Devo dizer que ontem fiquei muito surpreendido - positivamente surpreendido - com a excelente prestação dos nossos jogadores de "ping-pong" (dizer "ténis de mesa" acho normal, mas chamar à modalidade "tenisdemesismo" como ontem surgiu na televisão, é de um ridículo atroz) nas Olimpíadas. Não fazia a mais leve ideia de que o desporto tivesse evoluído tanto, em Portugal.
Veio-me à memória, neste contexto, que a Embaixada de Portugal em Luanda organizou, nos anos 80, um torneio de ping-pong entre todos os seus seus funcionários. Chefiava aquela nossa imensa missão diplomática o embaixador António Pinto da França, que conferia ao trabalho uma dinâmica muito pouco usual, feita de empenhamento profissional e da geração de um excecional ambiente de relações humanas. Leia-se, a este propósito, o seu divertido (e bem instrutivo, para se perceber Angola) diário de Angola*, a que se seguiu a publicação do um outro diário sobre a anterior estada na Guiné-Bissau**, a que só não faço excessiva publicidade porque fui o autor do prefácio.
Julgo que a ideia do torneio foi do nosso colega Júlio Vasconcelos, tendo merecido grande entusiasmo por parte de toda a gente, numa terra onde havia muito pouco de lúdico para fazer. Juntaram-se várias ofertas para prémios, que já não sei bem como foram obtidas, numa Luanda onde havia uma quase total ausência de bens à venda nas lojas. O embaixador anunciou-nos que decidira contribuir para os prémios do torneio, com a oferta de uma dúzia de garrafas de um vinho da Adega Cooperativa de Tomar. Tratava-se de um temível "néctar" cuja mais notória qualidade tinha sido consagrada como "bom para decapante"- expressão consagrada pelo Fernando Andresen Guimarães, pelo José Guilherme Stichini Vilela e por mim próprio -, tal a sua acidez e agressividade no paladar. Nos frequentes e muito simpáticos almoços e jantares promovidos pelo embaixador na sua residência, o tal vinho "imbebível" surgia, a espaços, à mesa, o que logo nos levava a uma forçada e conjuntural abstinência, feita sob a troca de olhares cúmplices entre nós, com alguma surpresa do embaixador, que observava incrédulo a nossa conversão coletiva a uma pontual cura de águas.
Como "vingança" pela presença do nabantino produto, surgiu então, entre nós, uma ideia. Decidimos que o 3º classificado do torneio de ping-pong teria direito a 7 garrafas, o 2º classificado a 4 garrafas e o 1º classificado seria "punido" apenas com 1 garrafa, cumulados com outros prémios. (O critério seguia uma historieta, à época famosa, sobre os supostos "prémios" atribuídos pelo PCP a jovens "pioneiros", que entravam num concurso: o 3º classificado tinha tido direito a três semanas de férias na Bulgária comunista, o 2º classificado a uma semana e o 1º classificado a um fim-de-semana.)
E lá teve lugar a cerimónia de entrega dos prémios, presidida pelo próprio embaixador. Nunca percebemos se ele se deu conta do estranho critério de premiação seguido. Nada nos disse, mas todos ficámos com a sensação de que poderá não ter apreciado excessivamente o nosso gesto de humor, que apenas pretendia transmitir um subtil protesto... Um destes dias pergunto-lhe!
* "Angola, o dia-a-dia de um embaixador, 1983/1988
** "Em tempos de inocência - um diário da Guiné-Bissau"
* "Angola, o dia-a-dia de um embaixador, 1983/1988
** "Em tempos de inocência - um diário da Guiné-Bissau"