sábado, maio 02, 2015

O regresso de Dias Loureiro

O amigo destaque dado por Passos Coelho à figura de Dias Loureiro, numa cerimónia em Aguiar da Beira, foi um gesto definidor de uma certa maneira de interpretar a ética política. Custa-me ver o primeiro-ministro do meu país decretar, com uma ligeireza surpreendente e quase irresponsável, a prescrição da saudável quarentena que tem vindo a envolver, na consideração pública, uma das personagens mais emblemáticas das trapalhadas financeiras do passado recente. Alguém que, por essa razão, foi forçado a abandonar o Conselho de Estado, lugar onde tinha sido alcandorado por obra e graça de quem o juízo popular também não deixou que passasse incólume, na ligação a um sinistro instituto bancário, onde prevalecia uma espécie de monopólio partidário. Nem quero crer que tenha sido uma pulsão corporativa a motivação última da fala do dr. Passos Coelho.

Mas mais do que o gesto de estender de mão a Loureiro, o dr. Passos Coelho teve o desplante de o chamar à colação quase como paradigmático de um mundo de negócios que considerou destacável, quase exemplar. Esta absolvição política revela muito de uma certa forma de viver a política, porque põe a nu o referencial que serve de medida a um modo de estar no serviço público. Porquê? Porque nos permite antecipar a potencial complacência que poderá vir a ser assumida face a outros pecadilhos que o futuro vier a revelar. E, se isto é trágico para a democracia portuguesa, é também muito triste para uma classe política cuja regeneração é hoje uma exigência popular.

Todos os partidos - embora uns mais do que outros, como os exemplos confirmam - são suscetíveis de acolher no seu seio figuras que deles se aproveitam, em causa própria, para negociatas e vantagens patrimoniais, à revelia das regras da moral de comportamento. Não há nenhum antídoto eficaz para isto, mas há três regras que me parecem emergir como evidentes.

A primeira, prende-se com a necessidade da assunção de uma filosofia pública de denúncia firme e tipificada de certos comportamentos, da traficância de influências às práticas de corrupção. Esse é um passo essencial para evitar o "vale tudo" e, por essa razão, lamento profundamente que a lei das incompatibilidades dos titulares de cargos públicos não seja bem mais rigorosa do que o que é, em especial no que respeita aos deputados.

A segunda, essencial pelas razões óbvias, é que o comportamento dos agentes políticos em exercício, no poder governativo ou nos principais órgãos dos partidos, seja, em tudo, exemplar, inatacável e sem "telhados de vidro". É difícil encontrar gente assim? Pode ser, mas há. É que, se dermos por adquirido que é possível ter à frente de um Estado figuras cujo exemplo não pode servir de referente aos cidadãos a quem se exige probidade, então é porque já "batemos no fundo". Mas, atenção!, também se dispensam, em absoluto, os "Paulos Morais" que, de sobrolho ético carregado, têm sempre a boca cheia de insinuações e as mãos vazias de provas.

Finalmente, a terceira regra: o fim do relativismo. Julgar a gravidade de um caso pelos casos dos outros é a fórmula saloia, típica de "conversa de taxista", que acaba por alargar o manto da impunidade. Afirmar que "o caso de fulano é grave mas, coitado, não se pode compará-lo com o de beltrano!" é o escape medíocre de quem, ao hierarquizar o mal, absolve e deixa escapar o mal menor para concentrar a sua indignação apenas nos exemplos mais chocantes. Toda a trafulhice económica, desde que com sólidas provas, deve ser fortemente denunciada, independentemente do seu autor ou da cor política de que ele se reivindica. Repito: desde que provado o delito, o "name and shame" dos políticos tem de ser a norma, porque a prevenção e a justiça também se faz através da evidência dos exemplos.

Um político, porque se arrogou o direito de querer representar os outros e o interesse público, não é um cidadão igual aos outros. Pode, como reivindicou um dia para si próprio o dr. Passos Coelho, não ser "perfeito". Mas tem o dever de esforçar-se por sê-lo e, em especial, não tem o direito de, levianamente, apontar como exemplo ao país quem, reconhecidamente, está já muito distante dessa perfeição. 

