terça-feira, dezembro 22, 2009

UTAD

Desejem-me sorte! Desde o passado sábado, por decisão unânime (houve uma abstenção...) do Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a que já pertencia, passei a presidir àquele órgão, que tem uma competência na área da orientação estratégica daquela entidade de ensino superior - nos planos científico, pedagógico, financeiro e patrimonial.

A UTAD é uma das realidades mais pujantes da cidade onde nasci e, pelo que já fez pela região, merece que lhe dediquemos atenção. Com o mais bonito campus universitário do país, esta universidade passa por um tempo de mudança e tem à sua frente desafios muito importantes.

Como compatibilizar as minhas funções em França com estas novas responsabilidades? Com mais trabalho e com alguma capacidade de organização.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

"Langue de Bois"


Sempre considerei magnífica a expressão "langue de bois", para significar a forma de evitar dizer coisas concretas, optando por banalidades e fórmulas "redondas", que não comprometem o locutor, sem contudo este deixar de dar a ideia de que está a dizer qualquer coisa de substancial.

Aos diplomatas é assacada a utilização frequente da "langue de bois". Penso que se trata de uma imputação cuja generalização é algo injusta: muitas vezes, a adopção de um discurso vago releva da incontornável pressão que os diplomatas sentem para se pronunciarem em momentos de tensão ou indecisão, quando ainda não têm instruções políticas para serem mais concretos. Este é o preço da chamada "diplomacia pública". Forçados a falar sobre certo tema, alguns diplomatas tendem a encher o discurso com frases não comprometedoras, recheadas de "eventualmente", "muito possivelmente", "esperamos que venha a ser possível" e coisas assim. Às vezes, ao ouvi-los, apetece-me dar-lhes o conselho que sempre dou aos meus colaboradores que vão a uma reunião: se não têm nada para dizer,  tentem estar calados. Só que, por vezes, isso não é de todo possível, particularmente em face do carácter inquisitivo de certa comunicação social, que quer um título ou um "lead". E, com a vida, aprendi que nesse diálogo com os media, só há uma certeza absoluta: a nossa pior frase será sempre o título do jornal.

Compreendo bem os colegas, portugueses ou estrangeiros, que se defendem dessa maneira, em especial face à imprensa, porque muitas vezes não têm treino para esses embates públicos, e para cujo saldo mediático não se sentem protegidos. Digo isto com toda a franqueza, até porque geralmente não procedo dessa forma. Porém, no meu caso pessoal, talvez tenham sido os anos de exposição fora da diplomacia profissional que me tenham aculturado a outro registo, que agora utilizo, com alguma facilidade mas com os inerentes riscos. Reconheço, contudo e sem dificuldade, que, aqui ou ali, já tenho usado a "langue de bois".

domingo, dezembro 20, 2009

Três cantos


Só foram organizados escassos espectáculos, em Outubro e Novembro, mas o encontro musical de José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto, a que não tive a sorte de poder assistir, terá sido um dos acontecimentos musicais do ano, em Portugal.

Aí está agora o "Três Cantos", um belo disco para oferecer nestas festas.

Europa



 

O dos Castelos

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando


O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.


Fita, com olhar esfígico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.


O rosto com que fita é Portugal.


Fernando Pessoa (in "Mensagem")

sexta-feira, dezembro 18, 2009

De oito a oitenta


Hoje à noite, um grupo de "maduros" encontrar-se-á num restaurante lisboeta para saudar o singelo facto de se sentarem, alguns desde há mais de trinta anos, em volta de uma certa mesa do bar Procópio, em Lisboa - um lugar inspirado no "Procope" de Paris. A tal mesa tem, com esforço, oito lugares. O grupo quase 80 pessoas. O bar tem um chafariz à porta, como o desenho naïf que acompanha este post bem documenta.

Por aquele bar e por aquela mesa, passou uma parte - não diria importante, mas  interessante - do país das últimas décadas. Também por lá se sentaram, em longas horas de charlas, figuras como Raul Solnado ou José Cardoso Pires, que hoje já nos não acompanham. Por aí se derrubaram, a espadeiradas de ironia,  os vários governos que o mercado político produziu.

Hoje à noite, no repasto anual que teimo em organizar há vários anos, lá estarão jornalistas e gestores, diplomatas e cineastas, políticos e advogados, médicos e doentes da bola, professores e actores - numa mescla onde já dominam os cabelos brancos. O que (n)os une? A amizade e a cumplicidade de um tempo comum. E chega.

Um abraço à Comunidade

Nesta quadra festiva, envio a toda a Comunidade de origem portuguesa em França uma mensagem de grande simpatia com os meus votos de que 2010 possa ser um ano em que todos encontrem o sucesso e a realização pessoal a que aspiram.

Há menos de um ano neste país, devo dizer que aprendi imenso com a dignidade e perseverança dos cidadãos portugueses e luso -descendentes que hoje constituem, em França, a maior Comunidade que Portugal tem no exterior. Nestes meses, tive o ensejo de poder encontrar, já um pouco por todo o país, muitos portugueses e luso-descendentes que, com grande lealdade, dão hoje o seu contributo à vida nacional francesa.

Para um representante diplomático, é altamente reconfortante ter uma Comunidade que é vista como uma das mais positivas e construtivas contribuições para o país que a acolhe. Da mesma maneira, é um orgulho verificar como esses portugueses continuam a sentir-se ligados a Portugal, num culto de memória que nos cumpre ajudar a manter. Neste particular, desejaria saudar, muito especialmente, as estruturas associativas portuguesas em França e os órgãos de comunicação social que actuam no seio da Comunidade.

O mundo dos portugueses em França mudou muito nas últimas décadas, em grande parte graças ao seu próprio esforço, noutra medida devido ao modo como a França os soube acolher. O resultado acabou por ser uma integração de sucesso, que tem como consequência o conjunto de oportunidades que hoje se abrem para as novas gerações, onde os casos de êxito pessoal e profissional são cada vez maiores.

Espero pode ajudar a contribuir, nos anos futuros, para que os cidadãos de origem portuguesa continuem a ver a sua Embaixada, bem como o conjunto das estruturas oficiais portugueses em França, como casas que lhes pertencem e das quais têm o direito de receber um serviço à altura das suas expectativas.

Blogue


Pelas óbvias razões sazonais, este blogue vai entrar, a partir de hoje, num registo de menor actividade, até dia 8 de Janeiro, não deixando, contudo, como "serviço público" que se preza, de prestar "serviços mínimos".

Cleonice


Chama-se Cleonice Berardinelli. É brasileira, tem 93 anos e uma frescura de espírito de fazer inveja a muitos. Foi sempre professora de literatura portuguesa. Fez, há meses, uma conferência sobre Camões no Centro Gulbenkian em Paris sobre Camões, que registei aqui. Entrou, há dois dias, para a prestigiada Academia Brasileira de Letras. É minha amiga e amiga de Portugal.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Convívio



Foi um grupo muito bem disposto da Comunidade portuguesa em Paris, escolhido entre alguns mais velhos de idade, mas todos bem jovens de espírito, aquele que ontem almoçou na Embaixada em Paris. A maioria dessas dezenas de cidadãos, "capitaneados" por uma centenária, nunca tinha estado nas instalações da rue de Noisiel. E gostaram.

Decidimos convidá-los, com ajuda das estruturas associativas e da Santa Casa da Misericórdia de Paris, para um convívio nestas vésperas de Natal. Foram umas horas bem passadas, uma homenagem a alguns dos mais antigos dessa grande e magnífica aventura que foi a emigração para França - gosto da palavra "emigração" e entendo que não devemos ter medo a usá-la.

