sábado, maio 02, 2015

Mota Amaral


Na vida política nacional há uma regra que, se estiverem atentos, ajuda a entender muito do que se passa no seio das formações partidárias, no ano que antecede os atos eleitorais. Essa regra é simples: a menos que se tenha uma estatura nacional que seja difícil abalar (e estamos sempre a falar de um número de casos que nunca excede os dedos de uma mão) ou um sólido apoio regional que as lideranças lisboetas não ousem contestar (o que é também um número limitado), um deputado, nesse tal período que antecede uma nova legislatura, ou mantém uma atitude de grande disciplina face ao líder máximo do partido ou arrisca-se a ficar fora das contas para integrar os futuros grupos parlamentares. Sigo há muito, com imensa curiosidade, o prudente arquivar da heterodoxia de algumas figuras, que se "amansam" e recolhem ao redil partidário dominante quando o sufrágio surge já no horizonte, com o óbvio objetivo de terem garantido o passaporte para o assento na legislatura seguinte, um seguro de vida política por mais alguns anos. E, para alguns, isto já vai há décadas...

Vem isto a propósito de Mota Amaral. Único sobrevivente da "ala liberal" (teria graça elaborar sobre este conceito de "liberal", nos dias que correm) da Assembleia "nacional" da ditadura, com anos de liderança do governo regional açoreano (onde chegou a flirtar com algum perigoso separatismo, pecadilho de que já foi absolvido), Mota Amaral estabilizou-se com grande seriedade e respeitabilidade na democracia, um pouco a exemplo de Adriano Moreira. Tendo sido presidente da Assembleia da República, com o nome a circular em tempos como possível candidato a Belém, revelou sempre um espírito de grande independência. Impoluto na sua vida privada, homem da "Opus Dei" (o seu homólogo da Madeira, Alberto João Jardim, em contraponto, confessava-se saudavelmente da "Copus Night"), Mota Amaral nunca se coibiu de dizer o que pensava e chegou a arriscar processos disciplinares por dissidência no voto. O estatuto nacional nunca o favoreceu excessivamente, o peso regional foi-se erodindo e, agora, vê-se afastado das listas para as próximas eleições legislativas.

Mota Amaral, dá hoje uma entrevista de que o DN faz mal em não ter destacado a frase mais sibilina que nela inserida. Ao ser perguntado se a sua opção religiosa terá contribuído para o seu afastamento, saiu-se com esta pérola: "Não sei se por detrás da cortina me carimbaram por ser do Opus Dei". É que, como Mota Amaral muito bem sabe, é por "detrás da cortina" de ritos persistentes e concorrentes que sempre se aventalam e arquitetam conspirações universais.

12 comentários:

Alcipe disse...

Chapeau!

Anónimo disse...

Eu tenho simpatia pela Maçonaria mas o peso em Portugal das cortinas veladas ou translúcidas nào será demasiado e sinal de um país profundamente provinciano onde não há lugar para singrar pelo mérito?

Anónimo disse...

O que eu sei é que o PSD de hoje pouco ou nada tem a ver com a história do partido. A filiação da atual liderança está na JSD dos anos oitenta - não está em Sá carneiro nem sequer no cavaquismo. Foi dela que saiu a classe de políticos profissionais que secaram o partido.

No passado havia duas correntes: uma liberal e outra social-democrata. Um engano, pois na verdade a liberal era conservadora e a social-democrata era democrata-cristã. Hoje duvido que haja algo mais que negócio. Quem la está apresenta-se ainda assim como liberal. O que se vê no entanto são alinhamentos em função de grupos económicos.

Quanto a aventais parece patente que lá no topo ou são todos ou quase todos, provavelmente da regular, amiga do negócio. Se pesou ou não, não sei. Boa parte do clero é grande apreciador do atual governo pois tem comido nas ipss.

Em todo o caso, e com todo o respeito por Mota Amaral, se entrou para a assembleia nacional em 1969 já lá vão quarenta e seis anos. Digamos que é tempo de descansar. O problema não é esse. O problema está em que quem lhe sucede não lhe chega aos calcanhares.

Se em setembro/outubro perder o poder o PSD vai precisar de fazer uma grande limpeza na casa. Resta ver se sobra alguma coisa. Até lá guardam-se. Chegado o dia, é bordo fora sem pejo nem pudor.

Anónimo disse...

Sobre Mota Amaral Há um elemento a acrescentar: Tendo permanecido deputado nas segundas eleições da era «Caetano», no dia 25 de abril de 1974, quando a grande maioria dos deputados decidiu não comparecer no hemiciclo, Mota Amaral foi um dos que, contados pelos dedos de uma mão, marcaram presença.

Anónimo disse...

Desculpe meter foice na sua bela seara, mas o Sr acaba de "matar" o Francisco Balsemão ao dizer que Mota Amaral é o único sobrevivente da Ala Liberal marcelista... O dito cujo aparece pouco, mas quando Bildberger obriga aí está ele ao lado dos discípulos. A chacun a sua Opus.

Francisco Seixas da Costa disse...

Quando escrevi "o último sobrevivente" referia-me, parecia-me óbvio para o leitor, na vida parlamentar. Foi a única pessoa que transitou da AN fascista para a Assembleia constituinte e daí para a primeira Assembleia da República democrática.

CORREIA DA SILVA disse...

Anónimo das 1:14 :
Novo clube? Ou será o velhíssimo Bilderberg?

Anónimo disse...

Outra vez o "fascista". Mudou de ideias relativamente à natureza do regime, está visto.

Anónimo disse...

Como sabe: "Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros."

Anónimo disse...

Qualquer semelhança com Adriano Moreira é pura coincidência...

Anónimo disse...

Para quem em baixo dedicou um post ao Afonso Camones...

Seguramente deve desconhecer que também está por detrás de cortinas. Antes em Lisboa e agora aos fins-de-semana em Castelo Branco

Anónimo disse...

Caríssimo Chico

O João Bosco foi meu colega na Faculdade de Direito. Embora fosse mais novo dois anos do que eu, estabelecemos uma Amizade que durou até agora e que durará sempre.

A Opus marcou-o, mas não se pode dizer que o "empurrou" para cargos importantes. Já no Liceu Antero de Quental em Ponta Delgada recebera o Prémio Nacional que premiava o melhor aluno do ano; e não se vangloriava disso.

É um Homem sensato, inteligente, bem humorado e vertical. Políticos como ele fazem muita falta em Portugal. É PPD e eu sou PS; essa circunstância nunca impediu que sempre fossemos amigos.

Liberal? Social Democrata? É o que é: um Homem bom.

Abç

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...