sexta-feira, novembro 06, 2015

Olhe que não?


Foi há 40 anos. .

O país estava dividido ao meio.

          (nessa altura, o risco de guerra civil existia realmente. Nos dias que correm, as trincheiras são de retórica).

O governo também era "provisório".

          (mas era de outro tipo: tinha até comunistas, imaginem!).

Os sindicatos também rodearam o palácio de S. Bento

          (agora, lamentavelmente, também vão rodear, embora, desta vez, pacificamente, valha-nos isso, apenas para poderem dizer, para dentro do parlamento, com voz grossa, "também estamos aqui").

Mário Soares e Álvaro Cunhal enfrentaram-se então, a 6 de novembro desse ano memorável de 1975, num debate televisivo, moderado por José Carlos Megre (que é feito de ti?) e Joaquim Letria que parou o país.

         (hoje, um debate entre António Costa e Jerónimo de Sousa, além de impensável, teria a agressividade de um jogo entre-solteiros-e-casados).

Dessa conversa histórica, ficou o jocoso, "Olhe que não, olhe que não!", com que Cunhal afastava, sorridente, as acusações de deriva ditatorial que Soares lhe fazia. Menos de três semanas depois, parte do país político-militar anularia o aventureirismo da outra parte. E assim se caminharia para a democracia ("burguesa", claro, como Cunhal não gostava mas que, como Churchill disse, é "a pior forma de de governo, com exceção de todas as outras"). A mesma democracia ("burguesa", não é?) que hoje permite que o PCP possa ser chamado a ser parte da solução (I cross my fingers), se bem que, há já muito, tivesse deixado de ser parte do problema.

Será que António Costa já perguntou abertamente a Jerónimo de Sousa se o PCP vai, um destes dias, romper o acordo? E será que este lhe respondeu: "Olhe que não, olhe que não!"?

(Para quem tiver vontade de ver o debate, ele aqui fica. Quem quiser ouvir apenas uma síntese que, quase no final tem a "boutade" histórica de Cunhal, aqui está ela)

Os silêncios de Lisboa



Há momentos, sob este fantástico dia de sol de Outono de Lisboa - conheço algumas cidades com dias assim, nenhuma com a suavidade única desta luz - lembrei-me, de repente, do silêncio que, noutros tempos, se usufruia ao atravessar alguns bairros populares da cidade, vai para meio século.
Era uma Lisboa muito triste, embrulhada numa pobreza de vida - um "mal-de-vivre", em homenagem ao José Fonseca e Costa - que parecia fazer parte do seu inexorável destino: muitas casas como esta, gente mal vestida e sem esperança, serviços públicos degradados, transportes incómodos, o tal "viver habitualmente" com que a ditadura suspendera o tempo dos portugueses, entre os medos (a política, a religião, a guerra, o desemprego/emigração) e a felicidade, então domingueira, do futebol, com as tascas à mistura.
Por esses tempos, se atravessássemos certas zonas da Ajuda ou de Marvila, se nos ocorresse andar pelo interior dos Anjos ou do Bairro Santos, recordo-me bem que se "ouvia" um silêncio único, sem aquele ruído de fundo de automóveis que hoje faz parte do cenário urbano. Quando muito, uma Zundap, uma Famel ou uma Pachancho - as Harley-Davidson do fascismo. 
Nostalgia, isto? Não, apenas a constatação de que a vida era diferente. Ah! E nós também, claro! A única coisa comum é esta maravilhosa e única Lisboa.

quinta-feira, novembro 05, 2015

O sorriso de Marcelo


Há poucas ambições de destino que possam rivalizar com a de Marcelo Rebelo de Sousa. É lendário o seu afirmado objetivo, quase desde a infância, de poder vir a ter um futuro institucional à escala nacional. Já nos tempos em que Marcelo Caetano, na sua “travessia do deserto”, juntava na “Choupana” os fiéis que iriam acompanhá-lo na substituição de Salazar, o irrequieto filho de Baltazar Rebelo de Sousa era admitido nas conversas, imagina-se que com a complacente tolerância dos circunstantes. Esta imersão total na política doméstica, que passou pelo mundo universitário católico e pelos alvores da Sedes, teria a sua glória na aventura irreverente do “Expresso” e na constituição do PPD, acabando numa pouco notável experiência governativa e numa frágil liderança do partido a que a sempre se mostrou ligado, onde o seu carisma afetivo é retribuído com fervor quase clubista.

O país, contudo, fixou bastante mais o “outro” Marcelo: o professor que “dava notas” aos políticos, na rádio e na televisão, figura que foi evoluindo para um bizarro papel de “tudólogo”, alguém que fala e tem opinião sobre tudo, sem deixar, contudo, de sugerir-se em permanência como alternativa para mais altos voos. Um dia, em Paris, ouvi Eduardo Lourenço qualificá-lo de forma magistral: “O Marcelo é como uma pessoa que está numa varanda a ver passar o país, comentando todos e cada um. Às vezes, nesse “voyeurisme”, acontece-lhe fazer apreciações sobre o próprio Marcelo que passa...”

Neste jogo de sombras em que está transformada a corrida presidencial, Marcelo foi tendo a sorte dos teimosos. Guterres, a sua grande sombra geracional, desistiu cedo. Santana deu a si próprio um golpe de Misericórdia. Rui Rio, por uma tempestade perfeita de azares e alguma culpa própria, saiu de cena. Mal-amado por uma direção do PSD que representa um partido diferente daquele que ajudou a criar, com um brilho intelectual que acaba por atenuar o défice de credibilidade que a sobre-exposição e a prolixidade obsessiva lhe colou à pele, Marcelo (o facto de o país o tratar pelo nome próprio reflete a intimidade que criou com os portugueses) tem hoje perante si dois candidatos à esquerda que, podendo acabar por não ser fáceis, não são obstáculos absolutamente intransponíveis às suas ambições.

Mas é face a uma direita em estado político de estupor, conformada com o facto de ver-se obrigada a aceitá-lo como o seu candidato, que Marcelo se dá hoje ao luxo de encetar uma operação tática de distanciação, em especial deixando cair farpas regulares ao seu possível antecessor. Ao mesmo tempo, vai seduzindo o centro e divertindo alguma esquerda, que não consegue deixar de achar graça à sua inexorável heterodoxia. O que Marcelo deve sorrir! Porém, resta saber se será o último a rir.

As chaves do Cairo


Este retalho de memória vem na sequência da nota que aqui ontem publiquei sobre a morte de Itzhak Rabin, passado em novembro de 1995. Para tal, recupero parte de um texto antigo que aqui escrevi há três anos. Num registo menos pesado.

Nas últimas horas, muito se tem falado do deserto do Sinai, cenário triste do atentado ou acidente que vitimou os viajantes do voo que ligava Sharm el-Sheikh a São Petersburgo. (Uma amiga enviou-me ontem um email, informando ter partido do mesmo aeroporto, uma hora antes...). Desde há alguns anos, o Sinai converteu-se numa zona de alto risco. Atravessá-lo passou a ser uma aventura insensata e, ao que a imprensa reporta, já quase impossível para viaturas civis. Mas não era assim nesse tempo.

Como ontem relatei, e após o assassinato de Rabin, a delegação portuguesa, chefiada por Mário Soares e que eu acompanhava em representação do governo, havia interrompido subitamente a visita a Gaza, que se sucedia a uma estada em Israel. Nessa manhã de 5 de novembro de 1995, saíramos da Faixa de Gaza para o Egito, pela "pesada" fronteira de Rafah, onde Israel mantinha então um controlo, politicamente muito sensível para os palestinianos.

Um avião posto à disposição pelo governo egípcio iria buscar-nos à cidade de Al Arish, umas dezenas de quilómetros adiante, onde era suposto almoçarmos, num hotel de praia sobre o Mediterrânico. Mário Soares, insistiu em tomar um banho e alguns o acompanhámos. Ainda hoje guardo umas belas fotos da autoria de Rui Ochoa, com Mário Soares, Alfredo Duarte Costa e eu, vestidos com uns longos calções emprestados.

À época, era nosso embaixador no Cairo, Eduardo Nunes de Carvalho, uma figura muito simpática da nossa "carreira", onde era conhecido pelos amigos pelo "nickname" de "Iá".Era uma pessoa por quem tinha uma grande estima e consideração e que, infelizmente, nos deixou há já algum tempo. Hhomem de sorriso permanente, de uma agudeza fina de espírito, muito culto e educado, foi uma das boas "cabeças" que serviu a nossa diplomacia. Tinha, porém, como todo o ministério sempre soube, uma relação algo desligada com as coisas e, em especial, com o tempo, com distrações e atrasos que se tornaram lendários na tradição oral do MNE.