Clima


"Salvar o planeta ou salvar Copenhague?" pergunta o "Le Monde" hoje.

Esta é uma questão fundamental: se acaso a tentação de obter um acordo a todo o preço na cimeira do clima vier a prevalecer, Copenhague pode fazer bem pior ao mundo do que o "statu quo", com base no qual sempre será possível trabalhar num futuro próximo, num novo esforço político, suscitado pelo fracasso agora constatado. O que, com certeza, não acontecerá se se vier a obter um "acordo de mínimos", ao qual se colarão, por muito tempo, os mais reticentes à mudança.

O que está em jogo em Copenhaga é muito mais importante que o saldo "glorioso" de algumas conferências de imprensa. Esperemos que o bom senso prevaleça.

Neve

Na minha juventude, o saudoso "O Vilarealense" não conseguia escapar ao lugar comum e abria, por rotina, com "a cidade acordou sob um alvo manto de neve", sempre que um nevão nos surpreendia. E escrevo "surpreendia" porque, nesse tempo, as previsões meteorológicas não nos permitiam antecipar a alegria que era ficarmos sem aulas durante dois ou três dias.

Tudo é diferente agora. Hoje de manhã, aqui em Paris, sem surpresas, "fui ver, a neve caía", como dizia o Augusto Gil (será parente do Gil, que comenta este blogue?), poeta que, tenho a certeza, as novas gerações desconhecem por completo. No que, sejamos honestos, não perdem muito...

Mas esta é uma simples nota para dizer que Paris, cheia de neve, tem a beleza de uma cidade diferente.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Bolas




Portugal está em 5º lugar no "ranking" da Fifa, só suplantado por Espanha, Brasil, Holanda e Itália. A Alemanha, a França, a Argentina e a Inglaterra (não o Reino Unido, porque este parece ser o único país onde há 4 regiões componentes) vêm a seguir.

Gosto muito de futebol e sei que isto dá orgulho e afaga o ego a muitos. Mas, devo confessar, não me importava nada de ver Portugal bem mais para o fundo da tabela, em troca de boas posições em outros "ranking" ligados ao nosso desenvolvimento e bem-estar. Seriam outras balizas, claro...

A sopa

O jantar começou tarde, com muito boa disposição, como é típico dos ambientes africanos. Era uma mesa muito longa, bastante larga, que apenas permitia conversa com os parceiros do lado. À minha esquerda, estava uma senhora bem servida de carnes, uma figura política local. À direita, tinha um franzino alto funcionário, encarregado das questões da dívida pública desse país.

A conversa iniciou-se com este último, que elegi como alvo de curiosidade protocolar sobre a situação económica. Fi-lo, confesso, mais por não ter outro tema de conversa do que por interesse particular sobre os equilíbrios macro-económicos dessa antiga colónia de um poder europeu, situada na África central. Deixei-o explanar as dificuldades, disse duas ou três platitudes e, numa pausa, voltei-me para a volumosa vizinha da esquerda, com quem encetei uma breve troca de impressões.

Na sala, entretanto, as conversas ressoavam altas e bem animadas. Era uma visita oficial portuguesa e o chefe da nossa delegação, frequentemente macambúzio, estava  nessa noite de boa onda. A certa altura, senti um toque no meu braço direito e voltei-me, de novo, para o meu vizinho. O seu fácies pareceu-me estranho, estava agora silencioso e, em segundos, vi a sua cabeça, sempre voltada para mim, descair e entrar, com lenta suavidade ... na sopa! Continuava a olhar-me, de lado, com ar vidrado e parte da cara submersa no "consommé". Não consegui ver se estava pálido, por óbvias razões...

Por um segundo, fiquei sem saber o que fazer. Desmaiado estava, pela certa. Mas teria o homem morrido? Atrapalhado, dei um toque na vizinha da esquerda, na esperança que tivesse uma solução de emergência, mas ela estava numa conversa galhofeira com um qualquer membro da nossa delegação e não se voltou. Fiz gestos de chamada para as pessoas em frente de mim, mas os espíritos continuavam altos e ninguém me ligou nada. Optei por me levantar, o que levou algumas pessoas a olhar-me e, rapidamente, a notar o estado esvaído do meu antigo interlocutor.

Foi então que uma rápida operação logística se desencadeou. Como se estivessem já preparados e sem denotar surpresa, apareceram do fundo da sala dois latagões, que retiraram o corpo do homem. De seguida, criados recolheram com rapidez o prato de sopa e limparam a área. Tudo foi feito com tal despacho que até parecia rotina. Um minuto depois, num gesto de inusitada normalidade, sentou-se ao meu lado uma outra figura local, sorridente, que logo pretendeu retomar conversa social, como se nada se tivesse passado, quase ignorando a minha preocupação com o estado de saúde do  meu ex-vizinho. O resto da mesa, salvo, por instantes, alguns membros da delegação portuguesa que estavam mais próximos, continuou na anterior cavaqueira, "business as usual".

O homem tinha tido um ataque epilético, vim depois a saber. Já era costume, tinha acontecido várias vezes, em ocasiões diversas, ninguém estranhou nada. Só eu é que, nessa noite, perdi por completo o apetite...

terça-feira, dezembro 15, 2009

Allan Kardec


Foi anunciado que o Benfica vai contratar um futebolista brasileiro, com o sugestivo nome de Alan Kardec.

Na minha infância, dormia em férias num quarto de família, em Viana do Castelo, que tinha um armário envidraçado, cheio de livros. Alguns deles eram de Allan Kardec. O armário estava fechado, tendo os livros pertencido a um tio por afinidade, já falecido. Andei anos até que descobri que Kardec era a figura fundadora da doutrina do espiritismo, a tal que mexe com mesas e nos põe em diálogo com o além. Comecei a ler um desses livros, já na adolescência, mas, seguramente por incompatiblidade com o meu cartesianismo, nunca fui sensível à doutrina.

Como se sabe, o Brasil é pródigo em nomes bizarros para os seus cidadãos, muitas vezes por adaptação, mais ou menos rigorosa, do de figuras estrangeiras. Este é apenas mais um deles. Será que, para o Benfica, ter um potencial espírita na equipa fará entrar o clube em diálogo virtual com os seus êxitos no passado? E será que o espiritismo será compatível com  o treinador Jesus? Mas têm-se visto tantas "macumbas"! Já estou a imaginar os comentários a este post...

Em tempo: um leitor atento lembra-nos que Allan Kardec está no cemitério parisiense de Père Lachaise. O mundo é pequeno.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Niemeyer

Oscar Niemeyer, o genial arquitecto brasileiro, faz hoje 102 anos.

Em 2007, ano do seu centenário, Niemeyer foi eleito membro da Academia das Ciências de Portugal. Antes, falei-lhe pelo telefone, sondando-o sobre a aceitação do título. Ficou encantado com o convite e deu-me logo conta das suas raízes portuguesas, origem dos apelidos "Ribeiro de Almeida", que figuram no seu nome.

Fui depois visitá-lo ao Rio de Janeiro, para lhe entregar o diploma. Foi uma conversa longa, a que também esteve presente o meu colega António Almeida Lima, cônsul-geral no Rio de Janeiro, durante a qual demonstrou uma agilidade de espírito e uma memória notáveis.  Falou das suas passagens por Portugal, onde se deslocava sempre de barco, porque detesta aviões. Recordou uma deslocação a Lisboa, em 1975, com as paredes da cidade cheias de slogans revolucionários: "Os restantes passageiros, quase todos uns insuportáveis reaccionários, estavam escandalizados. Eu adorei!" - disse, fazendo juz à fé comunista que, até hoje, nunca o abandonou.

