O amigo destaque dado por Passos Coelho à figura de Dias Loureiro, numa cerimónia em Aguiar da Beira, foi um gesto definidor de uma certa maneira de interpretar a ética política. Custa-me ver o primeiro-ministro do meu país decretar, com uma ligeireza surpreendente e quase irresponsável, a prescrição da saudável quarentena que tem vindo a envolver, na consideração pública, uma das personagens mais emblemáticas das trapalhadas financeiras do passado recente. Alguém que, por essa razão, foi forçado a abandonar o Conselho de Estado, lugar onde tinha sido alcandorado por obra e graça de quem o juízo popular também não deixou que passasse incólume, na ligação a um sinistro instituto bancário, onde prevalecia uma espécie de monopólio partidário. Nem quero crer que tenha sido uma pulsão corporativa a motivação última da fala do dr. Passos Coelho.
Mas mais do que o gesto de estender de mão a Loureiro, o dr. Passos Coelho teve o desplante de o chamar à colação quase como paradigmático de um mundo de negócios que considerou destacável, quase exemplar. Esta absolvição política revela muito de uma certa forma de viver a política, porque põe a nu o referencial que serve de medida a um modo de estar no serviço público. Porquê? Porque nos permite antecipar a potencial complacência que poderá vir a ser assumida face a outros pecadilhos que o futuro vier a revelar. E, se isto é trágico para a democracia portuguesa, é também muito triste para uma classe política cuja regeneração é hoje uma exigência popular.
Todos os partidos - embora uns mais do que outros, como os exemplos confirmam - são suscetíveis de acolher no seu seio figuras que deles se aproveitam, em causa própria, para negociatas e vantagens patrimoniais, à revelia das regras da moral de comportamento. Não há nenhum antídoto eficaz para isto, mas há três regras que me parecem emergir como evidentes.
A primeira, prende-se com a necessidade da assunção de uma filosofia pública de denúncia firme e tipificada de certos comportamentos, da traficância de influências às práticas de corrupção. Esse é um passo essencial para evitar o "vale tudo" e, por essa razão, lamento profundamente que a lei das incompatibilidades dos titulares de cargos públicos não seja bem mais rigorosa do que o que é, em especial no que respeita aos deputados.
A segunda, essencial pelas razões óbvias, é que o comportamento dos agentes políticos em exercício, no poder governativo ou nos principais órgãos dos partidos, seja, em tudo, exemplar, inatacável e sem "telhados de vidro". É difícil encontrar gente assim? Pode ser, mas há. É que, se dermos por adquirido que é possível ter à frente de um Estado figuras cujo exemplo não pode servir de referente aos cidadãos a quem se exige probidade, então é porque já "batemos no fundo". Mas, atenção!, também se dispensam, em absoluto, os "Paulos Morais" que, de sobrolho ético carregado, têm sempre a boca cheia de insinuações e as mãos vazias de provas.
Finalmente, a terceira regra: o fim do relativismo. Julgar a gravidade de um caso pelos casos dos outros é a fórmula saloia, típica de "conversa de taxista", que acaba por alargar o manto da impunidade. Afirmar que "o caso de fulano é grave mas, coitado, não se pode compará-lo com o de beltrano!" é o escape medíocre de quem, ao hierarquizar o mal, absolve e deixa escapar o mal menor para concentrar a sua indignação apenas nos exemplos mais chocantes. Toda a trafulhice económica, desde que com sólidas provas, deve ser fortemente denunciada, independentemente do seu autor ou da cor política de que ele se reivindica. Repito: desde que provado o delito, o "name and shame" dos políticos tem de ser a norma, porque a prevenção e a justiça também se faz através da evidência dos exemplos.
Um político, porque se arrogou o direito de querer representar os outros e o interesse público, não é um cidadão igual aos outros. Pode, como reivindicou um dia para si próprio o dr. Passos Coelho, não ser "perfeito". Mas tem o dever de esforçar-se por sê-lo e, em especial, não tem o direito de, levianamente, apontar como exemplo ao país quem, reconhecidamente, está já muito distante dessa perfeição.