Nessa manhã, para receber o presidente à chegada ao território egípcio, o "Iá" tinha vindo ter conosco, de carro, do Cairo a Al Arish, depois de uma jornada de várias horas, através do Sinai. E chegou a tempo do almoço, depois do nosso banho. Soares insistiu que ele nos acompanhasse na nossa viagem de avião para a capital egípcia. O seu carro, com o seu motorista, iniciou então o regresso pelo mesmo caminho, atravessando o deserto do Sinai e o canal do Suez, devendo chegar ao Cairo lá pela noite. 

Nós chegámos às primeiras horas da tarde. Mário Soares, a Dra.Maria Barroso e o ajudante de campo foram para uma "guest house", posta à sua disposição pelo presidente egípcio. Percebi que o presidente se separava contrariado da sua delegação, "exilado" num palácio que lhe limitava os movimentos e a companhia. O resto dos portugueses, que incluía deputados, jornalistas e algumas figuras da vida pública portuguesa, foi instalada num hotel. Eu não perdi tempo: com a assessora de imprensa do presidente, Estrela Serrano, aproveitei para ir ver as pirâmides e a esfinge. A memória de p"O mistério da Grande Pirâmide", de Edgar P. Jacobs, perseguia-me. Era a primeira vez que ia ao Cairo e, tendo uma horas livres, decidi aproveitá-las bem.

Regressámos ao hotel ao final da tarde. Notei que o embaixador, um excelente conversador, ainda pairava por lá, no lóbi, a fazer companhia aos membros da delegação. A certa altura, Mário Soares telefonou a perguntar o que íamos fazer, onde íamos jantar. Disse-lhe que não tínhamos planos para sair do hotel e que aí jantaríamos. Soares de imediato se entusiasmou: "vou ter aí convosco!" Pediu-me então para passar o telefone ao embaixador Nunes de Carvalho. A este, Soares fui percebendo que Soares dizia ter tido a ideia de, antes do jantar, o grupo português conhecer a residência oficial do embaixador, situada umas escassas centenas de metros do hotel, também na ilha de Zamalek, o bairro onde estávamos.

Notei que o embaixador começou a titubear na conversa, resistindo à ideia, dizendo que já não havia muito tempo, explicando que tinha a sua mulher fora do Cairo, para além de outros pretextos de ocasião, que me pareceram pouco convincentes. Ora a sua casa era a residência oficial do Estado e nada mais natural seria que acolher, ainda que para uma simples bebida antes do jantar, o chefe do Estado e os seus convidados. A minha estranheza era tanto maior quanto Nunes de Carvalho era um "homem do mundo", que gostava de receber e recebia muito bem, como eu próprio tivera oportunidade de testemunhar noutras embaixadas onde com ele me cruzara.

A conversa entre o embaixador e o presidente, com o último a fazer aquilo que eu presumia ser uma contínua pressão para a aceitação pelo embaixador da ideia que tivera, foi-se prolongando, com Nunes de Carvalho, entre risadas nervosas e frases incompletas, tentando dissuadir Mário Soares. Até que, finalmente, o ouvi retorquir: "Ó senhor presidente! É que eu tenho um problema, que nos impede, em absoluto, de ir lá a casa". Fiquei curioso e apurei o ouvido. Depois de mais uma gargalhada, sempre muito mais de nervos do que de graça, gaguejando um pouco de embaraço, o embaixador esclareceu o presidente: "É que eu - desculpe ter de dizer-lhe! - deixei as chaves de casa no meu carro, que está a atravessar o deserto do Sinai, e que só chega daqui a umas horas. Vou mesmo pernoitar no hotel..."

A verdade é que o embaixador, não sonhando com a hipótese da sua residência ter de ser "mobilizada" na ocasião, e na ausência da sua família, havia dispensado todo o pessoal. Sendo já tarde e, para mais, estando sem motorista, num tempo em que pouca gente tinha telemóvel, seria impossível andar à procura, pelo dédalo do Cairo, das segundas chaves da casa.

E lá jantámos nós, com o nosso embaixador como convidado, no antigo Gezirah Palace, hoje um Marriott, cujo corpo central havia sido construído para a inauguração do canal do Suez, em 1869, um evento que, à época, foi testemunhado localmente por um viajante português que muita graça achava aos episódios da diplomacia que serviu - José Maria Eça de Queiroz. Voltei a ficar nesse hotel por duas vezesm depois dessa visita. E sempre recordo esta história.

quarta-feira, novembro 04, 2015

Itzhak Rabin


Em 4 de novembro de 1995, Itzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel, foi assassinado por um extremista judeu, durante um comício eleitoral em Tel-Aviv. Na véspera, eu acompanhara Mário Soares a um almoço informal que Rabin lhe oferecera, na sua residência, em Jerusalem. Soares estava de visita a Israel e a Gaza, naquela que seria a sua última viagem oficial ao estrangeiro como presidente da República. Eu acompanhava-o, em substitução do MNE Jaime Gama, juntamente com a minha chefe de gabinete, Ana Gomes.

O chefe do governo israelita era um amigo antigo de Mário Soares. Como vice-presidente da Internacional Socialista, Soares lutara pela aproximação de vários governos europeus a Israel, um país que acabara de assinar acordos de paz com Yasser Arafat, sob a égide da Noruega e dos Estados Unidos. No tocante às relações bilaterais, havia sido Soares, em 1977, como primeiro-ministro, quem decidiu estabelecer relações diplomáticas a nível de embaixada entre Portugal e Israel, quebrando assim uma distância entre os dois países que vinha dos tempos da ditadura.

Nesse dia 4 de novembro, depois de Soares se ter ido despedido do presidente Weizmann, partimos de Jerusalém em direção a Gaza, em carrinhas blindadas, fortemente guardados por seguranças israelitas, Atravessada a fronteira, Yasser Arafat aguardava Mário Soares. Arafat era outra figura que tinha uma excelente relação pessoal com Soares, forjada quando, anos antes, este correra fortes riscos para o visitar, ao tempo em que estava cercado, numa zona ameaçada de Beirute. Arafat nunca esqueceu isso.

A tarde desse dia, em Gaza, decorreu num ritmo intenso, com vários encontros e visitas. Arafat ofereceu um jantar oficial a Soares, findo o qual conduziu o chefe de Estado português à "guest house" onde este se hospedava. Estávamos os três a conversar numa sala quando, de repente, entrou um militar e disse algo ao ouvido de Arafat. Pela reação de espanto do líder palestino, que se escusou e saiu, percebemos que seria algo importante. Escassos minutos passados, Arafat regressou. Tinha ido atender uma chamada do MNE israelita, Shimon Perez, que lhe havia comunicado que o primeiro-ministro Rabin tinha sido objeto de um atentado e estava ferido. Um par de minutos mais tarde, nova chamada confirmava que Rabin tinha morrido. Muito perturbado, Arafat despediu-se de nós e saiu.

Mário Soares e eu tentámos então avaliar o que devíamos fazer e procurámos contactar em Lisboa o primeiro-ministro António Guterres. Mas os telemóveis não funcionavam e só um tempo mais tarde, através de um telefone-satélite militar, viria a ser possível falar com Guterres. Recordo-me que, quando Soares me ouviu a tentar sossegar o primeiro-ministro, dizendo que estávamos bem e em segurança, retorquiu, do outro lado da sala, entre o irónico e preocupado: "Em segurança?! Este é, neste momento, o lugar mais inseguro da terra!". Naquela altura, não sabíamos quem era o assassino e a probabilidade de ser um expremista árabe era a mais provável. Soares falou finalmente com Guterres e ficou combinado que suspenderíamos a visita oficial, logo no dia seguinte.

Assim aconteceu. Nessa manhã, despedimo-nos de Arafat e atravessámos a fronteira para o Egito. Mubarak mandara uma avião buscar-nos numa cidade próxima e fomos dormir ao Cairo. No dia seguinte, Soares e eu regressámos a Jerusalém, onde representámos Portugal no funeral de Rabin. Sob uma segurança impressionante, a cerimónia iria juntar uma rara multidão de chefes de Estado e de governo de várias partes do mundo.

Um dia, talvez arranje tempo para contar, em pormenor, as histórias e peripécias dessa memorável viagem.

Rabin morreu faz hoje precisamente 20 anos. Lembro-o nesta noite fria, aqui em Varsóvia, uma cidade onde se escreveram muitas páginas trágicas da história do povo judeu.

terça-feira, novembro 03, 2015

Um comentário ainda a tempo

Durante o último ano, ouvimos repetidamente o poder de turno repetir, de forma insistente, que temos (presumo que era um plural majestático) de "agradecer" aos portugueses pelo extraordinário esforço que fizeram ao longo dos últimos anos.

