sábado, julho 20, 2013

Livros

Distraído com outras coisas, dou-me hoje conta que a "Sá da Costa", a histórica livraria do Chiado, vai fechar nas próximas horas. Sinto-me especialmente triste pelo facto? Nem por isso, exceto na medida em que o encerramento de uma livraria é sempre uma machadada no património cultural.

Recordo, bem jovem, entrar naquele ambiente escuro e sentir, com alguma incomodidade, as conversas da tertúlia idosa que abancava no local suspenderem-se com o surgimento do intruso. Por alguns anos, a "Sá da Costa" intimidava-me, criava-me um certo desconforto, o que me levava a ser um visitante esporádico. Em certas alturas, tinha a sensação de que faziam um favor ao venderem-me algum livro. Nos últimos tempos, sentia, por vezes, alguma curiosidade em entrar naquele espaço decadente apenas para apreciar a estranha mescla de volumes que compunha as mesas laterais de entrada: "best sellers" misturados com obscuras edições de autor, estudos microscópicos sobre temáticas raras junto a volumes para turistas, prolongando a especiosa escolha que era feita nas duas montras. 

Nunca percebi a "Sá da Costa", a sua lógica e a sua filosofia. Reconheço que o defeito deve ser meu. E deve ser o mesmo que fez com que não tivesse sentido muito o fim da vizinha "Diário de Notícias" ou da "Portugal". Ou que me faz ser algo "neutral" face à "Bertrand", que apenas reconheço fazer parte da identidade da zona, hoje transformada numa espécie de Algarve lisboeta. Por mim, guardo saudades livreiras do Chiado apenas para a "Moraes" e para a "Opinião".

sexta-feira, julho 19, 2013

Equação

1. O ministro de Estado e das Finanças demite-se.
2. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros demite-se.
3. Os mercados internacionais reagem muito mal à crise no seio do governo.
4. O primeiro-ministro anuncia ao país que a crise no governo foi superada e que propõe ao presidente da República uma remodelação do executivo.
5. O presidente ignora a proposta de remodelação e pede que os partidos do governo, com o principal partido da oposição, o Partido Socialista, procurem um entendimento programático.
6. O Partido Socialista aceita dialogar com os partidos do governo.
7. Os partidos encontram-se durante uma semana, anunciando, no final, que não foi possível chegarem a um acordo.
8. A culpa da crise de governabilidade em que o país fica é do Partido Socialista.

Fácil e claro, não é?

Algarve

Para o imaginário português (e não só), Algarve em julho (e agosto) é sinónimo de férias.

Há exceções. Eu fui uma delas. Por pouco mais de 24 horas, estive no Algarve, mas em trabalho. Com um tempo fabuloso, lá vi o mar. Mas ao longe.

quinta-feira, julho 18, 2013

FHC

Fernando Henrique Cardoso, que por dois mandatos foi presidente do Brasil, abrindo depois caminho ao presidente Lula, esteve alguns dias em Lisboa. Muito respeitado internacionalmente, é uma personalidade que honra o seu país, em cuja história democrática tem um lugar destacado. Tive o gosto de o encontrar, em excelente forma e bem disposto, no passado fim de semana, durante um almoço de amigos.

Ser uma figura pública tem, por vezes, o condão de proporcionar episódios curiosos. FHC, como é conhecido no Brasil, contou-nos duas histórias deliciosas.

A primeira foi passada numa rua de uma capital sul-americana, onde se deslocara, vários anos decorridos após a sua saída de funções. 

Um casal, ainda jovem, olhava para ele fixamente. Tinham ar de turistas, pelo que deduziu que fossem brasileiros. Não se enganou, ao ouvir o cavalheiro dirigir-se-lhe em português:

- Eu conheço-o! Deixe-me ver...

O presidente estava divertido com a hesitação dos seus compatriotas. Foi então que a senhora se decidiu:

- Já sei! O senhor trabalha na "Globo"! Não é isso?

- Trabalhava! Agora já não apareço mais na "Globo". O meu contrato acabou...

A segunda historieta é mais recente. Passou-se num elevador onde FHC seguia. Entram duas senhoras. Ambas o fitam. Uma delas, após alguma hesitação, pergunta:

- Desculpe! Não é o Fernando Henrique Cardoso?

O antigo presidente decidiu brincar um pouco:

- Não, esse é o meu irmão...

