populares. Se posso arriscar um prognóstico, diria que não irá ocorrer no Reino Unido um segundo referendo para um “sim ou não” à decisão de saída, embora não se deva excluir, em absoluto, a possibilidade de uma nova consulta, mas apenas para ratificar os respetivos termos. E também me parece impensável uma eleição geral, a ser decidida pela nova liderança conservadora, em face do catastrófico “teste” de domingo.
Teremos de nos resignar a um não-acordo ou um compromisso com os “27” ainda é possível? Quase tudo vai depender do programa com que o novo primeiro-ministro britânico vier a ser escolhido, pelos seus pares e pelos militantes conservadores, lá para julho. Mas a primeira hipótese, infelizmente, parece, por ora, ser a mais provável.
(Artigo no “Jornal de Notícias” de hoje)
3 comentários:
Lembremos que, mais uma vez, se demonstra que ser mulher não traz nada de novo ou diferente à política.
Lembremos, mais uma vez, a arrogância anti-democrática da comunicação social (e dos que a alimentam), na sua discriminação de candidatos e perseguição aos que "não estão do lado certo).
Lembremos, finalmente, que, mais uma vez, o povo se marimba para os moralistas que sabem sempre o que está certo e querem impor as suas ideias à canalha. O Povo... essa escumalha que não segue os artistas...
Não é a primeira vez que o RU tem uma liderança desastrosa. Mas se as coisas que aqui prevês se confirmarem significa que não há nenhuma alternativa que não seja desastrosa para o RU, e que lá se vai o lendário (e bem menos realista do que eu cri durante muitos anos) e o apregoado pragmatismo britânico. Quanto à referendos a prática local não é assim tão pequena. Para a devolution na Escócia fizeram os necessários para ter a resposta que Westminster queria.
Fernando Neves
O Francisco afirma corretamente que Farage leva para Bruxelas muitos deputados. Mas deveria olhar também para os deputados que os partidos declaradamente opostos ao Brexit levam. Se o Francisco somar a votação dos Verdes, dos Liberais Democratas, dos Escoceses, e do Change UK, todos eles declaradamente opostos ao Brexit, verá que esses 4 partidos obtiveram na totalidade mais votos do que o Brexit Party e o UKIP juntos.
Ou seja, a delegação britânica em Bruxelas será provavelmente mais anti-Brexit do que pró-Brexit.
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