Entre outras coisas, disse-me ter pena que a única obra em Portugal do seu escritório seja um hotel no Funchal (uma outra construção, planeada para os arredores de Lisboa, nunca chegou a ser concluída), tendo tomado a iniciativa de destacar o "excelente arquitecto" que é Álvaro Siza Vieira.

Nessa conversa, Niemeyer falou também do seu gosto pela literatura portuguesa, citando Diogo do Couto e Guerra Junqueiro. Da estante do seu escritório pendia uma folha de papel, com um poema dactilografado. À saída, por curiosidade, deitei um olhar mais atento. Era a "Trova do Vento que Passa", de Manuel Alegre.

Brasília fará 50 anos em 2010. Aposto em como Niemeyer estará nas comemorações!

Migrações


Foi muito oportuna a iniciativa que o International Herald Tribune e a Académie Diplomatique Internationale organizou hoje em Paris, juntando o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, e a jornalista Judy Dempsey. O tema central foi o mesmo que, há dias, aqui referi: "Fleeing the storm: the human cost of climate change".

A questão das migrações é um tema de imensa actualidade, até pelo paradoxo que António Guterres sublinhou: cada vez há mais pessoas forçadas a migrar (por razões económicas, de segurança, climáticas ou outras, muitas vezes conjugadas) e cada vez os Estados fecham mais as suas fronteiras. Para o Alto-Comissário, que se mostrou favorável a uma regulação das migrações à escala global - perspectiva até agora recusada pela Comunidade internacional -, verifica-se uma profunda hipocrisia e irracionalidade por parte dos decisores políticos do mundo desenvolvido. Estes, limitados pelo medo que afecta as suas populações, teimam em não enfrentar as necessidades de mão-de-obra dos seus operadores económicos, as quais, na ausência de uma política de imigração regular, acabam por ser supridas pelo "contrabando" de imigrantes, muitas vezes através de formas de tráfico com ligações criminosas.

Como me dizia um observador atento a estas questões, sentado a meu lado na conferência, tudo tenderá a ser ainda pior com o disparar dos índices de desemprego, por virtude da crise.

Em tempo: ler o que o New York Times traz hoje sobre esta conferência. Aqui.

Volume


Acabei, há minutos, de rever o texto de um livro, que vai ser editado em Portugal, dentro de algumas semanas. Tenho até relutância em chamar-lhe "livro", por se tratar apenas de um volume onde armazenei textos dispersos sobre diplomacia e política externa, alguns que ainda não haviam sido editados em Portugal.

A sensação de alívio que sentimos quando nos "libertamos" de um texto é proporcional, em sentido contrário, à dúvida com que ficamos sobre o modo como a publicação será aceite.

Será que vale realmente a pena publicar este fruto da nossa experiência profissional, reflectindo-a e questionando-a? A minha mulher tem as suas reticências e acha que, em grande medida, se trata de uma mera "encadernação do ego". Porque não me inibo a contrariá-la, desconfio que terá razão.

Em tempo: o texto do livro, quando editado, será imediatamente disponibilizado no blogue "à côté", que se chama "... ou quatro coisas".

sábado, dezembro 12, 2009

Salazar


Encomendado através da Amazon - com uma simplicidade que agrava seriamente o meu espaço livresco - acabo de receber este "Salazar - a political biography", da autoria de Felipe Ribeiro de Menezes, editado em Nova Iorque, pela Enigma Books.

Ainda vou no início das suas 644 páginas, mas já deu para entender que estamos perante a primeira grande biografia séria de António de Oliveira Salazar. O trabalho de pesquisa e de referência é notável, o texto é construído com ritmo e elegância. Este livro, pela sua qualidade, afasta-se das "hagiografias" salazarentas de que o exemplo maior são os seis volumes de Franco Nogueira. Desta vez, estamos, finalmente, no terreno da História e Salazar passa a ter uma biografia a um nível similar àquele que Paul Preston dedicou a Franco.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Isabel Meirelles


Ontem, numa comunicação que me mandou, Cruzeiro Seixas referia-se a Isabel Meyrelles como uma "velha amiga desde os anos 40, em que a liberdade não nos era dada, mas conquistada minuto a minuto".

Há meses, já falámos aqui de Isabel Meyrelles, uma personalidade artística da escola surrealista portuguesa a quem hoje, em representação do Presidente da República, entreguei as insígnias da comenda da Ordem de Sant'Iago da Espada, numa cerimónia que organizei na Embaixada, a que estiveram presentes alguns dos seus amigos de Paris.

Na acto de entrega, sublinhei que a mesma se destinava a premiar o "mérito literário, científico e artístico" e, como curiosidade, referi que estávamos perante uma insígnia fundada em 1170. Na mensagem que enviou para a ocasião, o secretário de Estado das Comunidades Portugueses referiu-se a Isabel Meyrelles como "uma das mais significativas figuras da nossa diáspora".

Devo confessar que foi com particular gosto que fiz entrega desta condecoração. Isabel Meyrelles não faz parte do grupo de artistas incessantemente incensados pela crítica e pela comunicação social, mas o seu trabalho como escultora, tradutora e divulgadora das culturas que se expressam em português há muito que merecia este reconhecimento.

Clima




A propósito da reunião de Copenhague sobre o clima, António Guterres publica hoje no "International Herald Tribune" um artigo muito interessante em que analisa os efeitos das alterações climáticas nas movimentações forçadas das populações.

No texto, diz uma verdade que às vezes alguns esquecem: "O que se pode dizer, com considerável certeza, é que o impacto da mudança climática será sentido mais fortemente pelos países mais pobres, que são os menos responsáveis pelo fenómeno e que estão menos preparados para lidar com ele".

quinta-feira, dezembro 10, 2009

A Estratégia de Bruxelas


Alguns Estados membros, acompanhados pelo presidente da Comissão Europeia,  propuseram formalmente, na revisão da Estratégia de Lisboa, ontem decidida, que o nome da capital portuguesa desaparecesse da designação deste processo de reforço da competitividade europeia. Passará a chamar UE-2020, por proposta da Comissão.

A Estratégia de Lisboa foi um projecto, aprovado em 2000 por todos os governos da União Europeia, que tinha como objectivo transformar a União Europeia na economia mais competitiva do mundo, com pleno emprego, no ano de 2010. Numa síntese arriscada, pode dizer-se que a Estratégia se baseava em duas ideias-chave, fruto da identificação dos elementos caracterizadores da distância que separava a economia europeia das que estavam mais avançadas: democratizar o acesso à sociedade de informação, promovendo um reforço da investigação e desenvolvimento no espaço europeu e aperfeiçoar o modelo social europeu, desenvolvendo a educação e a formação, pelo investimento nos recursos humanos, no combate à exclusão.

As áreas cobertas pela Estratégia, acordadas no Conselho Europeu de Lisboa, em Março de 2000, somavam-se às que eram já objecto de políticas comunitárias, as quais evoluiam sob proposta da Comissão Europeia, nomeadamente em matéria de promoção de emprego, reforço da livre circulação e coordenação macro-económica. Tratava-se, desta forma, de procurar obter a convergência progressiva de políticas que relevavam da competência dos governos nacionais e que foram consideradas como podendo ser o motor do crescimento sustentado da economia europeia. Isso era feito através do chamado "método aberto de coordenação", o qual procurava sublinhar as "melhores práticas" nacionais e, com o respectivo exemplo, estimular efeitos de arrastamento.