Ao que outra comentou:

- Pois é! O senhor é bem mais velho que ele!

quarta-feira, julho 17, 2013

O MES ainda anda por aí?

Foi um partido cheio de ambições. (Alguns não perceberão, outros não concordarão, muitos sabem "onde eu quero chegar" quando afirmo que as suas mais importantes ambições foram realizadas). Criado em 1974, dissolveu-se, "na boa", em 1981. Com uma jantarada, como deve ser!

Por ele passaram um presidente da República, vários ministros, um líder da oposição, muitos secretários de Estado e outros políticos, reitores e professores universitários, altos magistrados, embaixadores e várias figuras com saliência na sociedade portuguesa contemporânea.

Lembrei-me ontem do MES, ao ver Alberto Martins como negociador do "acordo de salvação nacional", exercício a cujas conversações assiste, em representação de Belém, David Justino. Para quem não saiba, ambos foram antigos militantes do MES.

Isto não quer dizer nada? Talvez não, mas não deixa de ter alguma graça.

Uma outra esquerda

A democracia portuguesa tem alguns fenómenos curiosos.

Um deles, bem conhecido, é o Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), uma formação na qual nunca ninguém votou diretamente em qualquer eleição, porquanto aparece sempre incluída numa "frente", que em tempos já se chamou APU e que agora se designa por CDU, onde o PCP é, sem surpresas, o partido dominante. O aproveitamento constitucional de uma "quota" de representação política, que permite a criação de um outro grupo parlamentar, duplica assim os tempos de palavra e, como agora se vê, garante que, no âmbito da mesma CDU, possam ser suscitadas duas moções de censura. Durante muitos anos, o PEV tinha como face mais visível a minha amiga Isabel de Castro. De há já algum tempo para cá, é a inconfundível voz de Heloísa Apolónia que passou a fazer parte do património sonoro do nosso parlamento.

A mais enigmática formação neste âmbito é, porém, a "Intervenção Democrática", uma estrutura política cuja visibilidade e atividade quotidiana mereceria, estou certo, ser estudada numa tese de doutoramento. Desde sempre dirigida por um homem simpático, com quem tenho uma relação bem cordial, Corregedor da Fonseca, surgiu como que uma espécie de herdeiro do MDP-CDE, esse "alter ego" ou "compagnon de route" dos comunistas, que chegou a ganhar um lugar na história político-partidária portuguesa. Até 1988, a ID (é esta a sigla de uma formação a cujos comícios os portugueses nunca terão o privilégio de assistir) teve um grupo parlamentar e tudo. Desde então, surge apenas sazonalmente, numa espécie de "troika" com o PCP e o PEV no seio da CDU, criando a ideia de que forma uma aliança política, de incidência eleitoral, fruto da laboriosa conjugação dos três programas.

Se estas três organizações - PCP, PEV, ID - se mantêm independentes, uma lógica de razoabilidade deve levar-nos a pensar que têm doutrinas e programas próprios, os quais, tendo necessariamente pontos comuns que justificam a permanência da "aliança", também têm, com certeza, divergências que justificam a sua existência autónoma. Ora esse é, para mim, o grande mistério. Em que pontos se afastam? Qual a sua idiosincrasia própria? Que conflitos ideológicos alimenta a ID com o PC? Em que se opõe o PEV ao PCP? Que temáticas dividem "Os Verdes" da ID?

Estas são dúvidas com que vivo há anos. Serão bem-vindos comentários que me ajudem a atenuá-la. 

terça-feira, julho 16, 2013

"Gazeta da Selvagem Pequena"

"Há quem tenha a ilusão de que o presidente da República pode impor aos partidos, contra a vontade destes, a sua participação em governos de coligação, por vezes apelidados de salvação nacional".

Aníbal Cavaco Silva, in "Roteiros", vol VI, 2011/12, pag. 22

Os pretos

Na minha infância, em Vila Real, praticamente só havia brancos. O primeiro preto que recordo ter aparecido na cidade foi o Ângelo, um jogador de futebol, depois reconvertido em massagista, que por lá ilustrava a "diferença". Era um homem encantador e educado, que conquistava pelo seu trato humano. Casou com uma senhora branca e, lembro-me bem, isso provocou localmente alguns comentários de desaprovação.

(Por que razão ele escreve "preto" e não "negro"?)