Sempre me irritou esse conceito, que parece reproduzir, mas de uma forma "patronizing", o gesto de reconhecimento que, regularmente, os empresários fazem junto dos seus colaboradores mais aplicados e produtivos. 

Ora os cidadãos não são "empregados" dos governantes. Estes não têm nada que lhes "agradecer"! O que coligação tem de fazer, e ainda não fez, é pedir desculpa aos portugueses pela dose cruel de austeridade que lhes impôs, muito para além daquilo que o "memorandum of understanding" obrigava, apenas para satisfazer a sua agenda ideológica radical. Deviam lamentar que, não obstante os cortes nos salários, nas pensões, o caos e desinvestimento em muitos serviços público, os números record de emigração económica provocada e todo o restante calvário de medidas impostas, a dívida, que devia ter regredido, afinal subiu brutalmente e a destruição de emprego atingiu números impressionantes. Ficar-lhes-ia muito bem fazer um "mea culpa" no momento em que se preparam para deixar o poder. Mas, conhecendo-os, não tenho a menor esperança. Ou, como se dizia antigamente lá por minha casa, "não estamos com gente disso".

Aos bonés?

No intervalo do trabalho num país onde, depois de recentes eleições, não há um único deputado de esquerda no parlamento (imagino que em Portugal alguns desejassem este "dream scenario"), leio na nossa imprensa que o governo está a "ler" o programa do PS, com vista a poder integrar algumas ideias na proposta que vai submeter à Assembleia da República. 

Se a ideia, em si mesma, "nesta fase do campeonato", é um tanto bizarra, mais estranho, em termos de comunicação, foi o propositado "leak" feito pelo pelo governo. 

Será que pensam que isso será "bem visto" por alguém? Virá na linha da tardia operação de sedução (de quem?) que constituiu a criação do Ministério da Cultura & ofícios (não muito) correlativos? 

Sem qualquer ironia, começa a parecer sensato concordar com a Marques Mendes quando afirmou que o partido PSD/CDS anda "aos bonés".

PS

Já disse e redisse o que penso sobre a solução de governo que a liderança do PS decidiu fazer com os setores à sua esquerda. Mas há qualquer coisa de estranho neste afã que leva alguns críticos da solução defendida por António Costa a reunirem-se ainda antes da presumível queda do governo da coligação. Não é crível que dessa reunião possa sair um documento programático que venha a condicionar o teor do acordo tripartido que estará em vias de preparação. E também me parece impensável, conhecendo-o, que a iniciativa de Francisco Assis possa visar a mobilização de votos dentro do grupo parlamentar contra essa proposta, num apelo ao desrespeito pelo compromisso de voto assumido para casos como estes. Não seria mais avisado esperar para ver o teor do possível acordo com o PCP e o Bloco? É que será pela comparação serena entre o programa que o PS levou a votos e esse mesmo acordo que qualquer juízo substantivo de valor pode ser feito. Sendo assim, só posso perguntar, citando um clássico que dirá alguma coisa a muitos dos presentes na reunião: qual é a pressa?

segunda-feira, novembro 02, 2015

Varsóvia


A Polónia é o "gigante" do último alargamento da União Europeia, o maior e mais importante dos países a que a queda do muro, na Berlim do "amigo alemão", deu um novo destino. Um destino para o qual, há que reconhecer, foi ator relevante, de Walesa a Karol Wojtyla. Mas um destino que estará sempre refém de uma geografia muito dura e do peso traumático de uma história.   

A nova democracia polaca é pujante mas tensa, vivendo agora dias complexos. A própria ideia da Europa, que aqui encontrei tão apelativa há 20 anos, surge hoje embrulhada em interrogações, de que fazem parte variados temores. Os meus amigos polacos esforçam-se sempre por explicar-me o que se passa, o que daqui pode resultar e as suas muitas dúvidas.

Hoje, vou ouvi-los. E, desta vez, em matéria de incertezas, também tenho para a troca... 

A manhã


domingo, novembro 01, 2015

José Fonseca e Costa

Morreu hoje José Fonseca e Costa, uma das grandes personalidades da história do cinema português. Ninguém diria que tinha 82 anos!

Era um homem elegante, inteligente, com graça e com mundo, alguém com quem dava gosto conversar. Não voltaremos a tê-lo pelas noites do Procópio e pelos jantares anuais da sua Mesa Dois, aos quais, por diversas vezes, o consegui levar, como ainda aconteceu no ano passado.

Um último abraço, caro amigo.

Os russos e o Sul


Há mais de uma década, quando vivia em Viena, fui convidado a participar numa conferência em Sharm el-Sheikh, no extremo sul da península do Sinai, no Egito. A cidade não tem a menor graça, é um mar de hotéis, uns melhores do que outros, aproveitando todos as águas macias e transparentes do Índico, cheias de corais (e, às vezes, com alguns tubarões). Nós passávamos os dias encafuados em salas fechadas, em graves discussões sobre segurança, com um sol lá fora a apelar ao "baldanço". Mas eu era "keynote speaker" e tinha de levar a sério o convite. Só ao final da tarde é que me aventurava a dar um mergulho.

Passar uma noite no deserto, sob as estrelas e com um ritual de absoluto silêncio, bem como visitar o curioso mosteiro de Santa Catarina, na base do Monte Sinai, eram, no entanto, trajetos turísticos obrigatórios para quem ia a Sharm el-Sheikh, incluídos no nosso programa. Recordo para sempre uma curiosa conversa com um padre espanhol do mosteiro, que me falou longamente da sua experiência egípcia, na solidão daquele deserto. Dizem-me que a segurança impede hoje essas viagens, a exemplo do que também sucede do nordeste do Sinai, onde já se não faz o interessante percurso, atravessando o Suez, entre o Cairo e Al Arish uma magnífica praia, com hotéis um pouco "délabrés", não muito longe da fronteira de Rafah, no acesso à faixa de Gaza.

Numa das noites em Sharm el-Sheikh, deu-me para fazer um longo percurso exploratório pelo extenso hotel onde decorria a conferência e estava hospedado, desenhado em forma de crescente. A certo passo desse passeio, deparei-me com um bar. Dele emanava boa música, gente com um ar de turistas, divertidos e ruidosos, com algumas mulheres muito bonitas. Dirigi-me ao balcão a pedi uma bebida. Notei que alguns dos circunstantes, eles e elas, me olhavam com alguma curiosidade. A barwoman que me serviu, que notei que era tudo menos egípcia, perguntou em inglês a minha nacionalidade. Satisfeita a curiosidade, explicou-me que aquele era "um bar para russos". Ela também o era e, de facto, à volta, tudo estava escrito em cirílico e, quase de certeza, a única pessoa não-russa que por ali parava era eu. Acabei de beber o meu whisky e zarpei para o "meu" lado do hotel. 

Por esses dias, eu havia-me esquecido que Sharm el-Sheikh, desde o fim da União Soviética, era um local muito popular de férias para os russos com algum dinheiro (os que têm mais dinheiro vão para destinos mais glamorosos). Há por ali vários hotéis praticamente "só para russos" e aquele em que eu estava tinha uma das suas alas que lhes era totalmente destinada. Eu é que me perdera por lá, por engano.

Ontem, ao ver a notícia do avião cheio de turistas russos que descolou de Sharm el-Sheikh em direção a S. Petersburgo, e se despenhou pouco depois perto do Monte Sinai, recordei aquele whisky que bebi no bar eslavo do Sul.

O tempo de entrada


O PDR anunciou que não dará indicação de voto na primeira volta das eleições presidenciais, ao mesmo tempo que o seu líder, Marinho Pinto, desistiu de se apresentar na ocasião. Como sabemos, o PDR não conseguiu eleger um único deputado nas recentes eleições legislativas. O único sucesso por aquelas bandas acabou por ser a eleição do próprio Marinho Pinto para o Parlamento Europeu, há mais de um ano, embora sob a bandeira de um outro partido, que logo abandonou. 

Todos nos recordamos ainda das declarações escandalizadas que fez, logo que chegado a Estrasburgo, protestando contra o "excesso" de benesses dos parlamentares europeus, o que logo foi seguido da afirmação de que não prescindia de nenhuma delas, porque necessitava do dinheiro por motivos familiares. Não foi a sua "finest hour" e, confesso, tive então o pressentimento de que esse era o princípio do seu fim político.

