quarta-feira, dezembro 10, 2014

"Safanões a tempo"

Interrogado por António Ferro sobre abusos policiais sobre detidos políticos, Salazar inquiria cinicamente sobre se não seriam legítimos alguns "safanões a tempo", por forma a prevenir atos terroristas.

Foi agora publicado, sob a responsabilidade da administração Obama, o relatório sobre as torturas ("interrogatórios intensivos", no eufemismo usado) cometidas pelas autoridades americanas, depois do 11 de setembro. Lá estão, entre outras, as simulações de afogamento, a hipotermia até à morte, a "estátua" por vários dias, a tortura do sono por uma semana e outras práticas bem criativas para extrair aos detidos, não a confissão daquilo que teriam feito, mas informações prospetivas sobre aquilo que os seus amigos poderiam vir a fazer. Eu sei que o autor não está na moda, mas saiu há meses um livro, intitulado "Confiança no mundo", onde este assunto foi tratado com algum cuidado e que pode ser interessante revisitar.

Comparando com a "qualidade" e a "técnica" das torturas praticadas nessa altura pela democracia americana, posso adivinhar que alguns nostálgicos do salazarismo devem estar a pensar, por esta hora, que, afinal, aquilo que a PIDE/DGS fazia eram quase brincadeiras de crianças.

Seria importante que alguém se lembrasse destas revelações quando, daqui a meses, o "State Department" americano vier, por aí, com o seu relatório sobre Direitos do Homem nos vários países do mundo, criticando as condições em algumas esquadras de polícia portuguesas e coisas assim. Neste ano, como no passado, nem só Guantanamo serviria de exemplo; tivemos há dias as imagens de um assassinato por asfixia, pela polícia, de um cidadão desarmado, a agitar-nos ainda a consciência. Pena é que uma espécie de temor reverencial ate então as mãos das autoridades nacionais, impedindo-as de reagir à letra. A pena de morte na Guiné-Equatorial mobiliza-as (e bem!), mas o silêncio sobre práticas idênticas na auto-proclamada maior democracia do mundo merece-lhes um prudente e regular silêncio.

8 comentários:

Luís Lavoura disse...

quando o "State Department" americano vier com o seu relatório paternalista sobre Direitos do Homem nos vários países do mundo

As autoridades dos EUA têm alguma autoridade para vir, uma vez que, não somente criticam os outros, mas também se autocriticam.

São disse...

Abomino a estrutura da sociedade estado-unidense porque a acho hipócrita e patológica.

Irrita-me a dualidade de critérios seja onde for e o cinismo.

Pelo menos, o ditador português não se apresentava como democrata nem invadia países para exportar Democracia à bomba !!

Gostei de ler o livro de José Sócrates e acho lamentável a maneira como o seu caso (independentemente da sua culpa ou inocência) tem sido (des)tratado quer pela comunicação social quer , ainda mais , pela própria Justiça.



Saudações cordiais .

jj.amarante disse...

Maior democracia do mundo? Normalmente essa classificação está reservada para a Índia, onde vota muito mais gente.

Joaquim de Freitas disse...

Estas palavras dignificam o blogue e , honra lhe seja feita, estão à altura da imagem que tenho do seu autor desde o dia em que cá vim comentar.

Como já me exprimi sobre o assunto no "post" relativo às praxes e à violência em geral, acrescentarei somente que no documento agora publicado sobre a tortura praticada pelo exército americano, não se trata de "bavures" ou "bizutages" à moda das praxes, mas que se trata duma estratégia cuidadosamente reflectida e aplicada longe dos olhares dos media.

A tortura faz parte da estratégia e constitui mesmo um dos seus pilares , largamente descrito no "Manual da Tortura" , CIA, 1983, utilizado pelos instrutores da CIA e os "Beret Verts" , ensinado na Escola das Américas situada no Panamá, e depois no Fort Benning e na Academia dos Quadros da Guerra Política instalada em Taiwan.

Antes de ser um meio de obter informações, a tortura é a incarnação do terrorismo de Estado por excelência .

A "auto-proclamada" democracia americana , como muito bem escreve, é baseada no medo que a polícia deve inspirar a toda a gente, no interior dos EUA, e no poder destrutor militar, no exterior.

A escandalosa impunidade dos assassinatos por meio de drones é a prova. Os ataques com esta arma fatal provocaram até hoje a morte de 4000 pessoas, das quais 950 eram civis e 225 crianças. Para um número de "alvos" visados de 160. Os danos colaterais são imensos.
O director da CIA propõe a lista e Obama assina!

adelinoferreira disse...

Sabe-se lá quantos... passaram por cá a caminho da mais execrável violência de que é capaz o animal humano, com a cumplicidade das entidades governamentais (leia-se PR e governos).Obrigado Sr Embaixador, por não ter usado a "abstenção"

Joaquim de Freitas disse...

Senhor Luis Lavoura : Eu chamo a isso a "cultura da atrocidade"!

Acho estranho que um honesto cidadão possa conceder a circunstância atenuante a uma "democracia" que cometeu crimes, mas que, porque os confessou, possa ter o direito de criticar outros, eventualmente acusados dos mesmos crimes. E sublinho "eventualmente"!

Seria o horror absoluto e a negação de toda ideia de civilização de justificar os crimes desta maneira.

Mas é com este género de raciocínio que são cometidos os crimes contra a humanidade !

Shoa contra Goulag. My Lai contra Katin.

Os atentados contra o World Trade Center e o Pentágono, foram um crime monstruoso que não justificam os crimes cometidos contra o povo Afegão e Iraquiano que não tinham nada a ver com o 11 Setembro.

Os principais chefes do governo americano preparam, autorizam e agem ,hoje como no passado, segundo critérios que os condenariam como criminosos de guerra como Hitler, Göring e Goebbels.

patricio branco disse...

é mau que exista a tortura, mas é positivo que essas torturas e outros abusos possam ser denunciados, noticiados e investigados dentro dos próprios países onde são cometidos, eua, frança, ru, outros, o que não era o caso do estado novo, do franquismo, da urss e ainda de outros paises actualmente

Anónimo disse...


Relativamente ao Estado policial e penitenciário que são os USA recordo o que Óscar Wilde dizia sobre aquela entidade: A América é um país que passou da barbárie à decadência sem passar pela civilização.
Agora venham as hossanas...

João Pedro

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...