A imagem que, à época, a minha geração cultivava dos pretos era mais de estranheza do que hostilidade. Verdade seja que os livros e as coleções de cromos sobre as raças humanas, então muito populares, mostravam-nos esses outros mundos bizarros e apenas estimulavam uma certa curiosidade antropológica. Os pretos do "Tintin no Congo" não eram muito diferentes, no seu exotismo, do "preto da Casa Africana", que fazia sorrir os passantes. O preto que nos era dado por essas imagens era uma espécie de criança grande, parada no seu tempo mental. Não havia racismo em Portugal? Pois, pois...

(E ele insiste! Escreve "pretos"...)

Depois de 1961, no nosso imaginário juvenil, fomos estimulados  a identificar os pretos com os "terroristas". Para quem hoje não saiba ou possa ter esquecido, lembro que os "terroristas" eram os pretos que "atentavam contra a soberania portuguesa no Ultramar". O facto dos primeiros ataques da UPA (União dos Povos Angolanos), antecessora da FNLA, terem dizimado, de forma particularmente bárbara, muitos civis angolanos (e, para nossa surpresa, também muitos pretos, ditos "fiéis" aos portugueses, isto é, aos brancos), tornou vulgar na comunicação social de então o conceito de "terroristas", logo, de forma simplificada, apodados de "turras". No ambiente jingoísta da época, um preto era um "turra".

(Pior! Agora fala de "pretos" e de "turras"...)

Para dar mostras de abertura, o regime ditatorial português promovia os seus pretos de estimação. Para além do futebol, onde o "4-2-4" era um espaço de convivência inter-étnica que mostrava ao mundo como sabíamos integrar com sucesso o pé-de-obra colonial, a ditadura mostrava alguns dos "seus" pretos, que apresentava ao mundo como a prova provada da abertura do Portugal-do-Minho-a-Timor e da nossa ímpar capacidade de convivência inter-étnica.

Uma dessas caras foi Pinheiro da Silva, que, creio, foi secretário provincial de Educação de Angola e morreu há muito pouco tempo. O que o regime não permitiu que se soubesse através da imprensa, porque não ia bem com a história que pretendia propagar, é o episódio em que o deputado salazarista Júlio Evangelista insultou publicamente Pinheiro da Silva e, perante a reação deste, que se preparava para vingar fisicamente a humilhação, lhe atirou à cara: "Alto aí! Preto não bate em branco!"

(Que história sórdida! Mas, se calhar, é verdadeira!)

Mas a que propósito vem isto hoje, perguntará o leitor? É muito simples: surge a propósito da afirmação de um senador italiano que ontem decidiu qualificar de "orangotango" uma ministra do seu país.

O mundo evoluiu muito. A mesma América que, há escassas décadas, impedia a entrada de pretos em certos autocarros, elegeu Obama. A África do Sul, que não permitia senão a brancos que se sentassem em certos bancos de jardim, revelou Mandela como uma figura ímpar no seu humanismo. E, no entanto, neste século XXI, continuam a subsistir e a ser eleitos atrasados mentais como o tal senador italiano. E a revelarem-se diariamente, no anonimato cobarde dos comentaristas nos "sites", um racismo e uma xenofobia larvares, que mostram que há um Portugal desconhecido (ou menos conhecido) que espera por nós, ao virar da esquina do populismo.

Porque razão utilizei a palavra "preto" e não "negro"? Porque há muito que me convenci que uma postura anti-racista não se demonstra pelo léxico que se utiliza, por muito que alguns puristas nos queiram convencer do contrário. Eu digo, indiferentemente, preto ou negro e desafio quem quer que seja a inculpar-me do menor racismo nas minhas ações. Tenho amigos pretos, ou negros, se quiserem, e a sua cor é uma coisa que só os outros me lembram. A tolerância e a capacidade de convivência com a diferença é uma atitude de vida, de respeito pelos outros e, muito em especial, de orgulho em fazermos parte de um país que, no plano internacional, é hoje distinguido pelas suas políticas de integração das comunidades imigrantes (sabiam?). E onde, contrariamente a outras sociedades mais desenvolvidas, nunca se ouviu um eleito nacional assumir publicamente palavras tão torpes como as do triste senador italiano.

Termino com uma nota menos pesada.  