A Estratégia de Lisboa não era um programa português: era um programa aceite por unanimidade pelos chefes de governo dos "Quinze", com base numa proposta apresentada pela presidência portuguesa da União Europeia, então chefiada por António Guterres, o qual teve na professora Maria João Rodrigues a sua principal colaboradora. À época, a Estratégia mereceu os maiores encómios pelo seu carácter inovador. Aliás, muito se evoluiu, desde 2000, em vários dos seus objectivos. A metodologia da Estratégia é hoje apontada como inspiradora de diversos projectos, um pouco por todo o mundo. Estou à vontade para referir isto, porque nada tive a ver com o desenho da Estratégia, não obstante as responsabilidades que tinha, à época.

O sucesso pleno da Estratégia de Lisboa dependia, não das instituições da União Europeia, mas exclusivamente da vontade política dos seus Estados membros, da sua disponibilidade e empenhamento para levarem a cabo as reformas que as políticas nele desenhadas pressupunham. Foi essa vontade política que falhou, muito provavelmente porque a evolução da situação política, económica e social em alguns desses países justificou o abandono de certas linhas de trabalho. Não se diga, contudo, como já tenho visto escrito, que o "erro" da Estratégia foi não comportar mecanismos constrangentes. Foi precisamente pelo facto de, desde o início, os Estados considerarem que não estavam disponíveis para adoptar modelos constrangentes que levou a optar por fórmulas baseadas na exploração da vontade demonstrada por cada país, a cada momento. Se os Estados estivessem na disposição de forçar a adopção de medidas, bastar-lhes-ia ter comunitarizado tais políticas,  na revisão dos Tratados, colocando-as sob tutela de iniciativa da Comissão Europeia.

A Estratégia de Lisboa teve uma "revisão a meio do percurso", prevista no projecto inicial., que reorientou algumas das suas metas. Não obstante, à luz de factos imprevisíveis e de conjunturas diversas, alguns dos seus objectivos mostraram-se irrealistas, já não sendo vistos como adequados aos novos desafios emergentes. O alargamento da União Europeia trouxe também impactos que não eram previsíveis à época em que a Estratégia foi delineada. Impôs-se, assim, uma revisitação da Estratégia, para a reformar.

A UE-2020 vai agora substituir a Estratégia de Lisboa, readequando alguns dos anteriores projectos. Nada impedia, contudo, que continuasse a ter o mesmo nome. Boa sorte para a UE-2020.

Carlos Lopes


Conheci-o no país onde nasceu, a Guiné-Bissau, no final dos anos 80. Ao longo dos anos, voltámos a encontrar-nos várias vezes em Nova Iorque e em diversas outras paragens. Coincidimos por algum tempo no Brasil, onde era representante da ONU.

Carlos Lopes é um funcionário internacional especializado em questões de desenvolvimento, com uma carreira académica riquíssima e uma experiência que o levou a director do gabinete de Kofi Annan, entre outros cargos. Tem publicados mais de 20 livros. Actualmente desempenha as funções de director-geral do Instituto das Nações Unidas para a Formação e Pesquisa, a UNITAR, em Genebra.

Ontem, durante um almoço na Embaixada, ouvi-o com atenção sobre a situação actual que se vive no seio das Nações Unidas, em especial no quadro da crise económica e dos afloramentos institucionais que a mesma estimulou. Impressiona-me sempre a lucidez equilibrada deste homem, ao analisar o panorama internacional e ao abordar as grandes linhas de clivagem em cuja superação assentam hoje as hipóteses de um futuro de paz e estabilidade.     

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Maria João Seixas


Já inventariámos os nossos antepassados e chegámos à conclusão que não temos qualquer parentesco. Mas, mesmo que o tivéssemos, não prescindiria de dizer aqui quanto me agradou a nomeação de Maria João Seixas para a presidência da Cinemateca Nacional.

Leiam ou assistam às suas entrevistas e percebam como é possível transpor para um diálogo a inteligência crítica e o sentido de oportunidade, revelando a capacidade de trazer a riqueza essencial do interlocutor à tona da conversa. Estou certo que Maria João Seixas vai fazer um excelente lugar, com uma programação que coloque a Cinemateca, de forma ainda mais evidente e eficaz, nos roteiros culturais da cidade de Lisboa.

Ah! e há um ponto importante. A Maria João sabe rir e não cultiva aquele ar sisudo de quem acha que a cultura e a frequência dos meios intelectuais impõem uma pesada gravitas, como os que parecem ter por nobre e prestigiado destino o transporte às costas de todas as angústias existenciais do mundo.

terça-feira, dezembro 08, 2009

Ainda Clara de Ovar


Há alguns meses, falou-se aqui de Clara de Ovar, um nome que teve o seu tempo parisiense, cidade onde criou um restaurante português e onde faria a sua estreia no cinema.

Na altura, pediram-se contribuições para a sua biografia e elas apareceram em comentários ao post então publicado.

Agora surgem novos e mais completos dados, que podem ser consultados aqui.

Brasil - um ano depois


Dia por dia, faz hoje precisamente um ano que deixei o Brasil.

Como memória desse tempo, fica o texto que então publiquei, na introdução ao meu livro "Tanto Mar? - Portugal, o Brasil e a Europa", e que pode ser lido aqui.

Previsões (2)


A propósito do post "Previsões", gostava de afirmar que, como qualquer mortal - e os diplomatas são simples mortais... -,  também já me enganei, e bem, em avaliações políticas.

Não tenho, aliás, qualquer dúvida em expor esses deslizes, como fiz na "Crónica de um erro diplomático" que publiquei no Diário Económico (16.5.07) e que pode ser lido aqui.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Caetano Veloso



Caetano Veloso é um compositor e um cantor excepcional. Há dois anos, em S. Paulo, apenas com uma viola e a sua voz, vi-o encher um palco e conquistar o público de uma forma que muito raramente acontece. Foi um dos melhores espectáculos a que já assisti.

Por uma razão que nunca descortinei, Caetano Veloso dá-se ares de intelectual e muita gente vai nisso, mesmo entre nós. É talvez a emulação com Chico Buarque que o leva a aventurar-se pelos caminhos do pensamento, onde tropeça em algumas notas, com uma presunção que se alimenta de ideias arrevezadas, de frases para parangona, de um "name-dropping" para provar não se sabe bem o quê. Nestes caminhos, hoje como no passado, assume com regularidade uma lusofobia que sabe tocar de perto o sentimento de uma certa intelectualidade.

Há dias, lá esteve na Casa Fernando Pessoa. Falou de Lula, para dizer esta pérola: "à luz tropical do sebastianismo de Pessoa via Agostinho, Lula surge a meus olhos como uma figura de grandeza histórica e épica. Uma grandeza do tipo épico em versos líricos que se encontra em ‘Mensagem’ [ao dizer isto, quase começa a rir-se, refere o Público]. Sinto ternura, simpatia, amor pelas figuras que pareçam carregar a tocha dessa caminhada em que me descobri implicado desde menino”.

Sobre as razões que levam o seu país a apreciar um presidente que “nem sequer concorde os artigos com os substantivos que usa, se elegendo e tendo 80 por cento de aprovação”, Caetano adianta tratar-se de um sinal “dessa originalidade brasileira” que vem do facto de “sermos portugueses, de termos sido colonizados dessa maneira que agradou ao Gilberto Freyre”. Mas que não agrada a Caetano, que talvez tivesse preferido os holandeses. Pois é, mas foram os portugueses, desculpa, ó Caetano!

E agora, se me permitem, vou começar a noite a ouvir o magnífico cantor que é Caetano Veloso.