Com sincera pena sobre uma pessoa que conheço há muitos anos, a quem o país ficou a dever, em tempos, algumas declarações desassombradas que abanaram o espaço público, acho legítimo concluir que Marinho Pinto pode estar a desaparecer como figura pública com alguma relevância. 

Sempre considerei Marinho Pinto um democrata e, ao contrário de outros, nunca o vi como um populista com um perigoso discurso anti-partidos. Frequentemente, apreciei a sua coragem, a sua frontalidade e e o seu destemor. Mas fico com a ideia de que, com este ziguezaguear autocentrado em que a sua vida política se converteu, acabou por "perder o tempo de entrada", como se diz de alguns atores que se revelam desajeitados em cena. A peça vai prosseguir sem ele. 

sábado, outubro 31, 2015

Sugestão de leitura para o fim de semana


"Conversas cruzadas"


Amanhã, domingo, na Rádio Renascença, depois das 12 horas, num debate moderado por José Bastos, vou estar à conversa com Manuel Carvalho da Silva, antigo líder da CGTP, sobre a atual situação política.

Um justiça "à la carte"

No caso José Sócrates, a respetiva defesa tem denunciado, de forma bastante agressiva, o que entende ser a arbitrariedade das instituições da Justiça, considerando, nomeadamente, que ela releva de uma sanha corporativa contra o ex-PM. Esta atitude dos advogados tem sido lida por grande parte da comunicação social como uma forma intolerável de pressão sobre o sistema judicial, saudando frequentemente a independência que este tem demonstrado.

Foi contudo interessante verificar que, aquando do surgimento das duas únicas decisões judiciais que parece favorecerem a defesa de José Sócrates - a obrigatoriedade da abertura do processo para consulta pela defesa e, agora, a decisão de proibir a divulgação de peças em segredo de justiça (e só destas) por parte de um grupo de comunicação social que se tem destacado nesta prática ilegal -, a reação da imprensa tenha sido exatamente de sinal contrário. Os operadores judiciais que proferiram as decisões foram acusados de objetiva cumplicidade com os interesses de Sócrates, rotulados de parcialidade e coisas de idêntico jaez.

Este tipo de reação conduz à impressão de que, afinal, a Justiça é independente quando decide contra José Sócrates mas é logo considerada cúmplice deste quando toma uma atitude que pode favorecer a sua defesa. Curioso, não é?  

sexta-feira, outubro 30, 2015

O otimismo

Desde há umas semanas que faço um esforço hercúleo para ser otimista. Os mais benévolos dentre os meus amigos políticos acham-me, por estes dias, uma insuportável Cassandra. Outros já me olham como um "direitolas", conivente objetivo (quando não subjetivo) com o(s) governo(s) que mais detestei desde 1980. Não os posso ajudar: digo apenas que penso.

O meu esforço para ser otimista vai agora ter de ser redobrado. Porquê? Porque caí na asneira de ouvir ontem o que disse Jerónimo de Sousa na SIC Notícias e estou ainda a "digerir" a decisão da CGTP de se manifestar, em frente do parlamento, na data prevista para a queda do governo hoje empossado.

Voltemos a 2009...

Imaginemos o seguinte cenário, em 2009.

Eleições legislativas. José Sócrates não consegue renovar a maioria absoluta. Só obtém 93 deputados (de facto, teve 97). É, contudo, o partido mais votado.

O PSD obtém 91 (teve 81) e o CDS obtém 25 (teve 21). PCP e BE somados têm apenas 21 deputados (de facto, tiveram 31)

A líder do PSD é Manuela Ferreira Leite. A campanha, marcada por uma bipolarização feroz, foi terrível entre os dois lideres. Nessa sequência, nenhum entendimento entre Sócrates e Ferreira Leite era viável. Mal se falavam.

Cavaco Silva chama Sócrates, líder do partido mais votado, para formar governo.

Sócrates, com uma solução minoritária, como todos lembrarão, pergunta a cada um dos restantes partidos se acaso querem entrar para um governo de coligação, para formar um executivo de maioria absoluta. Todos recusam.

Sócrates decide então avançar com um governo minoritário. O governo apresenta o seu programa na AR. É rejeitado pelo PSD e CDS (na altura não tinham força para o fazer), com abstenção do PCP e Bloco.

É então que, nesse cenário, PSD e CDS, que dispõem coligados de uma maioria absoluta (116 deputados), fazem um acordo entre si e informam o presidente que têm uma solução maioritária.

Alguém acredita que Cavaco Silva não daria posse a Ferreira Leite como primeira-ministra?

Mas, mais importante ainda, passa a alguém pela cabeça que a questão dessa aliança "dos que perderam as eleições" se ia colocar? Como responderiam PSD e CDS o argumento da sua "ilegitimidade" fosse colocado?

A legitimidade democrática e os mercados


Haverá boas e más razões para se ser contra a experiência de um governo minoritário do PS, com apoio dos partidos à sua esquerda. Já por aqui falei das dúvidas que a fórmula me suscita.

Há, contudo, duas razões que me recuso a aceitar.

A primeira tem a ver com a ideia de ilegitimidade desse presuntivo governo, por provir da agregação da vontade política conjugada de três formações que, cada uma delas de per si, não ganhou as eleições. É democraticamente ridículo, perante o impasse de uma proposta visivelmente minoritária, que não consegue garantir, por ação ou omissão, apoio parlamentar suficiente, dar por adquirido que o parlamento não tem o direito de gerar outras soluções de governabilidade. Ou alguém duvida que, em 2009, se o PSD e o CDS tivessem somado 116 deputados, face a um PS minoritário mas com mais votos do que qualquer deles, a dra. Manuela Ferreira Leite teria sido primeira-ministra?

Foi patético observar o leque de reservas políticas com que o presidente procurou ajudar a escorar esta frágil argumentação, não obstante ser a mesma pessoa que, durante anos, andou a apelar para “consensos” maioritários. Talvez devêssemos ter subentendido que isso significava sempre a inclusão nessas fórmulas do partido de que é militante.

Eventualmente por essa razão, alguma imprensa europeia, insuspeita de progressismo, mas pouco dada às idiossincrasias consuetudinárias que alguns querem erigir por cá em jurisprudência constitucional, se vê por estes dias em palpos de aranha para perceber o "drama" que ecoou das palavras do presidente. Embora seguramente entenda melhor a pré-nostalgia, expressa num tremendismo que pretende lembrar os idos de 1975, que já atravessa as hostes da direita portuguesa.

A outra razão é a que, subliminar ou expressamente, aparece espelhada nalguns comentadores, em especial na imprensa económica: os mercados não querem uma aliança à esquerda. Mal estaríamos se um país tivesse de condicionar, em absoluto, as suas opções governativas aos humores dos “traders” das salas de mercado.

Todos já percebemos que, com a criação da UEM, do euro e do compromisso de manutenção de objetivos macroeconómicos cumulativos para nele subsistir, que se soma ao espartilho das regras de economia liberal que marca a filosofia prevalecente no âmbito do mercado interno europeu, os Estados colocaram-se voluntariamente num colete de forças. O capitalismo é o sistema adotado pela Europa comunitária, “o socialismo está proibido", como alguém disse um dia, pelo que subsiste apenas um escasso terreno de manobra aos governos nacionais mais dados “ao social”, feita de opções fiscais e de um moderado reformismo, nas margens do diverso possibilismo orçamental. Não vale a pena lembrarem-nos isso: já sabemos! Mas arroguemo-nos, pelo menos, o direito nacional de escolher, bem ou mal, quem vai gerir essa nossa (falta de) liberdade.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, outubro 29, 2015

O "front"

Há qualquer coisa de valentia "kamikaze" nos nomes que se propõem para secretários de Estado deste imemorável XX governo constitucional. Conhecendo alguns deles - outros não vou necessitar de decorar - quero acreditar que não entram para o elenco apenas para ficarem com uma linha governativa no currículo. Nem uma Cresap muito complacente lhes creditaria nunca, como experiência, os breves dias que terão de pouso nas cadeiras do executivo. Só espero que não desatem a nomear chefes de gabinete, adjuntos e assessores... 

Correndo embora o risco de estar muito enganado, a versão nobre é a de que possamos estar perante uma "frente" organizada de uma geração política que deseja, com bravura de trincheira flamenga, dar o peito às balas certas, numa demonstração pública de solidariedade com a coligação que agora entrou em penosa e derradeira agonia. Gente que andou pelos blogues e pelo twitter (menos por um facebook hoje convertido na "loja dos trezentos" das redes sociais), alguns com espaço na imprensa, pessoal saído de universidades onde Popper faz de grande arquiteto universal da liberdade, Schumpeter e a escola de Chicago de profetas de novos amanhãs liberais que assobiam, pessoal que já perdeu o medo ao politicamente correto dos cravos e do Zeca, de baioneta política acerada contra os esquerdalhos que aí se anunciam, já a sair do Rato, descendo a rua de S. Bento a caminho do palácio que ameaçam tomar neste inverno. 