Sobre a questão do "preto" e do "politicamente correto" (para além do que um dia já referi aqui), recordo uma pessoa que, nos seus primeiros tempos do Brasil, foi um dia apanhada a dizer "Ouro Negro", porque temia que, ao falar em Ouro Preto, estivesse a pisar alguma linha vermelha (ou "encarnada", como o salazarismo subtilmente recomendava e um certo ridículo social lisboeta teima em querer impor).

segunda-feira, julho 15, 2013

Comidas

A delegação portuguesa, chefiada por um jovem governante que, pela primeira vez, se deslocava a Bruxelas, saía do edifício comunitário e encaminhava-se já para os carros quando o mais graduado dos técnicos presentes se aproximou do político e lhe sugeriu:

- Não alinha em comer uma "moules"? Conheço um sítio excelente, onde as há magníficas!

O governante (que nada tinha a ver com os Negócios Estrangeiros, note-se), um pouco embaraçado, respondeu:

- Sinto-me tentado! Mas o que é que fazemos com a nossas mulheres?...

Com maior ou menor rigor, garanto a veracidade desta história.

domingo, julho 14, 2013

Ainda a "salvação nacional"

O conceito de "salvação nacional", há dias invocado pelo presidente da República, remete, na memória da minha geração, para a "Junta de Salvação Nacional", criada na tarde de 25 de abril de 1974 e que viria a sobreviver até à criação do Conselho da Revolução, na sequência dos acontecimentos de 11 de março de 1975. 

Quem conhece melhor esse período sabe que a Junta deixou, na prática, de funcionar como tal após o chamado "golpe" de 28 de setembro de 1974. Embora alargada na sua composição na sequência desses acontecimentos (Nuno Fisher Lopes Pires, que ontem foi a enterrar, integrou-a a partir de então), julgo que não reunia regularmente nessa sua nova composição, passando a trabalhar sob o formato do chamado "Conselho dos Vinte", que incluía os chefes dos três ramos e outras figuras do MFA. Na noite de 11 de março de 1975, quando um grupo de militares, do qual eu fazia parte, se deslocou ao Palácio de Belém para interpelar os poderes militares aí reunidos sob a presidência de Costa Gomes e reclamar a realização de uma Assembleia "ad hoc" do MFA para essa mesma noite, foi o "Conselho dos Vinte" que por lá encontrámos.

A minha "relação" pessoal com a Junta começou bastante cedo, na noite de 25 de abril, quando, como Aspirante, fiz parte do grupo de militares que recebeu os membros Junta à entrada da RTP, na alameda das Linhas de Torres, que a minha unidade tinha ocupado na madrugada desse mesmo dia. Os carros que vinham do "posto de comando do MFA", na Pontinha, que traziam os membros da recém-criada Junta, pararam junto ao acesso à rampa que dava acesso aos estúdios, ao lado de uma bomba de gasolina que por ali havia. Atrás de Spínola, surgiram então umas fardas e alguns civis. Esse grupo começou a subir a rampa mas, porque tememos que alguém se aproveitasse da confusão para ter também acesso à RTP, tomámos a decisão de identificar cada um dos civis - já que quanto àqueles que estavam fardados a questão se não colocava. Recordo-me de, com a minha pequena metralhadora FBP, ter travado o passo a algumas dessas figuras. Uma delas, um homem de fato escuro e ar sorridente, identificou-se: "Eu sou o coronel Galvão de Melo, membro da Junta de Salvação Nacional". Não fazia a menor ideia sobre quem constituía a Junta, salvo Spínola e Costa Gomes. E, atrapalhado, lá deixei passar Galvão de Melo (na histórica foto de Alfredo Cunha, à direita), um dos dois membros da Junta oriundos da Força Aérea (o outro membro, Diogo Neto, estava em Moçambique).