Em tempo: Inês Pedrosa, em comentário, afirma que as citações reportadas pela imprensa foram decontextualizadas e que o texto completo confirmará isso. Concedo que possa ser assim, mas já ouvi, no passado, Caetano Veloso fazer considerações lusofóbicas. Mas fico a aguardar mais dados.

domingo, dezembro 06, 2009

Previsões

Há dias, o jornal "Le Figaro" trazia a notícia de que o representante consular da França no Dubai enviara a Paris, precisamente na véspera do anúncio do estado de colapso da economia daquele emirado, uma comunicação altamente optimista sobre a "saúde" das finanças do território, em chocante contraste com a realidade que viria a emergir 24 horas depois. O diplomata terá sido "chamado à pedra".

Para um profissional do mesmo ramo, não é uma boa notícia ver uma informação diplomática, certa ou errada, expedida sob confidencialidade, aparecer na praça pública. Porquê? Porque uma generalização dessa transparência acabaria por nos inibir a todos de dizermos às nossas autoridades o que pensamos, com grande e exposta franqueza, por vezes apoiados em dados confidenciais, citando fontes que querem permanecer discretas e fazendo comentários apreciativos sobre personalidades que devem manter-se restritos a um escasso número de leitores especializados. Sei que pode parecer "corporativo" estar a dizer isto, mas a avaliação sobre se erramos ou acertamos deve competir apenas aos nossos ministérios. Caso contrário, a diplomacia desaparece...

Este episódio fez-me recordar um outro, ocorrido nos anos 90, com uma representação portuguesa num determinado país. Por razões que se prendiam com as funções que eu então ocupava, lia com alguma particular atenção a evolução da respectiva situação política, interessando-me pela relação interna das suas forças político-partidárias, porque da sua resultante futura em termos de governo dependeriam certas decisões que eram relevantes para nós.

Um dia chegou daquela Embaixada um bem argumentado "telegrama" (expressão que usamos para qualificar as nossas comunicações) de avaliação da situação política interna, que apontava para uma insofismável vitória da esquerda nas eleições que aí iriam ter lugar dentro de alguns tempos.

Passou mais de um mês e caiu à minha frente um novo telegrama onde, sem se fazer a mínima referência ao anterior, o subscritor afirmava precisamente o contrário do que antes havia dito. Alguns dos argumentos anteriormente utilizados para apontar a plausibilidade de uma vitória da esquerda apareciam agora "reciclados" em suporte da sua nova tese: a direita ia ganhar, por todo um conjunto de "sólidas" razões. A contradição com o telegrama anterior era óbvia e flagrante, mas o nosso homem nem sequer se preocupou em justificar a sua mudança de opinião, que, aliás, contrariava o que o "The Economist" e o "Le Monde" previam.

Fiquei à espera dessa coisa temível para a diplomacia que são os factos. Uma semana e pouco depois, a esquerda ganhou as eleições nesse país, por grande margem. Pedi para me trazerem o telegrama de comentário da nossa Embaixada. Lá estava o que eu já presumia: o nosso homem não resistiu e escreveu: "como tive ocasião de reportar a Vexa através do meu X (número do primeiro telegrama), a esquerda saiu vencedora...". Se acaso tivesse sido a direita a ganhar, o telegrama mencionado teria sido o Y (o segundo telegrama) e o nosso diplomata, que se havia "sangrado em saúde" com a emissão de duas comunicações de sentido contrário, continuaria confortável. Só que, por vezes, por um azar dos Távoras que ocorre a este género de vivaços, há quem leia tudo... O homem já se reformou, sosseguem os curiosos!

Sedes

Uma noite, creio que em meados de 1973, numas instalações da rua Viriato que eram então ocupadas pela SEDES - esse clube de reflexão político-económica, de matriz liberal, que o marcelismo deixou criar e que ainda hoje subsiste -, assisti a uma palestra de Francisco de Sá Carneiro. Recordo-me de o ver chegar ao hall, muito sereno e sério, de gabardine preta, com uma postura erecta que disfarçava a sua pequena estatura. Já não me lembro do tema da charla, mas seguramente tinha a ver com a temática das liberdades, tocada no tom reformista que era o seu.

No final, com a sala apinhada, houve algumas perguntas. Marcelo Rebelo de Sousa fez uma. Sucedeu-lhe um outro jovem, que eu não conhecia, com um discurso muito articulado, que colocou uma daquelas longas falsas perguntas que, neste tipo de eventos, substitui a intervenção que gostariam de ter feito. Perguntei quem era, a um amigo que me acompanhava: "É um católico do Técnico. Dizem que é muito esperto. Chama-se António Guterres".

Duas décadas mais tarde, eu e esse amigo integraríamos os dois governos em que António Guterres foi primeiro-ministro.

sábado, dezembro 05, 2009

Sá Carneiro


Francisco Sá Carneiro, que há 29 anos morreu no desastre de Camarate, por acidente ou atentado, teria hoje 75 anos. O que lhe teria sucedido, no quadro da vida política portuguesa, se não tivesse desaparecido? A História não se compadece com este tipo de interrogações, mas a indiscutível preeminência de que dispunha na sua área política leva à presunção lógica de que se teria mantido em cenários de continuado protagonismo.

Sá Carneiro foi uma personalidade de recorte muito particular na vida política portuguesa. Convidado para deputado independente nas listas da União Nacional, cedo entrou em conflito com Marcelo Caetano, ao constatar a sua falta de vontade para promover uma clara abertura política. O ostensivo afastamento que veio a marcar face ao regime, antecedido de alguns gestos reveladores de coragem e determinação, criou-lhe um crédito político que veio a utilizar após o 25 de Abril, ao fundar aquele que viria a revelar-se um dos partidos fundamentais no novo regime democrático - o então chamado Partido Popular Democrático (PPD), mais tarde Partido Social Democrata (PSD).

Os seis anos da sua relação com o PPD não foram tempos fáceis, quer dentro desta formação política, quer na sociedade portuguesa em geral. Sá Carneiro, afectado por problemas de saúde, rupturas familiares, dissidências internas e acusações públicas que se viriam a revelar infundadas, mostrou ser uma figura com carisma, encarnando com muita firmeza um projecto liberal que, simultaneamente, se opunha ao prolongamento dos militares no eixo da vida política e às orientações dos vários sectores da esquerda, de quem se tornou uma clara "bête noire". A sua morte coincide com a derrota, cujas consequências iria ter de suportar, do seu candidato à presidência da República, o general Soares Carneiro.

O que teria acontecido em Portugal, com o general Eanes na presidência, com a contestação que Sá Carneiro seguramente lhe iria fazer, com a crise económica que levou à intervenção do FMI? Qual seria, por exemplo, o seu grau de disponibilidade para entrar numa solução de Bloco Central, como a que foi protagonizada por Mário Soares e Mota Pinto, que foi então considerado essencial para superar um momento muito delicado da vida portuguesa? Nunca o saberemos, embora o perfil de Francisco Sá Carneiro se afigurasse pouco consentâneo com esse tipo de compromissos. A pergunta permanecerá para sempre: o que teria acontecido a Sá Carneiro se não tivesse morrido naquela trágica noite, em Camarate?

(Peço de empréstimo ao meu amigo Alfredo Cunha esta excelente foto de Sá Carneiro)

Platini

Numa entrevista ao "Le Figaro", o actual presidente da UEFA e um dos maiores génios de sempre do futebol mumdial, Michel Platini, mostra-se fortemente contrário à introdução de meios de certificação de lances através de vídeo, como elemento complementar da arbitragem.

