Interrogado por António Ferro sobre abusos policiais sobre detidos políticos, Salazar inquiria cinicamente sobre se não seriam legítimos alguns "safanões a tempo", por forma a prevenir atos terroristas.
Foi agora publicado, sob a responsabilidade da administração Obama, o relatório sobre as torturas ("interrogatórios intensivos", no eufemismo usado) cometidas pelas autoridades americanas, depois do 11 de setembro. Lá estão, entre outras, as simulações de afogamento, a hipotermia até à morte, a "estátua" por vários dias, a tortura do sono por uma semana e outras práticas bem criativas para extrair aos detidos, não a confissão daquilo que teriam feito, mas informações prospetivas sobre aquilo que os seus amigos poderiam vir a fazer. Eu sei que o autor não está na moda, mas saiu há meses um livro, intitulado "Confiança no mundo", onde este assunto foi tratado com algum cuidado e que pode ser interessante revisitar.
Comparando com a "qualidade" e a "técnica" das torturas praticadas nessa altura pela democracia americana, posso adivinhar que alguns nostálgicos do salazarismo devem estar a pensar, por esta hora, que, afinal, aquilo que a PIDE/DGS fazia eram quase brincadeiras de crianças.
Seria importante que alguém se lembrasse destas revelações quando, daqui a meses, o "State Department" americano vier, por aí, com o seu relatório sobre Direitos do Homem nos vários países do mundo, criticando as condições em algumas esquadras de polícia portuguesas e coisas assim. Neste ano, como no passado, nem só Guantanamo serviria de exemplo; tivemos há dias as imagens de um assassinato por asfixia, pela polícia, de um cidadão desarmado, a agitar-nos ainda a consciência. Pena é que uma espécie de temor reverencial ate então as mãos das autoridades nacionais, impedindo-as de reagir à letra. A pena de morte na Guiné-Equatorial mobiliza-as (e bem!), mas o silêncio sobre práticas idênticas na auto-proclamada maior democracia do mundo merece-lhes um prudente e regular silêncio.