Por razões que não vêm para o caso, em meados do mês de agosto seguinte, eu tive de ir procurar o então major Costa Neves, chefe de gabinete  de Galvão de Melo, que estava de visita à penitenciária de Lisboa, onde, na véspera, tinha terminado um motim dos agentes da "Direção Geral de Segurança", o nome que o marcelismo tinha dado à PIDE, e que aí se encontravam detidos. Eu era então membro da "Comissão de Extinção da ex-PIDE/DGS e LP". Costa Neves ouviu o que eu tinha para lhe dizer e, a certa altura, perguntou-me: "Você é do Exército, não é?". Eu ia "à civil". Respondi que sim. A ordem foi imediata: "Então, fica, desde já, nomeado representante do Exército na Comissão de Inquérito sobre o motim dos pides. Sou eu que presido, há um representante da Marinha e você fica relator. Espero que saiba escrever...". Expliquei que tinha uma "guia de marcha" para me apresentar na prisão de Caxias, onde iria trabalhar nos arquivos da polícia política. Costa Neves não hesitou: "Não se preocupe com isso. Eu requisito-o. A partir de agora, fica a trabalhar comigo". E, logo nessa tarde, fui nomeado "assessor da Junta de Salvação Nacional", no gabinete do então já graduado general Galvão de Melo, que tinha precisamente na sua tutela a "Comissão de Extinção" - nada mais nada menos, a pessoa a quem eu tinha criado momentâneas dificuldades na entrada na RTP, na noite de 25 de abril. E por ali fiquei, até à demissão de Spínola e outros membros da Junta, entre os quais Galvão de Melo.

A Junta de Salvação Nacional funcionava no palácio da Cova da Moura, perto da Avenida Infante Santo. Algumas décadas depois, como acontece até hoje, o edifício passou a acolher a Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus. Que eu viria a dirigir, entre 1995 e 2001. De facto, o mundo é pequeno...

sábado, julho 13, 2013

Campanhas eleitorais

Desde há anos que a "inteligência" portuguesa, na área política e mediática, se refere à irracionalidade do extenso calendário necessário para a realização de qualquer ato eleitoral, muitas vezes sublinhando, como exemplo a seguir, a "sabedoria" de um sistema como o britânico, onde um processo destes se resolve em escassas semanas. Como principal desvantagem do nosso atual modelo, assinala-se a paralisia da vida política e a indecisão que isso induz no país, com efeitos sensíveis no processo económico.

Se se falar individualmente com qualquer deputado do PSD, do PS ou do CDS-PP (tenho menos certezas no que toca ao PCP ou ao BE), quase que posso assegurar que uma maioria esmagadora coincidirá com a ideia de que o tempo que medeia entre o anúncio da dissolução da Assembleia da República e a entrada efetiva em funções de um governo saído de um ato eleitoral é mais do que absurda, fruto de um formalismo de outros tempos. Aliás, há dias, todos ouvimos o presidente da República referir-se a isto, na sua comunicação ao país.

Mas então, se assim é, e se esses deputados são bem mais do que suficientes para encetar e concluir um rápido processo de revisão pontual da Constituição que arrume com o assunto, por que é que ninguém toma a iniciativa de propor uma solução? E, já agora, por que razão o senhor presidente, que deu mostras de estar atento ao problema, não aproveita o ensejo e estimula o nosso parlamento a ultrapassar rapidamente esta situação? 

Estes são os grandes mistérios da nossa classe política!

Nuno Fisher Lopes Pires (1930-2013)

O 25 de abril teve também os seus heróis discretos. Nuno Fisher Lopes Pires, que hoje desaparece, foi um deles. Tenente-coronel do Exército num movimento onde abundavam os capitães, esteve na conspiração desde as primeiras horas e fez parte de quantos, na Pontinha, dirigiram as operações militares.

Conheci-o mal, trocámos apenas breves palavras nesses corredores dos tempos revolucionários, mas recordo-lhe a postura serena, o cachimbo reflexivo e a saudável ausência de ambição ou desejo de protagonismo. É um dos homens a quem, no seu silêncio, devemos a nossa liberdade.

sexta-feira, julho 12, 2013

Secreto

Mão amiga, atenta ao meu último post, fez-me chegar a tradução de um telegrama há minutos enviado pelo embaixador da Bordúria em Portugal, dirigido às suas autoridades em Szohôd. Estou em crer que os leitores deste blogue não deixarão de compartilhar a discrição que me foi pedida na sua divulgação:

"De: Embaixada em Lisboa
 Para: Ministério das Relações Exteriores
 cc: nossa Embaixada em Washington

Guardo em minha posse a carta, chegada nesta mala diplomática, destinada ao chefe da diplomacia portuguesa, na qual Vexa transmitia ao seu homólogo o gosto que tinha tido em com ele trabalhar nos últimos dois anos, recordando, muito em especial, o entusiástico apoio que tem vindo a ser concedido por Lisboa à nossa pretensão de adesão à União Europeia, à NATO, à OMC e à UEFA. Um dia, com certeza, ocasião surgirá para poder entregar essa missiva de despedida.