Para Platini, a televisão matou a arbitragem, mas não será ela que a vai salvar. A sua única proposta é a generalização do uso de mais dois fiscais por jogo, colocados junto às balizas.

Tendo a concordar. O uso de meios tecnológicos "cortaria" o ritmo de jogo e, além do mais, exigiria um arsenal de câmaras e estruturas difícil de sustentar e de generalizar. O futebol terá de continuar a ser humano. Como o erro.

América Latina

A avaliação feita por grande parte da comunicação social sobre os resultados da recente cimeira ibero-latinoamericana, realizada em Portugal, tendeu a sublinhar as supostas ineficiências desta comunidade de países, relegando para um notório segundo plano as virtualidades do trabalho conjunto, que vem sendo desenvolvido ao longo dos anos que a mesma leva de actividade.

Julgo que teria sido importante que a opinião pública pudesse ter elementos mais concretos sobre este exercício, sem dele esperar aquilo que ele não pode dar, mas igualmente tendo em atenção os progressos por ele alcançados.

Esta relação da América Latina com Portugal e Espanha tem vindo a aculturar uma atitude comum face a um conjunto muito diverso de sectores, com uma cooperação cujo aprofundamento sofre, naturalmente, da circunstância de estarmos perante Estados muito diversos, marcados por realidades nacionais muito distintas, algumas das quais conflituais entre si.

É sabido que o processo político na América Latina tem tido uma progressão não linear, com avanços e recuos, em especial em países cuja estabilização económico-social está longe de concluída. Nenhuma força exterior, muito menos uma estrutura de enquadramento oriunda de vectores de proximidade cultural, como é o caso da comunidade ibero-latinoamericana, tem condições de forçar essa realidade e de "apressar" decisivamente o futuro de todos e de cada um.

Não será, porém, por acaso que o conjunto de Estados agregados nesta comunidade continua interessado em mantê-la. É por detectar muitos pontos positivos no prosseguimento desse trabalho que todo aquele vasto número de países se mantém empenhado no exercício - cuja actividade, convém lembrar, se desenvolve numa multiplicidade de modelos de cooperação que estão diariamente no terreno e de que as cimeiras são apenas um momento pontual de avaliação e de reorientação programática e política.

A conflitualidade interna em certos Estados latino-americanos, bem como a ocorrência de dissídios entre outros, fazem parte integrante da vida internacional e têm de ser compreendidos como factos que não é possível evitar. O que a comunidade deve fazer, e fá-lo com regularidade, é colocar à disposição desses mesmos Estados, sob a óptica de um património de valores e princípios que todos subscreveram, a possibilidade de gizar plataformas de diálogo. Umas vezes isso é possível, outras vezes não.

Além disso, julgo que a nossa opinião pública também não se dá conta da valia que esta vertente de relação geográfica tem para a relevância da acção de Portugal e Espanha no seio da definição da política exterior da União Europeia - onde ambos os países se assumem hoje, com enorme e inigualado destaque, em todo o quadro de definição da relação Europa-América Latina.

Esta cimeira em Portugal, realizada num contexto difícil para alguns Estados latino-americanos, constituiu-se como um esforço colectivo muito meritório para o prosseguimento da comunidade ibero-latinoamericana.

Alguns aspectos haverá, porventura, que analisar mais aprofundadamente no futuro, com vista a dar a esta comunidade um carácter cada vez mais satisfatório para todos os seus integrantes. Penso, por exemplo, no interesse que haverá em fazer prevalecer, naquele contexto, um maior equilíbrio entre os dois grupos linguísticos que a compõem, gizando atempadamente um agenda comum entre Portugal e o Brasil, que possa ir em paralelo com aquela que hoje é assumida pelos países de língua espanhola e que tem já importante expressão em muita da estrutura e actividade da comunidade. Esse é, aliás, um dos caminhos para vir a conferir ao Brasil o relevo que tem direito a usufruir no seio da comunidade, pelo facto de ser o maior e mais importante país desta estrutura bi-regional.  O tempo ensinou-me que uma condição sine qua non para o progresso da comunidade ibero-latinoamericana assenta na possibilidade de potenciar do entusiasmo do Brasil neste exercício. Com isso, por variadas razões, Portugal só terá a ganhar.

Em tempo: chamo a atenção para os oportunos comentários sobre este post inseridos no Blogue Notas.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Camarate

Faz hoje 29 anos que o primeiro-ministro Francisco de Sá Carneiro e o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, bem como várias outras pessoas que os acompanhavam, pereceram num desastre aéreo em Camarate, nos arredores de Lisboa.

Sá Carneiro era, há menos de um ano, primeiro-ministro de Portugal. Viviam-se tempos políticos de grande tensão, com eleições presidenciais a terem lugar  três dias depois.  As condições em que as mortes tiveram lugar deram origem, desde então, a uma interminada polémica - entre os que entendem que se tratou de um acidente e os que favorecem a tese de um atentado.

É sempre pena ver a análise de acontecimentos desta importância reconduzida e praticamente reduzida ao contraditório do debate político. A imagem dos países sai sempre engrandecida quando questões com esta gravidade ficam totalmente clarificadas, com a verdade a emergir por si própria e de forma indisputada. Infelizmente, no caso do desastre de Camarate, a história política portuguesa terá de viver, para sempre, com o peso do enigma.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

José David


Como aqui referi há alguns meses, a importância da obra de José David justificava o seu melhor conhecimento. Foi isso que ontem se fez, com a organização de uma exposição na Embaixada.

Um público muito interessado, de admiradores e amigos do pintor português que há 40 anos desembarcou em Paris, apreciou um conjunto muito elaborado de alguns dos seus trabalhos mais recentes e de outros de um período não muito distante.

Esta foi apenas uma entre mais de duas dezenas de exposições e mostras do seu trabalho que José David efectuou em vários e prestigiados lugares, com óbvio destaque, em Paris, para o Centre Pompidou e o Centro Cultural Gulbenkian. 

Para quem conhece menos bem José David, aconselho uma leitura do seu perfil feito por Susana Paiva, a quem fica a dever-se a excelente foto que aqui peço de empréstimo.


Em tempo: lamento contrariar o "politicamente correcto", ao reproduzir o artista em prática viciante.

Democracias

A decisão dos cidadãos suíços, tomada em referendo, de proibir a construção de minaretes nas mesquitas, é uma atitude que, claramente, pode ser lida como relevando do sentimento criado naquele país em relação à comunidade muçulmana. As suas consequências políticas, bem como os seus efeitos colaterais, continuam a ser avaliadas em outros Estados, dada a sensibilidade que o tema tem, nomeadamente em termos de exercício da liberdade religiosa, num contexto mundial muito particular.

As regras da democracia, em particular as que vigoram na Suíça e que dão origem a frequentes referendos, são o que são. A utilização da democracia directa tem inegáveis virtualidades de mobilização cívica e de uma maior proximidade dos cidadãos face às atitudes do Estado. Resta saber se, por vezes, essa intensa "subsidiariedade" não é apenas uma tentativa para obter um conforto democrático face a decisões que se sabe serem  mais delicadas. Só que, como neste caso, o tiro pode "sair pela culatra" e o governo suíço vai ter agora de gerir externamente uma atitude de que os cidadãos votantes não tiveram em conta, seguramente, todas as consequências e repercussões. Para isso, para consagrar essa visão de conjunto no período de vigência dos seus mandatos, é que se elegem governos, com base em programas políticos. Alguns dirão que os suíços lá sabem, que é a sua vida. Será, mas, num caso como este, também pode afectar a nossa.

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Belém


... e lá fui, com Américo Tomás, conduzido até Belém.