Não quero cometer a crueldade de trazer para aqui exemplos históricos que, na primeira metade do século passado, de Guadarrama a Saló, podem ter servido de inspiração romântica a este suicídio dos bravos. Mas, com alguma medida sinceridade, saúdo a galhardia e só posso lamentar que, no anunciado sacrifício, acabem por cair, na trincheira, ao lado de muitos que lhes não merecem o gesto.   

Apodos


Hoje, um amigo mandou-me um SMS em que falava dos meus "correligionários". Devo dizer que adoro este tipo de linguagem geracional, muito distante daquilo que hoje é vulgar ver publicado na imprensa dos nossos dias. Lembro-me de quando era vulgar utilizar a palavra para qualificar quem pensava politicamente da mesma forma.

Vivi ainda o tempo da ditadura, quando o mundo se dividia entre os que eram da "situação" e os do "reviralho" ou, para alguns setores pouco politizados, designar alguém que se sabia comunista como tendo "ideias avançadas".

Mas o que mais me diverte, ainda desse tempo antigo, são os apodos, as "alcunhas afrontosas", como vem nos dicionários.

Ainda me recordo de ouvir republicanos "ferozes" designar os monárquicos por "talassas" e os envolvidos na aventura restauracionista da "monarquia do Norte" como os "trauliteiros".

Da linguagem da oposição à ditadura, fazia parte, por exemplo, chamar os republicanos históricos que se tinham exilado em Espanha e França como os "Budas". A Mocidade Portuguesa era "a Bufa" e os seus membros os "piolhos verdes"(1). Tratava-se depreciativamente o pessoal do regime como "fachos" ou "reaças"(2), com os mais radicais, já nos anos 70, a serem qualificados de "ultras"(3). Mas também usar o "esquerdalhos" (4), num tom um tanto condescendente para a generalidade do "povo de esquerda" ou o sonoro "emieles" para qualificar a generalidade dos grupos "marxistas-leninistas" (maoístas). Ou ver a extrema-esquerda pronunciar o termo "revisas" (para "revisionistas") ou "social-fascistas"(5) para mimosear o PCP.

Depois do 25 de abril, a direita passou a tratar os comunistas como "comunas" e os socialistas como "chuchas".

Acho muito graça a esta terminologia política depreciativa. Alguém se lembra de mais?

ps - Prometo atualizar o texto com as contribuições criativas (mas não com as simplificações, tipo "anarcas" ou similares)
(1) contribuição de Maria Amélia Clemente Campos
(2) contribuição de Victor Figueiredo
(3) contribuição de Victor Figueiredo
(4) contribuição de João Freitas
(5) contribuição de Nuno Roby Amorim

Novas eleições?

Anda por aí uma agenda temporal estranha, ligada à hipótese de Cavaco Silva, em caso de derrota do governo minoritário do PSD/CDS, optar por não indigitar António Costa. 

Nessa eventualidade e segundo tais "contas", um governo de gestão teria de permanecer até junho de 2016, o período constitucional mais cedo possível para um novo sufrágio para a Assembleia da República.

Acho muito estranho que se alimente este tipo de especulação, em que comentadores e imprensa estão a embarcar, e que só contribui para projetar 2016 como um ano de incerteza, dando de Portugal a imagem de um país mergulhado numa prolongada crise. 

Mas por que diabo terá de haver novas eleições legislativas? Nada impede o novo presidente, que tomará posse em 6 de março, de nomear de imediato António Costa, aceitando a solução que Cavaco Silva recusou. Seguramente que Maria de Belém ou Sampaio da Nóvoa assim o farão. 

Resta assim Marcelo Rebelo de Sousa. Haveria que perguntar-lhe o que fará se acaso tal circunstância vier a obrigar a uma sua decisão. Prefere manter um governo de gestão? Porque é que ninguém lhe coloca a questão?

quarta-feira, outubro 28, 2015

Um parlamento novo?

Neste tempo em que se abre uma nova legislatura, deixaria três sugestões:

1. Que o Bloco de Esquerda colocasse na agenda a questão da exclusividade de funções dos deputados. Todos sabemos que o "bloco central" alargado tem dificuldades em ter dessas iniciativas...

2. Que a imprensa escrutinasse com atenção as indicações partidárias para as comissões parlamentares de natureza mais técnica, no sentido de se perceber se acaso alguns dos nomes indicados não poderão ter algum conflito com os interesses que defendem no foro privado.

3. Que, no tocante às indicações de nomes para as assembleias parlamentares de organismos internacionais - área onde, como é sabido, há muito "turismo parlamentar" -, antes de qualquer renovação de anterior mandato, fosse feito um inventário dos relatórios feitos por esses deputados, decorrentes da sua itinerância, durante a legislatura que terminou.

É cá por coisas!

terça-feira, outubro 27, 2015

O breve governo

É de destacar que tenha havido pessoas, fora do serralho do anterior executivo, que se disponibilizaram para integrar o novo governo de Pedro Passos Coelho. Não deve ser fácil a figuras de algum relevo profissional abandonarem o sossego dos respetivos lugares e sacrificarem-se a integrar um governo com "morte anunciada", daqui a breves dias. Ponho porém essa atitude mais a crédito das convicções e bastante menos a uma atitude à D. Luiza de Gusmão, que terá afirmado que "vale mais ser rainha por um dia do que duquesa toda a vida".

"Algarve mediterrânico"


Tenho muita pena de não poder hoje assistir, no restaurante "Chapitô à Mesa", ao lançamento do livro "Algarve Mediterrânico - tradição, produtos e cozinhas". Já tive o ensejo de o ler e recomendo-o vivamente - e não faço isso por aqui muitas vezes, como reconhecerão.

Os excelentes textos são de Maria Manuel Valagão, as contribuições gastronómicas são chefe Bertílio Gomes e a apresentação fotográfica, de qualidade muita rara, é assinada por Vasco Célio. Dizer que edição é da "Tinta da China", que tem hoje dos melhores "produtos" gráficos portugueses, diz o resto.

Leia aqui algo sobre o livro. Quem puder, passe por lá. É na Costa do Castelo, nº 1, às 18.30 horas.

O recado ibérico e a Europa

O senhor Mariano Rajoy, presidente do governo espanhol, afirmou: "O que estou a ver em Portugal também não me agrada".

Como português, entendo que quem de direito deveria dizer ao senhor Rajoy que deve meter-se mais na sua vida política interna, onde tem bastante para resolver, e deixar-se de comentários desta natureza, que legitimam que, um destes dias, alguém por cá possa ser tentado a dizer que lhe agrada, por exemplo, a pulsão independentista da Catalunha.

A Europa é uma constelação de nações unida por um projeto comum. Se comentários como os do senhor Rajoy sobre Portugal - que recordam os de Passos Coelho sobre a Grécia - se multiplicam, arriscamo-nos a legitimar uma espécie de "droit de regard' de uns países europeus sobre a vida política interna dos outros, o que é, no mínimo, uma perversão do modelo de convívio em diversidade que União Europeia pretende representar.

A mim também me não agrada a escolha política que a Polónia ontem fez. Mas a última coisa que gostaria era ver um chefe de governo português a emitir "bitaites" sobre o novo poder em Varsóvia. Mas disso parece estarmos livres: trata-se de um governo de direita e, tal como perante as diatribes anti-democráticas do senhor Órban na Hungria, nem o senhor Rajoy nem Passos Coelho parecem interessados em pronunciarem-se.

Eduardo Ferro Rodrigues


Há pouco mais de um ano, escrevi por aqui isto:

"Ferro Rodrigues é um dos mais sérios políticos portugueses, um homem de princípios como conheço poucos, uma figura que honra a nossa democracia. Em todos os lugares que ocupou deixou uma rara marca de rigor, de competência e de dedicação à causa pública."

Agora que Eduardo Ferro Rodrigues foi eleito como segunda figura do Estado, não vou inventar nada. Repito apenas o que disse e em que profundamente acredito. Como amigo, mas também como testemunha, há mais de quatro décadas, do seu percurso impoluto de cidadão e de democrata, só posso deseejar-lhe as maiores felicidades. Trata-se de um cargo que, pelas excecionais circunstâncias que o nosso país atravessa, se reveste da maior exigência. Porém, muito poucas pessoas, em Portugal, estariam em condições de o exercer melhor que Eduardo Ferro Rodrigues seguramente o fará. 