Contrariamente ao que eu adiantara no meu 23, informação pela qual muito me penitencio, afinal acabou por não ter lugar aqui a anunciada remodelação governativa. (Fica assim sem efeito quanto eu pedira para ser transmitido, com urgência, à nossa embaixada em Washington.) Vexa perdoar-me-á o lapso cometido, mas fui induzido ao equívoco por uma comunicação ao país feita, no passado sábado, pelo chefe deste executivo, que tinha a seu lado o líder do segundo partido da coligação.  Reconheço agora que não o deveria ter feito, porque, ao que tudo indica, deixou aqui de aplicar-se a máxima do antigo ditador Oliveira Salazar segundo a qual "em política, o que parece é".

Neste país, que hoje reconheço que tem muito mais de balcânico do que nós, as aparências não só iludem como frequentemente desiludem. Hoje, durante a manhã, num debate sobre o "estado da Nação", o chefe do executivo foi muito elucidativo, ao dizer que "o que aconteceu não devia ter acontecido, mas aconteceu". Veio-me à memória, nesta ocasião, a discussão teológica que, em tempos medievais, se processava em torno da questão sobre se Deus teria o poder de fazer deixar de acontecer o que já tinha acontecido. Depois de anteontem ter ouvido com atenção o chefe de Estado deste estimável país que tão generosamente me acolhe no seu seio, fico com a sensação que tal debate ainda se prolonga por aqui.

a) Kûrvi-Tasch"
     

Diplomacias

"E agora, como vai ser?" É uma sensação curiosa estar do "lado de cá", quando os embaixadores estrangeiros nos colocam esta questão, entre divertidos - não é o país deles... - e intrigados, perante a complexidade da situação política portuguesa.

Ontem, com esta ou outra formulação, a pergunta foi-me posta, bem mais de uma dezena de vezes, em duas ocasiões da "saison" diplomática lisboeta. A minha resposta foi, quase sempre, um modelo mais ou menos elaborado de um simples "sei lá!", seguido de uma tentativa de previsão da atitude dos protagonistas relevantes desta novela - que há dias parecia de tons brasileiros mas que, nas últimas horas, mostra tonalidades mais mexicanas. 

Da parte desses diplomatas sinto uma genuina perplexidade e interesse, desde logo porque sabem que as ocasiões de crise política são das poucas em que podem ter a certeza de que alguém lê, nas respetivas chancelarias, aquilo que escrevem de Lisboa - essa capital ensolarada e cálida para onde os enviaram, num país ameno e de sorriso triste que, à beira de um flagrante precipício, se dá ao luxo bizarro de fazer piruetas institucionais e se entretem em jogos de gestão do que resta do poder caseiro de decisão. 

Às vezes, desses amáveis interlocutores estrangeiros, pressinto uma interrogação sobre se haverá por aqui a consciência de estarmos a "brincar com o fogo", ao observarem alguns a não conseguirem escapar ao compulsivo e absorvente tropismo de trabalhar para a mera salvação dos seus lugares no pé-de-página da história da paróquia.

Saio sempre pouco alegre destas conversas. Depois, para me auto-sossegar, penso, cá para comigo, que, também eles, esses diplomatas estrangeiros, têm, lá por casa, questões tanto ou mais graves que as nossas. Mas logo caio em mim: com os problemas dos outros posso eu bem...

quinta-feira, julho 11, 2013

O novo verão quente

Ontem, ao atentar na surpreendente evolução da situação política interna, senti-me como que regressado aos tempos depois de abril.

Aí temos um apelo à "Salvação Nacional", um conceito de sentido trágico que acarreta um subliminar tom de "finis patriae", de arrebanhar do que resta de quem seja capaz de "deitar uma mão a isto", um tempo que, além da obrigatória esperança, traz consigo a ideia dos homens providenciais (os medievos "homens bons"), iluminados pela autoridade que, pelos vistos, ainda projetam. 

Uma dúvida, porém, me assaltou: se a crispação na vida político-partidária é um dos fatores que aconselha a não realização de eleições a 29 de setembro (caramba, por pouco era quase o 28 de setembro!) então ela já se diluirá, pelos vistos com bastante mais facilidade, no pretendido processo de consensualização de uma nova plataforma partidária "a três"? Não estou a ver bem como é que isso se fará, mas admito que possa ser das minhas lentes.

