sexta-feira, julho 12, 2013

Secreto

Mão amiga, atenta ao meu último post, fez-me chegar a tradução de um telegrama há minutos enviado pelo embaixador da Bordúria em Portugal, dirigido às suas autoridades em Szohôd. Estou em crer que os leitores deste blogue não deixarão de compartilhar a discrição que me foi pedida na sua divulgação:

"De: Embaixada em Lisboa
 Para: Ministério das Relações Exteriores
 cc: nossa Embaixada em Washington

Guardo em minha posse a carta, chegada nesta mala diplomática, destinada ao chefe da diplomacia portuguesa, na qual Vexa transmitia ao seu homólogo o gosto que tinha tido em com ele trabalhar nos últimos dois anos, recordando, muito em especial, o entusiástico apoio que tem vindo a ser concedido por Lisboa à nossa pretensão de adesão à União Europeia, à NATO, à OMC e à UEFA. Um dia, com certeza, ocasião surgirá para poder entregar essa missiva de despedida.

Contrariamente ao que eu adiantara no meu 23, informação pela qual muito me penitencio, afinal acabou por não ter lugar aqui a anunciada remodelação governativa. (Fica assim sem efeito quanto eu pedira para ser transmitido, com urgência, à nossa embaixada em Washington.) Vexa perdoar-me-á o lapso cometido, mas fui induzido ao equívoco por uma comunicação ao país feita, no passado sábado, pelo chefe deste executivo, que tinha a seu lado o líder do segundo partido da coligação.  Reconheço agora que não o deveria ter feito, porque, ao que tudo indica, deixou aqui de aplicar-se a máxima do antigo ditador Oliveira Salazar segundo a qual "em política, o que parece é".

Neste país, que hoje reconheço que tem muito mais de balcânico do que nós, as aparências não só iludem como frequentemente desiludem. Hoje, durante a manhã, num debate sobre o "estado da Nação", o chefe do executivo foi muito elucidativo, ao dizer que "o que aconteceu não devia ter acontecido, mas aconteceu". Veio-me à memória, nesta ocasião, a discussão teológica que, em tempos medievais, se processava em torno da questão sobre se Deus teria o poder de fazer deixar de acontecer o que já tinha acontecido. Depois de anteontem ter ouvido com atenção o chefe de Estado deste estimável país que tão generosamente me acolhe no seu seio, fico com a sensação que tal debate ainda se prolonga por aqui.

a) Kûrvi-Tasch"
     

22 comentários:

Anónimo disse...

Sublime, Caro Seixas, absolutamente divinal. Este "TEL" será lido com "a maior atenção" nos corredores das Necessidades.
Hilariante. Um Post e pêras!
a) Rilvas

margarida disse...

... não se terá perdido nada na tradução?...

Anónimo disse...

Pois é.
José Barros

margarida disse...

Uma vez que a frequência deste espaço é multilingue e insuspeita de quebra de sigilo, se fosse possível obter o documentozinho original, a tradução/interpretação do mesmo ficaria a cargo dos peritos em alta análise sociopolítica. Que somos todos nós, é claro.
Isso sim; isso seria um repto ao mais alto nível de contra-espionagem. Criativa.
Algo muito em voga. Internacionalmente, ressalve-se.

Anónimo disse...

Magnifico. Desconhecia que a Bordúria tinha tão cultivados embaixadores. Pensava que só a Sildávia tinha gente dessa. Forte abraço.

CSC

Mônica disse...

Senhor Francisco
ainda sou sua amiga mas meio fajuta pois tenho estado ocupada com outros afazeres, mas nao o esqueço.
tenho um tio que é seu fã por causa de mim. De vez em quando ele vem dar uma olhadinha no seu blog.
Hoje nao entendi nadinha. Nadinha mesmo.
Estou boiando. mas nao tenho tempo de ver os anteriores pra ver se entendo um pouco melhor.
Só queria lhe desejar um fim de semana delicioso
Com muito carinho e saudade de todos sua amiga Monica
Ha . nao encontrei aqui no Brasil Como gostaria de ler algum mas deixa pra lá uma hora eu acho!
Ate mais!

Anónimo disse...

Ironias...do séc XIX, onde ainda alguma esquerda de 75 e os "primos vegetam"...

Com a devida vénia, Henrique Monteiro, no Expreeso online,

"Eu gostava que os jornalistas estudassem o PREC, o Processo Revolucionário em Curso, quando o PCP dominava os jornais e todas as manifs eram grandiosas, justas e representativas e lideres políticos defendiam, a sério, que o partido que tinha ganho as eleições não era o partido que devia governar.Na altura, era o PS o partido maioritário.