Daqui a pouco, Cavaco Silva, estranhamente no meio de uma crise política e sem um governo que tarda (porquê?) em tomar posse, parte em visita a Itália, como se a situação que se vive não justificasse a suspensão desta deslocação. Para se ver como algumas coisas mudaram em Portugal, basta pensar que a chefia do Estado fica interinamente a caber a Ferro Rodrigues. E bem.

Mediterrâneo


No âmbito do ciclo de conferências "Tendências Globais 2030: os futuros de Portugal", estarei na noite de hoje na Fundação de Serralves, no Porto, a discutir o tema "O Mediterrâneo Sul, entre a Democracia e a Guerra", com o presidente da Assembleia Constituinte da Tunísia, Mustapha Ben Jafar. A moderação estará a cargo do embaixador António Monteiro.

segunda-feira, outubro 26, 2015

Refugiados


A beleza desta fotografia, que mostra refugiados a caminhar através da Eslovénia, lembra que os caminhos da tragédia na Europa estão muito mais próximos de nós do que às vezes supomos.

Os amigos da dissidência


Eles andam por aí de lupa. Escrutinam declarações, inventariam adversativas, procuram dissonâncias, esgravatam distanciamentos, magnificam clivagens, enfim, tentam criar a onda que possa travar o que parece inevitável. São os que ainda assentam a sua réstea de esperança naquilo que julgam ser a "dissidência" socialista.

O tema, claro, é o "vermelhusco" governo alternativo à sua querida coligação. Desde a noite das eleições, figuras que, para a direita, eram, ainda na véspera, alvos de crítica ou desprezo, passaram, de um momento para o outro, a ser escutados oráculos de sabedoria - desde que, em algo que tivessem afirmado, fosse possível descortinar algo que "desse jeito" para poder ser utilizado contra António Costa. Deputados de outras bandas,  "has-beens" no remanso da reforma, comentadores mais "outspoken" - tudo é arrebanhado, com avidez, por esses detetives do potencial dissídio, esses polícias que aplaudem a palavra desviante. Na sua folha laranja de excel, todas essas figuras são colocados a crédito de uma residual e sectária esperança, da zizania, da "revolta", da indignação. 

Até eu, já bem fora das lides, só porque escrevi que não tenho a menor confiança nas garantias que possam vir a ser dadas pelo PCP ou pelo Bloco, com vista a sustentar uma eficaz governação PS durante toda a legislatura, acabei por ser elevado, na linguagem desses coletores de nomes, a "peso pesado" partidário - o que, não sendo mentira, só se transforma em verdade pelo meu peso real, depois de um fim de semana de largas comezainas. 

A direita, dos jornais complacentes e dos blogues ao seu afanado serviço, anda por aí de cabeça perdida. Pensando bem, não deixa de ter alguma graça, chega mesmo a ser até bem divertido. Enfim, é um pouco como a Coimbra da canção: tem mais encanto na hora da despedida...

"A tarde de S. Lourenço"

Passaram 50 anos e eu estava lá. No estádio da Luz, nesse dia 17 de outubro de 1965. De visita a Lisboa, fui ver o jogo a convite dos meus primos Augusto e Luis Filipe, benfiquistas "de carteirinha", como dizem os brasileiros, que tinham estado na final gloriosa de Berna, em 1962. Nessa tarde - os jogos eram então sempre à tarde, às 15 horas, em todos os estádios - chovia "que deus a dava".

O Sporting jogava contra o Benfica. Lourenço, "avançado-centro", como à época se dizia, marcou quatro golos a Melo, que substituíra um lesionado Costa Pereira, naquele seu jeito simples mas eficaz de jogar, num ataque onde havia outro homem-golo, o Figueiredo, o "Altafini de Cernache". Eu integrava una bancada quase 100% benfiquista, pelo que foram 90 minutos de contenção no contentamento.

Foi a famosa "tarde de S. Lourenço", gravada na memória dos sportinguistas e, com certeza, de forma impressiva, na do próprio jogador, que injustamente Manuel da Luz Afonso não iria convocar, no ano seguinte, para os "Magriços", que disputaram o Mundial de Inglaterra.

Ontem, no termo da vitória do Sporting sobre o Benfica, lembrei-me de Lourenço e dos seus quatro golos na Luz. E recordei a cara fechada dos meus primos, no autocarro da viagem de regresso, comigo numa alegria educadamente contida, nesse ano que acabaria com a conquista do título pelo Sporting.

Duas décadas depois, em 14 de dezembro de 1986, também ao lado de outro benfiquista triste, o meu amigo António Massano, testemunhei os famosos 7-1 ao Benfica em Alvalade, com Manuel Fernandes a marcar também quatro golos.

O Sporting das últimas décadas é mais parco em vitórias? É um facto, mas, não se preocupem os que não gostam de nós: vai havendo suficientes alegrias. Como foi o caso de ontem. 

Jornalismo

1. Ainda eu estava a comemorar - e acabei (bem) no Fialho, em Évora - mais uma vitória do Sporting sobre um clube vizinho, uma esforçada agremiação que connosco persiste em manter uma saudável rivalidade, quando, por um acaso, passei pelo telejornal da TVI. E eis que deparo com um espetáculo insólito: Judite de Sousa, "a armar" a Gabriel Alves, citando a despropósito denúncias de arbitragem, a "atiçar" Pedro Guerra contra José Pina, ou vice-versa. Posso perceber a "orfandade" provocada pela saída de Marcelo Rebelo de Sousa, entender que Marques Mendes está a fazer mossa nas audiências nesta nova conjuntura, mas nunca pensei que a TVI, sob a direção do meu amigo Sérgio Figueiredo, tendo como pivot uma jornalista séria como é Judite de Sousa, necessitasse de montar um circo como este. Francamente! 

2. Leio também que a ERC, bem atenta aos valores nacionais, acaba de emitir um alerta sobre a necessidade dos canais porno darem mais atenção a filmes de produção nacional. Não fosse este um blogue "de famílias" e eu dar-me-ia liberdade para algumas graçolas primárias, para as quais me puxam os Church. Mas não, como diria Régio, não vou por aí! Apenas me interrogo sobre quem serão os colaboradores da ERC a quem estará cometida a espinhosa e ingrata missão de acompanhar as emissões porno. Imagino-lhes as olheiras...

domingo, outubro 25, 2015

A direita e a rua

"A Rua" foi um conhecido jornal de direita, editado em papel forte, no pós-25 de abril, sob a direção de Manuel Maria Múrias. Era redigido num português "de lei", com um discurso a contraciclo com o ambiente da época: o facto de assumir a defesa de um regime que os militares tinham acabado de derrubar fez com que a vida do jornal fosse curta.

Fala-se agora por aí que "a direita vem para a rua". Para além de umas arruadas queques, com "lodens" e palhinhas à mistura, na transição de 85 para 86, só me recordo da direita portuguesa ter vindo para a rua em força atrás dos socialistas, na luta contra o PCP e a "esquerda militar", a "António Serpa fardada", como sempre dizia uma amiga minha.

Mas, atenção! Se a direita portuguesa, insatisfeita com o curso político, decidir vir para a rua manifestar-se, tem todo o direito a fazê-lo e ninguém deve opor a isso a menor resistência ou provocação. Embora alguma direita não acredite, o 25 de abril também se fez para que ela possa usufruir da plenitude dos direitos democráticos.

Um desespero divertido

O "Observador" é um projeto jornalístico de indiscutível qualidade técnica. No panorama da nossa comunicação social, introduziu novidades e um estilo novo. Alguns bons profissionais davam garantia de um bom produto. E isso confirmou-se. 

Desde o primeiro instante, nunca alimentei a menor dúvida de que o "Observador" havia sido criado para servir de veículo de combate à esquerda, marcado por uma ideologia bastante conservadora, liberal no sentido que a direita dá à palavra. Travar a esquerda, evitar o seu regresso ao poder, denunciar-lhe as fragilidades, destacar as suas contradições, explorar as suas debilidades, lembrar as suas "maldades", escalpelizar o lado negativo das suas figuras - esse era o projeto. Ninguém simboliza melhor esse desiderato do que a evolução do tratamento dado a António Costa, que passou de simpático político urbano ao estado de diabolização que agora sofre. Até no tratamento fotográfico isso se torna evidente. 

A opção ideológica do "Observador" foi sempre mais evidente na "opinião", onde o amável acolhimento pontual de convidados da esquerda (de que o autor deste blogue já beneficou, com grande "fair play") torna ainda mais notória a tendência para a publicação de uma esmagadora maioria de textos de direita pura e dura. Infelizmente, a própria informação, que já teve momentos de alguma neutralidade ideológica, tem vindo a ser poluída, cada vez com maior frequência, pelo viés a que o jornal já se aculturou. 