Também muito interessante é o caso do ex-futuro do governo, que ontem vinha já desenhado por toda a imprensa, fruto de um recalibrar dos partidos e das figuras, que todos criam já abençoado por Belém. Ou muito me engano, ou acaba de criar-se, para a nossa pequena história política, um novo "governo Fabião", aquela formação de executivo que, em 1975, foi pré-desenhada à exaustão por quantos não aceitavam ter de optar entre a febre gonçalvista e as propostas "burguesas" que acabaram de servir de matriz ao VI governo provisório. Não quero ser irónico para os meus amigos do CDS, mas não consigo evitar que me escape algum sorriso. Aconteceu-lhes como ao Otelo: o cavalo do poder passou-lhes ao lado. Ou, como diria Mário Mesquita, perante outras desilusões desses tempos, "Deus não dorme".

Deixo-os com as palavras desse excelente poeta que é Vitor Nogueira, com as quais ontem fechei o meu "zapping" do dia. Ele falava do totobola, mas também dá para outros jogos de sorte:

Diz-se que há sempre uma hipótese.
É assim que o sistema funciona. Mas
para onde foge o tempo?
Para onde vai tanta força?

Restos de grandes fogueiras.
É para isso que as pessoas vivem.

Do Estado

O lançamento de "Ideologia e Razão de Estado - uma história do Poder", um novo livro da autoria de Jaime Nogueira Pinto, juntou ontem no Centro Cultural de Belém algumas dezenas de seus amigos e admiradores. Por ali encontrei figuras de setores políticos muito diversos, embora, com naturalidade, com uma maioritária presença da área conservadora, de onde o autor é oriundo e onde ainda hoje permanece, curiosamente num registo singular e independente. 

O livro, com mais de 1000 páginas, foi objeto de uma brilhante apresentação feita por Jaime Gama, o qual, com erudição e um magnífico sentido de observação política, contextualizou a obra no percurso de escrita e maturação intelectual do autor. 

Ao ouvir Gama, dei comigo a pensar se pode ser considerado natural que o país prescinda, nos dias de hoje, do contributo ativo de uma figura da sua craveira. Sendo o mais bem preparado político da nossa geração, com um elevado sentido de Estado, uma rara experiência política nacional e internacional, um reconhecido equilíbrio e uma inteligência culta, bem distante da vulgaridade, creio ser muito injusto para o país que Jaime Gama permaneça afastado da vida política ativa, mesmo se isso corresponde a uma sua legítima opção pessoal. Entendo que há momentos em que esse tipo de opção tem de ceder o passo a imperativos de interesse nacional. E, cada vez mais, verifico que não sou só eu a pensar assim.

quarta-feira, julho 10, 2013

Notícias da crise

Até há minutos, eu pensava que a crise política que tem andado por aí havia sido criada pelo surgimento de uma conflitualidade no seio da maioria governativa, provocada pela demissão sucessiva de dois ministros-chave, fruto de profundas divergências de natureza política, o que havia conduzido a uma reavaliação do próprio equilíbrio interpartidário dentro dessa maioria.

Isso era o que eu pensava. 

terça-feira, julho 09, 2013

Política externa e política europeia

Há muito quem pense que, nos dias que correm, a política europeia já não é uma matéria do âmbito exclusivo dos Negócios Estrangeiros, tantas são as implicações sectoriais daquilo que é decidido em Bruxelas sobre diversas dimensões da vida governativa. Uma coisa, porém, foi sempre evidente: a posição portuguesa sobre as grandes questões de formatação institucional europeia nunca deixou de ser preparada e coordenada pelo MNE, sob a natural tutela do primeiro ministro. E talvez não seja por acaso que sempre existiu, sob a alçada do chefe da diplomacia, um membro do governo formalmente encarregado do pelouro europeu.

Presumo que o facto da política europeia estar hoje "obcecada" pelas negociações económico-financeiras tenha conduzido ao estranho silêncio que, nos últimos anos, paira sobre a posição portuguesa nos temas centrais da reorganização do projeto integrador. Benevolamente, quero crer que seja essa a razão. Durante algum tempo, o ministro dos Negócios Estrangeiros esteve associado a uma reflexão, organizada em conjunto com alguns dos seus pares, sobre o futuro da Europa. Mas não se viu o governo português subscrever essas posições, pelo que ficámos sem saber se o resultado desse exercício - um texto que mereceria um interessante debate - correspondeu a uma linha programática em que Lisboa se reveria. E, o que não é menos importante, desconhece-se a posição que a diplomacia portuguesa deve hoje defender neste âmbito. Lamento ter de constatar isto, mas é pura verdade.