Nas declaraçoes dos dirigentes ligados ao PCP e nas manifs o PS era tratado com desprezo, como se fosse antidemocrático. Um dia, o Parlamento foi cercado, os deputados foram impedidos de sair (salvo os do PCP) e, apesar disso, a maioria dos jornais - as excepções eram o Expresso e pouco mais - não se indignou por terem cercado a casa da democracia e por terem ameaçado os representantes do povo.

Ontem, pareceu-me que um bocadinho, felizmente ínfimo, desse tempo voltou. Um grupo de sindicalistas, que sabem perfeitamente que é proibido e antidemocrático manifestarem-se nas galerias de São Bento, desatou a gritar e a distribuir papéis. A Presidente mandou-os retirar e citou uma frase de Simone de Beauvoir que parece era destinada aos nazis. Foi este o ponto de vista de quase todas as notícias. A irritação da presidente e o escândalo da frase.

Não sei se ela conhecia o contexto em que Beauvoir usou aquelas palavras (sejamos sérios, todos nós utilizamos citações de que desconhecemos o contexto exato), mas por muito que o soubesse, e por muito desastrada que tenha sido, por muito perversa que seja, a primeira condenação tem de ir sempre, e em primeiro lugar, para os manifestantes que deslealmente fintam a regra democrática e se aproveitam dela para fazer o que sabem não poder fazer.

Se permitirmos que dentro do Parlamento se crie um clima de manifestação permanente contra o que é discutido ou aprovado, cedo teremos intimidação e minamos a democracia. O PCP, e os sindicatos que ontem organizaram a sarafusca, sempre jogaram na duplicidade. Nas bancadas os seus eleitos olham benevolentemente os manifestantes (que não são o povo português, como se dizia no PREC, mas apenas alguns indivíduos com os mesmos direitos e deveres do que os outros), porque para o PCP o Parlamento não é o centro da luta política, mas apenas mais um dos muitos palcos. No entanto, para quem defende a democracia, aquela é a casa dos representantes do povo. É um local que todos devem respeitar. Por maus ou péssimos que sejam, fomos nós - agora sim, o povo português - quem os elegeu.

O que me preocupa não são os manifestantes. Sem qualquer hesitação eu digo que certos senhores nunca tiveram grande apreço pelas normas democráticas e pelas suas formalidades, que do seu ponto de vista se devem submeter aos seus humores.

O que me preocupa é termos chegado a tal ponto que para muita Comunicação Social quem tem de justificar-se é a Presidente do Parlamento e não os que conscientemente violam a lei. Ou seja, não se pedem responsabilidades aos prevaricadores, mas a quem sofre com a sua ação. O que me preocupa é já quase ninguém pensar no significado das coisas nem notar as encenações que se fazem.

Mas isto é o PREC? Ou o que é isto?"



Ler mais: http://expresso.sapo.pt/mas-isto-e-o-prec-assuncao-ou-o-que-e-isto=f819741#ixzz2Yqatrtx3

Anónimo disse...

Pois é, Interrompi o meu texto das 15,45 porque fui "negociar" com o meu filho que levava as várias coleções de banda desenhada de que é amador, para vender no "Marché aux puces", e entre elas levava todo o TinTin.
Paguei aqueles livros duas vezes: a primeira enquanto ele crescia e lia muito a BD; e esta segunda vez, agora, para que guardasse os livros mais tempo...
Peço desculpa pela interrupção do texto.
José Barros

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Mônica: não se preocupe. Por aqui o pessoal também não entende nada. Tenha um bom final de semana.
Um abraço
Francisco

Anónimo disse...

MAGISTRAL.
Quantas vezes penso o que eu daria para ter acesso aos tels dos chefes de missão diplomática em Lisboa durante este tempo tão complexo.

Carlos Fonseca disse...

Se nós, que estamos há anos habituados às "travessuras" de um menino que se esqueceu de crescer - o que alguns fingem não perceber -, andamos baralhados, como não há-de estar mergulhado numa teia de equívocos o embaixador da Borduria, país amigo desde tempos imemoriais?

P.S. - Não poderíamos também fazer uma forcinha para a Borduria entrar para a FIFA? Ou mesmo como observador para a CPLP?

Anónimo disse...

O que nos vale é que, ao fim de muitos anos, voltámos a ter um chefe que sabe muito bem o que quer e para onde vai e que se meteu a fazer a política comezinha de dona de casa. Assim, isto vai resultar, se o chefe não se sentar numa cadeira deficiente, já não em Santo António do Estoril mas para os lados de Santa Maria de Belém. Eu se fosse ali mordomo começava já a verificar pelo sim e pelo não todas as cadeiras da casa.

margarida disse...