O público-alvo do "Observador" são as novas gerações, as que hoje usam predominantemente meios informáticos, que leem poucos jornais e até veem menos televisão - embora o "Observador" se "prolongue" com a presença de vários dos seus colunistas pelas colunas televisivas, neste tempo de hegemonia opinativa da direita em todos os canais, desde a "situacionista" RTP às televisões privadas, que já não escondem ao que andam. 

O "Observador" tinha como projeto contribuir para conservar a direita no poder. Tão simples como isto. Ora a direita está prestes a sair do poder e, neste novo cenário, o "Observador" "passou-se"! O tom que as "opiniões" do jornal trazem nos últimos dias, frequentemente num estilo de desespero caceteiro que se aproxima já do paleolítico político, acaba mesmo por ser bastante divertido. Só não recomendo que leiam e se riam porque alguns dos meus amigos políticos mais radicais - para quem o "Observador" é uma espécie de "Diário da Manhã" da ditadura salazarista - nunca me perdoariam. Um deles disse-me um dia: "não digas mal do "Observador" no teu blogue ou no Facebook. Isso é falar dele..."

Mas eu não sou ortodoxo, pelo que não dispenso a consulta diária desse "inimigo de estimação" que é o "Observador". Estar bem atento aos movimentos do adversário é meio caminho andado para se ganhar o jogo... 

José Sócrates


José Sócrates decidiu ocupar o espaço público, na defesa pessoal do seu caso. Tem esse direito, em particular por ter sido vítima, no último ano, de quebras escandalosas do segredo de justiça que, claramente, condicionaram a opinião pública em seu desfavor, sem que, até ao momento, tenha sido formalmente acusado, não obstante ter permanecido vários meses detido.

Sócrates, com uma esperada violência verbal, volta-se contra o que entende ser o conúbio entre alguma comunicação social - oportunisticamente inscrita como "assistente" do processo, apenas para poder colher informação constante do mesmo - e uma magistratura que a utilizou para legitimar, a montante da acusação, a privação de liberdade do antigo primeiro-ministro. No fundo, Sócrates dá a entender que existe como que uma "vendetta" corporativa contra ele, instalada em ambos os setores.

O atraso na produção de uma acusação legitima que José Sócrates possa continuar a protestar a sua inocência e a invocar, como agora o fez, a plenitude dos seus direitos cívicos. 

Devo dizer que, depois do que se passou neste último ano em relação a José Sócrates, alimento já alguma dúvida sobre a validade absoluta do mote "à política o que é da política, à justiça o que é da justiça". Se não for em sede política que se discutem as eventuais discricionariedades da justiça, onde poderemos fazê-lo?

Mas também não deixo de compreender a relutância do Partido Socialista de fazer um "casus belli" deste tema específico, por muito que isso custe a José Sócrates. Não sei mesmo se este último ganharia alguma coisa se o seu partido viesse a assumir as suas dores. Como é sabido, este é um tema que parece dividir o PS, cujo recente curso político não deixou de ser subliminarmente marcado pela sorte do seu anterior líder. Porque, por muito que alguns amigos de José Sócrates possam não concordar, é uma evidência que a sua sombra continua a projetar-se sobre o partido de que é militante, num sentido que, nos dias de hoje, está longe de ser positivo. 

Uma coisa tenho por clara: a menos que estejamos perante uma monstruosa mistificação organizada por um sistema de justiça vingativo e irresponsável, o caso Sócrates não configura uma questão simplesmente política. Por isso mesmo, julgo que José Sócrates faria melhor em evitar paralelos com casos de outras figuras que, em diferentes paragens, se defrontaram ou defrontam com a privação da liberdade, por motivos quer relevam de delitos políticos ou de opinião. A invocação que ontem fez do caso Luaty Beirão, o jovem detido em Angola, foi muito infeliz.

Penduras

Aos comentadores que insistem em tentar deixar por aqui "links" para textos de que gostam, renovo o que já escrevi um dia: escrevam o que pensam, não sejam comodistas a utilizar o que outros produziram. Ah! E este blogue não é nenhum "cabide", desculpem lá!

Cavaco Silva e os idos de novembro


Na noite da passada quinta-feira, depois de ouvir a intervenção de Aníbal Cavaco Silva, lembrei-me da declaração corajosa de Ernesto Melo Antunes, quando, na sequência do movimento de 25 de novembro de 1975, há quase 40 anos, teve o descernimento e a coragem para vir à televisão reafirmar a importância do PCP para o futuro do processo político português.

Horas antes, Jaime Neves, num encontro no Regimento de Comandos da Amadora, também televisionado, na presença do general Costa Gomes, havia dito a famosa frase : "Meu general, os comandos ainda não estão satisfeitos". Era a expressão da vontade de alguns setores revanchistas, civis e militares, que queriam "explorar o sucesso" (como se diz em linguagem castrense) e, muito simplesmente, defendiam a ilegalização dos comunistas, quando não mesmo a prisão dos seus dirigentes.

O Partido Comunista Português foi, a grande distância, a força política mais determinada na luta contra a ditadura. Não é preciso aderir minimamente aos seus princípios para reconhecer esta realidade. Tenho uma profunda admiração e gratidão pelo sacrifício dos comunistas portugueses.

Não estou de acordo com o programa do PCP, como me não revejo nas propostas maximalistas do Bloco de Esquerda. Acho mesmo que a respetiva aplicação seria uma receita para o desastre económico e para o isolamento de Portugal, na Europa e no mundo. Mais do que isso: continuo, como aqui e noutros locais tenho dito, muito cético quanto à sustentabilidade das promessas dessas formações políticas para apoiar um governo através do qual o Partido Socialista possa pôr em prática o essencial do seu programa.

Como democrata, porém, não posso de maneira nenhuma aceitar a exclusão de qualquer partido político, com assento no parlamento. Nos dias que correm, todos os democratas portugueses têm a estrita obrigação de estar unidos para defender o direito dos comunistas e dos bloquistas de terem a agenda programática que muito bem entendam, por muito datada, sectária e irrealista que ela seja. Somos obrigados a ter presente que um milhão de portugueses pensa como eles.

Vale a pena também lembrar sempre que a única limitação que qualquer formação política hoje tem, para poder atuar, é a Constituição da República. E, em matéria de respeito pela Constituição, a coligação "sortante", que o presidente aparentemente tanto aprecia, é a última a poder dar lições a alguém.

Retroativamente, ponho-me agora a imaginar o sentimento que Cavaco Silva terá tido, em novembro de 1975, ao ouvir Jaime Neves e Melo Antunes. Com quem terá estado de acordo? Depois do que escutámos na passada semana, não me resta a menor dúvida.

sábado, outubro 24, 2015

Memória


Em 1976, numa viagem de trabalho de alguns dias à Líbia, decidi regressar por Atenas, via Benghazi. Parei dois dias naquela que era a segunda cidade líbia, depois de Tripoli.

Foi aí que me dei conta que essa região oriental, a Cirenaica, era algo diferente da Tripolitânia. Os tempos não eram muito brilhantes nessa Líbia de Kadhafi, cuja imagem no imaginário internacional estava, à época, muito longe de ser aquilo em que viria a transformar-se. Mas a vida era calma, o país era rico, se bem que o peso da ditadura estivesse presente um pouco por todo o lado.