Há semanas, ficou a sensação de que o novo ministro do Desenvolvimento regional, uma personalidade com comprovado conhecimento das temáticas europeias, iria propor uma linha de orientação na matéria. Da declaração do primeiro-ministro, no sábado, perpassou também a ideia de que algo iria surgir neste domínio, eventualmente no eixo programático da nova aliança que se corporiza em termos do executivo. 

Só nos podemos felicitar que isso aconteça. Porém, aproveitaria para lembrar duas coisas.

A primeira é o facto de ao MNE competir dar coerência àquilo que vier a ser proposto, nomeadamente em consonância com a tradição da política europeia de Portugal. Estou certo que o próximo ministro dos Negócios Estrangeiros não deixará de recordar, no seio do governo, esta preeminência das Necessidades na matéria. E de utilizar a massa crítica aí existente para propor as orientações necessárias.

A segunda questão, que também creio importante recordar, é o facto das grandes opções em matéria de política europeia não serem, historicamente no nosso país, simples tarefa de um governo. Há uma tradição fundada no tempo democrático de procurar, a este particular respeito, consensos muito mais alargados dentro do espetro político, muito para além de qualquer conjuntural suporte partidário das soluções de governo. Sei do que falo. Tenho assim esperanças que a compreensível tentativa em encontrar substância programática ao entendimento dos dois atores partidários atuantes na cena governativa, nomeadamente com vista às eleições europeias, lhes não faça esquecer que, em matéria externa e europeia, há mais Portugal político-partidário para além daquilo que este governo representa. Quero crer que o senhor presidente da República não deixará de lhes manter isso presente.

Comidas (1)

O aproximar do período de férias aconselha a opção por alguns apontamentos de cariz mais lúdico. Este blogue não escapa a essa regra, pelo que convido os leitores a uma visita à "casa ao lado", ao Ponto Come, onde poderão ter informação sobre o modo como o autor deste blogue olha para os restaurantes lisboetas. 

É uma "conversa" pouco adequada para os tempos de crise? Será! Mas se deixarmos de frequentar restaurantes, pior ficarão as coisas, do lado do emprego e do investimento.

Por isso, quem puder, inspire-se aqui.

segunda-feira, julho 08, 2013

Em boas mãos

Era já tarde. O meu encontro com o ministro Vitor Gaspar estava aprazado para minutos depois. Na rádio, eu ouvira que o governante tinha terminado, há pouco, um debate importante no parlamento. Mas uma certeza eu tinha: o ministro não chegaria atrasado à conversa que tinha combinado com o embaixador em França que eu então era, nesse ano de 2012. Vitor Gaspar não chega atrasado aos encontros.

Entrei com o meu carro no pátio interior do Ministério. Um GNR levou-me por um corredor até à base de uma grande escadaria.

Nesse instante, dei-me conta de que nunca tinha ido ao Ministério das Finanças, nem nos cinco anos e tal que passara no governo, nem em qualquer outra ocasião, numa visita de uma personalidade estrangeira ou a uma posse.

Olhei aquela escada larga diante de mim e interroguei-me se seria por ela que Salazar subia. Provavelmente não. As portas dos ministros são quase sempre outras.

Na base da escada estava uma secretária, com uma senhora sentada. No topo da mesa, uma criança, seguramente filha da senhora, fazia os seus "deveres". Expliquei ao que vinha. Eram 19.25. Ela tinha anotado que o senhor ministro me receberia às 19.30. Gentilmente, disse-me que me acompanharia, escada acima, para me encaminhar ao gabinete, onde uma adjunta me aguardava. Foi então que, voltando-se para a criança, que teria aí uns 11 ou 12 anos, lhe disse:

- Olha! Tu ficas aqui, a guardar isto, enquanto eu vou lá em cima levar este senhor, está bem?

A criança disse que sim com a cabeça. As Finanças ficavam em boas mãos.  

Bernardo Pires de Lima

Leio no "Expresso" que Bernardo Pires de Lima vai para Bruxelas, reforçar a equipa de António Costa. É uma excelente notícia. O pr...