O leitor não deve esperar deste post uma insólita historieta que envolva o antigo presidente da República, afastado pela Revolução de Abril. Trata-se, muito simplesmente, do facto de ontem ter sido levado pelo motorista do MNE, sr. Américo Tomás, à Torre de Belém, para assistir, como convidado, à cerimónia da entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

Como a imagem que captei com telemóvel pobremente documenta, foi uma bela festa, organizada por Portugal, para comemorar, simultaneamente, o início da aplicação do novo Tratado que leva o nome da capital portuguesa e para recordar, uma vez mais, o facto da presidência portuguesa da União Europeia, em 2007, ter conseguido garantir os difíceis consensos que viriam a permitir o fecho dessa longa negociação institucional.

Muita gente na Europa tem esperança que o Tratado de Lisboa represente a "pacificação" da conflitualidade institucional que se instalou na vida comunitária desde há muitos anos, bem patente nas efémeras revisões do Tratado de Maastricht - Amesterdão e Nice -, seguida pelo fracasso do Tratado Constitucional. O Tratado de Lisboa, precisamente porque muito dificilmente parece ser possível opor-lhe uma alternativa consensual a 27 ou mais países, pode ter garantida uma longa vida. E, com ele, o nome de Lisboa ganhará um merecido lugar no imaginário europeu.

Patten

Já aqui falámos, em tempos, de Chris Patten, um político conservador britânico com uma singular clarividência e coragem para assumir as suas ideias.

Para os que se interessam pelas coisas europeias e, em especial, pelo destino da voz própria da Europa no plano internacional, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, deixo o link para o lúcido artigo que Patten fez publicar, entre outros, no "Le Figaro". Pode ser lido em francês ou ouvido no original em inglês.

segunda-feira, novembro 30, 2009

Independência


O dia 1º de Dezembro, data que marca a recuperação da independência de Portugal face a Espanha, em 1640, parece ter hoje um significado residual para a maioria dos portugueses. Já muito poucos recordam a história da revolta aristocrática que, aproveitando habilmente a fragilidade conjuntural de Madrid, repôs a coroa numa personalidade portuguesa, na figura de um titular da família Bragança. Pergunte-se, pelas ruas do nosso país, a razão de ser deste feriado e - garanto! - as respostas serão as mais díspares e disparatadas.

A ditadura do Estado Novo procurou aproveitar, de forma oportunista, as grandes datas da nossa nacionalidade. Ao politizar esses momentos, ela contribuiu decisivamente para a diluição da sua importância no imaginário colectivo e, por uma reacção a contrario, fez deles afastar os cidadãos, o que resultou na quebra da herança histórica intergeracional com que se define um país. Confesso que sinto alguma nostalgia quando vejo o modo respeitoso como os franceses ou os britânicos comemoram as suas datas fundacionais, ao mesmo tempo que observo a displicência com que, em Portugal, se olham tempos similares nossos. E isto é tanto mais estranho quanto a nossa História, por ser muito antiga e rica, justificaria que as novas gerações olhassem para ela com bastante orgulho.

Na minha juventude, o 1º de Dezembro era uma data cheia de comemorações oficiais. Por todo o país, o dia era prenhe de desfiles e romagens esforçadamente patrióticos. Nos meus primeiros anos do liceu, em Vila Real, para a marcha militarista obrigatória que fazíamos pelas gélidas ruas da cidade, de calção castanho e camisa verde, com o cinto com um críptico S, a minha mãe acolchoava-me com camisolas interiores sobrepostas, para evitar as gripes que, à época, não tinham siglas cosmopolitas como as de agora. Mais crescido, passei a ir às "ceias do 1º de Dezembro" e a colaborar nas récitas do Teatro Avenida, onde a proverbial injustiça da crítica impediu que ficassem gravadas em glória algumas imorredouras "performances". Já de capa e batina, íamos cantar pela cidade o hino da Restauração, com uma letra "estadonovista" que era uma espécie de segundo hino da Mocidade Portuguesa. Os nostálgicos podem ouvi-lo aqui. Eu, confesso, ainda sei de cor a letra.

Hoje, o 1º de Dezembro está transformado numa data caricatural, comemorada por grupos minoritários, em busca de um reconhecimento que o público lhes nega e que só alguns blogues de seita acolhem. Neles sobrevive um anti-espanholismo primário - essa doença infantil do portuguesismo - que acaba por obscurecer os verdadeiros novos perigos que o país corre no plano externo.

Olhar o futuro




Aproveitando esta bela imagem de outros tempos, que ressalta a relação futebolística entre Portugal e a França, chamo a atenção para o artigo "Olhar o Futuro", sobre as relações político-económicas bilaterais, que publico no último número da revista da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Francesa, em Lisboa, e que pode ser lido aqui.

domingo, novembro 29, 2009

Cerimónia


Já em tempos, tinha lido Eusébio afirmar que, aquando da sua vinda para o Benfica, o respeito era tal face a figuras consagradas da sua nova equipa que os tratava por sr. Coluna e sr. Costa Pereira.

Francamente, pensava que os tempos tinham mudado e que o ambiente, no seio dos clubes ou da selecção nacional, havia perdido esse tipo de cerimónias.

Por essa razão, foi com grande surpresa que li a confissão de Petit ao Jornal "i", sobre os seus primeiros dias na selecção: "Nos treinos, eu nem pedia a bola e quando a roubava entregava-a logo a eles, porque tinha vergonha de dizer 'ó Figo', 'ó Rui', 'ó Pauleta!'".

Pelos vistos, há um mundo por detrás desta timidez que joga mal com a sem-cerimónia agressiva que Petit assume em campo.

Será que isto também é válido para outras actividades, como a política ou a diplomacia?

sábado, novembro 28, 2009

Teresa Salgueiro

Foi um belo espectáculo aquele que Teresa Salgueiro trouxe ontem a Neuilly-sur-Seine, a convite da Associação Cultural Portuguesa naquele subúrbio elegante de Paris.

Embora muitos associem ainda a sua voz aos Madredeus, Teresa Salgueiro, não abandonando a recriação de música antiga, passa agora pelo folclore e pelo fado, a que liga clássicos contemporâneos, como José Afonso e Fausto.

Teresa Salgueiro é hoje uma excelente "marca" portuguesa para o mundo.

O meu Comissário

Maigret

sexta-feira, novembro 27, 2009

Migrações

Recordava Jacques Toubon como ministro dos governos de Jacques Chirac, bem como deputado europeu. Ontem, visitei-o como presidente da Cité Nationale de l'Histoire de l'Immigation, e com ele estive a analisar a possibilidade de trabalharmos em iniciativas tendentes a sublinhar publicamente aspectos da migração portuguesa para França.

Este museu está instalado num edifício remanescente da Exposição Colonial de 1931, ricamente decorado com um curioso conjunto de símbolos artísticos desse mesmo tempo. Colocá-lo agora ao serviço da memória da imigração, que dá destaque às componentes da presente diversidade da sociedade francesa, constitui um imaginativo gesto cívico.

No diálogo com Jacques Toubon tornei claro por onde pretendemos avançar, na colaboração que a Embaixada pretende estabelecer com a instituição que ele dirige com grande entusiasmo e dinamismo. A aventura migratória de Portugal para a França é uma saga heróica de cuja memória não nos devemos afastar, porque constitui um singular património de dignidade e de coragem, um tempo histórico de que sempre nos devemos orgulhar. Um orgulho que é devido a homens e mulheres que tiveram a força anímica para dar o salto para um futuro de sacrifício e trabalho - como foi o caso do nosso compatriota Baptista de Matos, uma figura destacada da comunidade em Paris cujo percurso pessoal aparece singularizado na exposição permanente patente no museu. Mas esse orgulho tem sempre de ser pontuado pela consciência de que esses cidadãos foram obrigados a encontrar no estrangeiro as soluções para o seu destino, porque o seu próprio país foi incapaz de lhas proporcionar.