Ao ver hoje no New York Times esta triste imagem da zona marítima de Benghazi, por onde me passeei em horas descontraídas de belos fins de tarde mediterrânicos, vi como o mundo é capaz de mudar tanto, em pouco tempo, para bem pior.

sexta-feira, outubro 23, 2015

Portugal e o novo desenvolvimento


Nos últimos anos, é notório que o discurso sobre a “cooperação para o desenvolvimento” sofreu um significativo apagamento na agenda política internacional. Entre nós, a questão foi ao ponto de perder um tratamento institucional autónomo, passando a ser integrada numa estrutura discutível, onde se misturam realidades bem distintas.
Mas não foi só em Portugal que a ajuda ao desenvolvimento caiu na escala das prioridades. Sente-se que o tema já não mobiliza, como acontecia há décadas atrás, o discurso europeu, terreno político onde essa filosofia mais prosperou. Pressente-se mesmo existir, nos dias de hoje, alguma “fadiga” com a temática, em especial quando olhada na tradicional perspetiva Norte-Sul. Há várias justificações possíveis para isto, embora nenhuma delas esgote a explicação total.
Desde logo, há um questionamento do próprio conceito de desenvolvimento, que alguns consideram demasiado fixado num outro tempo, numa visão algo “paternalista”, ligada ao pós-colonialismo, sob uma perspetiva eurocentrada. Esse debate introduz novas variáveis como o bem-estar, a felicidade e a dignidade humana, que ganham hoje espaço nos modelos de relação entre Estados e regiões. Tudo indica, contudo, que o conceito de desenvolvimento, devendo evoluir, continua válido e está longe de ser descartável.
Ainda no caso europeu, sucessivas “convenções” regulam grande parte das relações de cooperação para o desenvolvimento, envolvendo dezenas de países parceiros. Porém, a novidade é que alguns deles já têm hoje um grau de riqueza superior a alguns dos Estados membros da UE. Não deixa assim de ser natural que, numa União tão diversa em termos de riqueza, com constrangimentos orçamentais fortes, possa haver a tentação de dar prioridade ao seu próprio “Sul” interior, isto é, às regiões da UE onde ainda há pobreza, exclusão social e carências sérias. Se a isso somarmos a desregulação do “near abroad” europeu, com a emergência de conflitos, vagas migratórias e, agora também, com uma grave crise de refugiados, poderemos entender melhor o crescimento de algum egoísmo, conducente à indiferença, quando as questões do desenvolvimento são suscitadas.
Nos dias que correm, e até para se furtar a essa dependência conjuntural, o debate internacional em torno do desenvolvimento aponta para uma agenda bastante mais global, menos sectorializada regionalmente e, seguramente, muito menos dicotómica, nos termos tradicionais.
Pela sua história, mas também pela visibilidade que obteve neste domínio desde a reimplantação democrática, Portugal tem de estar bem presente neste debate. A isso o apela o seu quadro internacional de relações, o papel que desempenhou na ação exterior da UE bem como a prioridade que a nossa política externa sempre atribuiu ao multilateralismo.     

Mariano Gago


Tive imenso gosto em participar ontem, no Grémio Literário, numa iniciativa do Centro Nacional de Cultura, onde, com a presença de personalidades ligadas ao trabalho internacional de José Mariano Gago, desaparecido em abril, foram revisitados aspetos da vida e da obra daquele que, quase unanimente, é considerado a personalidade portuguesa que mais contribuiu para o avanço da cultura e divulgação científica em Portugal.

Na minha intervenção, em que nomeadamente abordei o papel que Mariano Gago teve na formulação de algumas das dimensões mais criativas da Estratégia de Lisboa, em 2000, referi também o reconhecimento do seu trabalho que pude testemunhar por parte da UNESCO, num encontro que ambos tivémos com a respetiva diretora-geral, Irina Bukova, em finais de 2012.

Portugal não costuma mostrar o reconhecimento devido a quem bem o serve. Felizmente, no caso de José Mariano Gago, as instituições nacionais têm-se mostrado à altura da imensa qualidade de um académico que se revelou também um político de grande visão. Era um dever fazê-lo, mas muitas vezes isso não é feito.  

quinta-feira, outubro 22, 2015

O presidente

A declaração proferida hoje à noite pelo presidente Cavaco Silva é surpreendente, mesmo vinda dele. Mas vamos por partes.

Ao indigitar Pedro Passos Coelho, o presidente fez o óbvio. Institucionalmente, esse era o seu dever: dar a oportunidade a quem ganhou as eleições de formar governo e sujeitá-lo ao juízo do parlamento. A ideia de que, estando assegurada a derrota desse governo, podia passar-se já à fase seguinte é algo que não faz sentido. A democracia tem os seus ritos e esse é o seu preço.

Cavaco Silva está também formalmente no seu direito se entender não querer vir a indigitar António Costa, no caso do governo de Passos Coelho falhar. A discussão constitucional pode fazer-se, mas a sua leitura é formalmente admissível. Até pode vir a dar-se ao luxo de fazer um governo de iniciativa presidencial ou, o que agora parece mais provável, deixar o atual executivo em gestão, até que um novo presidente decida o que fazer. Acarretará apenas consigo as consequências que relevam de cada uma destas decisões.

Até aqui, pode dizer-se que as coisas têm uma cobertura constitucional.

Mas o presidente não podia ter dito o resto que disse. Apenas a sua infausta declaração, há cerca de cinco anos, depois de reeleito, desceu a um nível idêntico.

O alarmismo que lançou no país, com efeitos externos seguros, ao dar a ideia de que um governo minoritário PS, com apoio parlamentar do PCP e do Bloco, poria em causa os compromissos internacionais de Portugal, converte alguém de quem se espera elevação institucional, numa figura parcial dentro do sistema político.

O Partido Socialista é um partido estruturante da democracia portuguesa, que não recebe lições de quem quer que seja em termos de respeito pelos princípios democráticos, pela observância das regras do Estado de direito e, muito em particular, pelos compromissos internacionais do país. Os socialistas lutaram como ninguém pelo regime de liberdade que permitiu a eleição de Cavaco Silva. Insinuar que um governo PS poderia vergar-se às dimensões anti-europeias ou anti-Aliança Atlântica constantes dos programas do PCP e do Bloco é uma afirmação com laivos de calúnia e de uma extrema gravidade - aliás, contraditória com a restante parte do seu discurso em que, aparentemente, coloca o PS ao lado da sua tão estimada coligação.

Fica a clara sensação de que Cavaco Silva considera ilegítima a liderança política de António Costa dentro do PS, temendo que este venha a desviar os socialistas da linha de observância das políticas que caraterizaram o curso recente do regime. Mas muito grave é o despudorado e pouco subliminar apelo a que deputados do grupo parlamentar socialista se desvinculem da atitude da liderança e venham a favorecer a opção PSD/CDS.

Por outro lado, ao estigmatizar partidos como o PCP e o Bloco da forma que o fez, o presidente passou a assumir uma espécie de "apartheid" no sistema político português. Só tem "direito de cidade" quem gostar do Tratado de Lisboa e do Tratado Orçamental? Ora essa! Eu acho que o Tratado de Lisboa tem aspetos nocivos para Portugal, entendo que o Tratado Orçamental foi um acordo pontual, numa Europa em "estado de necessidade" perante os mercados, que vai ter consequências nefastas para o crescimento europeu - e, nem por isso, me considero fora do sistema. E admito perfeitamente que haja em Portugal pessoas favoráveis à saída da NATO, da União Europeia, do euro ou mesmo do fim da CPLP. Eu não entendo isso, mas a democracia é isso mesmo! Se os eleitores escolhem pessoas que pensam assim para os representar no parlamento esses deputados têm menos direitos que os outros? E é o presidente quem escolhe os "bons" e os "maus"?

Confesso que, em mais de 40 anos de democracia, nunca vi nada assim, titulado por uma figura com aquela responsabilidade institucional. Este presidente abandonou claramente o papel de árbitro político em que está investido para se colocar, ideologicamente, ao lado de uns partidos contra outros. Deixou de ser "presidente de todos os portugueses". A nossa vida política estava tensa. Esperava-se serenidade e bom-senso da parte de quem representa superiormente o Estado. Afinal, surgiram apenas palavras incendiárias que muito podem contribuir para agravar as tensões e afetar a imagem internacional do país. Mais do que lamentável, tudo isto é patético!

Futurologia

No dia 13 de outubro publiquei aqui este post:

"E se António Costa conseguir criar condições políticas para a formação de um governo minoritário PS, com apoio parlamentar formalizado com o PCP e o BE?

E se Cavaco Silva recusar esse governo, por considerar que, à luz dos critérios de exclusão partidária que enunciou imediatamente após as eleições, não aceita essa solução?

Nesse cenário, que não é totalmente implausível, ambos "ganhariam".

António Costa poderia dizer, alto e bom som, para os ouvidos da esquerda, que tentou tudo para tirar o PCP e o BE do "guetto" político onde se encontravam, o que seria verdade, mas que foi a obstinação do PR que impediu essa solução, a qual, no seu entender, tinha condições para assegurar uma estabilidade governativa.

Cavaco Silva, cujo último desejo é deixar o país com uma "maioria de esquerda", sossegaria assim a sua consciência, faria os mínimos perante a sua família política e regressaria aliviado ao Possolo. Ah! e deixaria a "batata quente" para o seu sucessor.

Nunca ganhei no totoloto, mas acho que esta é uma combinação com hipóteses."

Tenho a impressão que vou jogar no totoloto. 

Bebinca

Há já um tempo que não comia bebinca. Imagino que tenha sido por me ouvirem dizer que tinha saudades desse doce goês que tive o privilégio d...