... ora confessem lá que vivemos uns dias de inesperado 'frisson' numa altura em que já imaginávamos que apenas Bruxelas e tutti quanti nos ditariam o que fazer e o que não esperar; hã?
Ora admitam lá que isto é uma novela assim meio, hmmm, escaldante, a fazer um belo pendant com a estação?!
Ânimo, senhores! Ânimo!
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos...
Se bem me lembro, só terão paralelo com o radiofónico 'Simplesmente Maria', que atravessou a ditadura e terminou na revolução e a telenovela a preto e branco ' Gabriela, Cravo e Canela', mais recatada e infinitamente mais bela do que a última versão que sacolejou há pouco por aí.
Divago: o que importa é que cada amanhecer voltou a ter emoção sociopolítica de facto, e isso é formidável.
Ah, e a excelente forma para os flick-flack de alguns protagonistas, que cuidávamos já esclerosados, é admirável!
Um divertimento, deveras!

Isabel Seixas disse...

Ah, de surpresa em perplexidade,
de admiração em desconcerto,
vivemos "pasmos", de tanta novidade,
sem abertura a tanto aperto...

Baralhados baralhadinhos de todo,
que se não fosse mesmo a doer,
tinha graça este enredo de engodo,
se fosse lúdico de rir a perder…

Boa ideia essa de reinventar o país,
Mas com a mesma pessoa tentar mudar,
tira do sério os senhores do seu nariz,
bombeiros à toa sem saber que fogo apagar

Ah ….As figuras de estilo em telegrama
Devolvidas à procedência com programa…

patricio branco disse...

uma divertidissima peça!!!
o que aconteceu não devia ter acontecido mas sucedeu...
afinal, somos definitivamente um país de opereta, ao menos isso, que se escrevam novelas rocmbolescas sobre o país, farsas e operetas, tambem gostariamos de saber o que relatam outras embaixadas...
snowdens e assanges!! façam o vosso trabalho e dêem no para se divulgar...

david caldeira disse...

Em frente da Assembleia da República, debaixo da minha janela, uns miúdos que esperam transporte para a praia gritam: "Demissão, Demissão, Camioneta, Camioneta, Demissão, Demissão, Camioneta, Camioneta....".
Voz da monitora: "Calem-se! Orelhas, Orelhas, tu és o pior...".
Minutos depois, chegou a Camioneta.
Quanto à Demissão, não apareceu;apesar de andar ali por perto, perdeu-se entre passos perdidos e portas irreversíveis.

Joaquim de Freitas disse...

Do anônimo das 17.30 , a transcrição seguinte: "a primeira condenação tem de ir sempre, e em primeiro lugar, para os manifestantes que deslealmente fintam a regra democrática e se aproveitam dela para fazer o que sabem não poder fazer. Escreve o Sr.Monteiro!
Eu diria que se todos aqueles que fintam a regra democrática , dentro e fora do Parlamento, pudessem ser apanhados, julgados e condenados, Portugal não estaria onde está! Se a lei dos dois pesos e duas medidas não existisse, não estaríamos com falta de dinheiro! Se a cumplicidade de muitos do interior do Parlamento com muitos do exterior não existisse, Portugal não seria o escárnio do resto do mundo.

margarida disse...

Portugal o 'escárnio' do resto do mundo?!
Que exagero..., e por razões básicas: "o resto do mundo", salvo duas ou três excepções, nem sabe onde fica a lusa nação; e o 'resto do mundo', em cada canto de sua maneira. também tem bem com que se preocupar e as suas nódoas institucionais (e outras) a tratar.
Talvez seja de nos preocuparmos com o 'escárnio' interno, com o que os portugueses, que vivem com dificuldades há muito e com ilusões ainda há mais, sentem, pensam e dizem. E com o que farão.
Mais do que o presente, angustia-me o futuro.
E não esqueçamos as sábias palavras do pragmático: "com os males dos outros posso eu bem".

EGR disse...

Senhor Embaixador: lamento que não possamos ler mais telegramas semelhantes a este.
Com efeito, V. Exa. não imagina como a sua leitura me abriu a compreensão para o exaltante momento que vivemos e perceber os comportamentos dos principais protagonistas.

mbs disse...

muito bom!

Helena Oneto disse...

A excelência do embaixador e a ironia
do cidadão conjugadas ao infinito!
Les deux sont, tout simplement, exquis!
Bien à vous, mon cher ami!

margarida disse...

E vice-versa, minha querida Helena, e vice-versa...

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...