Assim, e sem esquecer nunca esse tempo de sacrifício, não creio ser prioritário estar a sublinhá-lo obsessivamente em exposições ou debates, a menos que esses inventários de memória sejam centrados em temáticas específicas que ainda não hajam sido suficientemente abordadas e que nos ajudem a aprofundar algumas dimensões mais interessantes. O que essencialmente nos interessa é olhar em frente. Por isso, as hipóteses de trabalho que analisei com Jacques Toubon prendem-se também com a análise dos processos de integração das actuais gerações de portugueses e de luso-descendentes, como exemplo de percursos a seguir e a relevar em termos públicos.

Tenho esperança de que seja possível vir a estabelecer uma relação de útil cooperação entre algumas instituições portuguesas e este museu da imigração, com vista a dar visibilidade e destaque àquilo que foi e é o magnífico esforço da nossa comunidade em França.

quinta-feira, novembro 26, 2009

Melo Antunes

Ernesto Melo Antunes é uma das personalidades fundadoras da democracia portuguesa. Ideólogo do Movimento das Forças Armadas (MFA), teve um papel central na superação das tensões políticas que marcaram a vida portuguesa durante 1975. Nesse ano, coordenou a definição de um Plano de recuperação económica do país, foi redactor do "Documento dos Nove", que representou a linha moderada do MFA contra as correntes mais radicais do processo revolucionário, e a ele se fica a dever a corajosa travagem de uma deriva autoritária que alguns esperavam retirar da vitória político-militar dessa mesma linha, na sequência dos acontecimentos de 25 de Novembro.

Melo Antunes foi ministro em governos provisórios após a Revolução de Abril, com especial destaque para os Negócios Estrangeiros, onde assegurou uma gestão que abriu o diálogo de Portugal com áreas importantes daquilo que então se designava por Terceiro Mundo. Homem sem ambições políticas, foi presidente da Comissão Constitucional e membro do Conselho de Estado, vindo a assumir funções importantes no âmbito da UNESCO.

Hoje e amanhã, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, o perfil de Melo Antunes vai ser analisado por cerca de 30 personalidades, que o admiravam e respeitavam. Tenho pena que impedimentos pessoais me não permitam poder participar na homenagem a uma figura que faz muita falta a Portugal e de quem tive o privilégio, embora já tarde na sua vida, de poder ser amigo.

Em tempo: Leiam, sobre Melo Antunes, o que diz Tim Tim no Tibete.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Douro em Paris

Ontem, o Douro desaguou na Embaixada de Portugal em Paris. Com apresentações culturais e turísticas, acompanhados por produtos típicos da região, promotores, jornalistas e empresários, bem como "opinion makers", puderam usufruir de uma imagem mais concreta da região do Douro. Oportunidades de investimento, dimensões culturais, facilidades turísticas e apelo paisagístico e ambiental foram alguns dos aspectos relevados na sessão.

Mais tarde, no restaurante Saudade, o chefe Rui Paula, do restaurante duriense DOC, apresentou a algumas dezenas de convidados um qualificado jantar "gourmet".

O vinho do Porto, mas igualmente os excelentes vinhos de mesa do Douro, estiveram em evidência durante esta acção promocional.

Uma bela jornada para uma bela região. Esta promoção do Douro vai continuar a fazer-se pelo mundo, com o apoio das nossas Embaixadas.

De Boissieu

Uma escolha de que praticamente se não falou nas recentes decisões sobre lugares europeus foi a do secretário-geral do Conselho de Ministros. Engana-se muito quem pensar que este cargo não tem relevância. A França promoveu para ele o nome de Pierre de Boissieu que era, até agora, secretário-geral adjunto, nº 2 de Javier Solana.

Pierre de Boissieu é, a meu ver, uma das figuras que melhor conhece a estrutura comunitária, para onde entrou há mais de 30 anos, pela mão de François-Xavier Ortoli, então presidente da Comissão europeia. Com os seus inconfundíveis pullovers azuis escuros, muitos dos quais já com ostensivo furo no cotovelo, de Boissieu é uma pessoa a quem, estou certo, os qualificativos de vaidoso e arrogante, que frequentemente lhe colam, não devem desagradar, porque ele próprio é cultor, com algum gozo e maestria, desse mesmo perfil. Espartano nos costumes, ácido na ironia e brilhante no raciocínio, com um ar algo irritante para muitos, onde se vê uma réstea do que terá sido um menino sobredotado e sabichão, de Boissieu mantém-se hoje como o eixo imprescindível de uma máquina de grande qualidade.

Em mais de cinco anos de convivência próxima, tive com Pierre de Boissieu algumas "accrochages" públicas fortes, entre as quais recordo, em particular, uma acesa discussão sobre questões relativas ao alargamento, numa madrugada do Conselho Europeu de Santa Maria da Feira, em Junho de 2000. O Secretariado-Geral do Conselho, onde de Boissieu era um poderoso nº 2, é o "braço direito" das presidências rotativas, mas, muito frequentemente, pretende "guiá-las" e moldá-las a uma lógica própria de interesses. E isso, confesso, frequentemente recusei, com alguma veemência e para desagrado de de Boissieu. Reconheço nele, contudo, um profissional de altíssima qualidade, embora com uma visão da Europa muito marcada pela peculiar perspectiva francesa. Ou não tivesse sido ele, por muito tempo, um excepcional representante de Paris junto das instituições comunitárias.

No "Le Figaro" de ontem, Pierre de Boissieu disse, com alguma candura, a propósito do projecto europeu, algo de extrema importância, que alguns parece não terem compreendido até hoje: "Durante a geração precedente, o Conselho Europeu era visto como uma instituição de responsabilidade e de gestão colectivas. Hoje, é o lugar onde se confrontram as posições dos Estados membros." E, numa leitura que lhe é muito própria, acrescenta, sem quaisquer rebuços: "A culpa é, obviamente, do alargamento (...), mas também de uma lógica de toma lá-dá cá que acaba por nos bloquear permanentemente". Como diriam os compatriotas de de Boissieu: "à bon entendeur..."

Dentre os múltiplos episódios que o anedotário bruxelense acolhe de Pierre de Boissieu - e eu tenho várias (algumas impublicáveis) cenas a que assisti - escolho um que teve lugar numa longa noite negocial do Tratado de Amesterdão.

Durante a manhã do mesmo dia, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês de então abordara um determinado assunto de uma certa forma. À tarde, o secretário de Estado francês interviera num tom que parecera, a alguns de nós, um tanto dissonante com o que o seu ministro afirmara. E, nessa noite, ao focar de novo o tema, na sua qualidade de embaixador francês, de Boissieu parecia estar a seguir uma terceira via. Alguém sublinhou o que podia ser lido como contraditório entre os três discursos e interrogou-se sobre qual deles representava, afinal, a verdadeira posição francesa. Com um esgar, onde se podia ler uma atitude entre a superioridade e o gozo da "blague", que sempre caracterizou as tomadas de posição de alguém que tem orgulho nas suas raízes familiares partilhadas com o general de Gaulle, de Boissieu respondeu, imperial: "Les autres je sais pas. Moi je parle au nom de la France...". Ficámos esclarecidos. No meu caso, até hoje.

Tarde do dia de Consoada