19 comentários:

Anónimo disse...

Isto do pm é do pior que tenho visto fazer a um político. Ficar calado era mais fácil e bem melhor. Como é possível indicar esta pessoa como um exemplo a seguir à nossa juventude. Isto é muito grave!

Anónimo disse...

E depois estão à espera que as pessoas vão votar. Em quem se não há um que escape?

Anónimo disse...

Mas se há diplomatas que se vangloriam da proximidade do homem célebre pela frase :"Papá já sou ministro" por que não há o PM de fazer mesmo? Aí fidelidade grupos discretos a quanto obrigas...

Anónimo disse...

Um GRANDE Post, meu caro!

Anónimo disse...

Esta referência do PM é absolutamente inqualificável.

JPGarcia

Anónimo disse...

Há um outro ponto que chama a atenção: o silêncio da imprensa. O Expresso falou e provavelmente já não podia voltar atrás. Pelo menos na net não vi praticamente nada no que chamam de imprensa de referência. Só o jornal de Negócios trazia meio envergonhado três linhas no final de um artigo sobre os queijos de Aguiar da beira.

Isto diz muito do que é a liberdade de imprensa por cá. Só que quando chega à net já não há volta a dar. Depois dizem que a net é uma cloud.

Anónimo disse...

Aviso aos Transeuntes

Na política é tudo gente séria, mas em Maio de 2015 a liberdade cuja profissão de fé é servir o povo, está a ser desqualificada pelas "malandrices" de alguns exemplos de mau feitio e sangue quente que se "ouriçam" pelo simples facto de ainda andarem por aí certos "men" ( mais selfies uns que outros) experientes no jogo da Glória ou do Monopólio, muito em voga no século em que nasceram.

Portanto é sempre considerado de boa educação, um aperto de mão, uma saudaçãosinha, uma palavrinha, a quem se conhece.

Evitar o uso das novas tecnologias, criações do diabo, perito e inverter a realidade de Deus.

Unknown disse...

Espero que este desabafo não seja sintomatico e auto explicativo da continuada falta de meios para investigar e levar ao fim a tempo os demasiados processos que os "arcos da governação" têm aparentemente cultivado com sucesso.

Anónimo disse...

Tiro-lhe o meu chapéu Senhor Embaixador. Mas, acrescento que há coisas que não se explicam com uma lógica de princípios ou atitudes de acordo com o lugar que os nossos dirigentes políticos, atuais ou passados ocupam. Infelizmente há coisas para além da postura que se espera dos nossos governantes. Há "outras coisas" que os obrigam a comportamentos que obedecem a lealdades que só eles entendem. Acabei por aceitar. Os novos políticos que enfeitam as "campanhas eleitorais season" nem sempre entram nos partidos para sempre... Quando lhe agradecerem, Senhor Embaixador, ainda poderá dizer que está a lidar com os melhores senhores do sistema democrático, que vive de momentos destes...

Anónimo disse...

E sobre o último sucesso diplomático de maçães, já vejo que não quer escrever, senhor embaixador...!

Francisco Seixas da Costa disse...

O que é "o último sucesso diplomático de maçães"? Diga lá, Anónimo das 17.22! Estou "em pulgas"!

Anónimo disse...

Atenção! Eu quero "defender" as criaturas:
Alguém pode contestar que o elogiado será um grande especialista em offshores? Quanto custou ao próprio representante da 1ª figura do Estado perder uma sumidade nesta matéria como seu conselheiro? Assistimos todos! O que o estado não terá perdido em "mais valias"?...
Agora sejamos ainda mais isentos: A Lei nada tem contra a criatura, que se saiba (pelo menos em Aguiar da Beira), enquanto outros estão no chilindró e com muitos mais elogios e muitas visitas. Será ingenuidade destes e esperteza daquele ou serão todos inocentes e eu culpado?
Para além da forma do seu texto, que continua elevada, a matéria deveria ser isenta, porque é grave, assim, meter neste "barulho" pessoas boas, que parece ainda haver como, por exemplo, o ministro saúde, e destruir-se o muito de bom que andam a fazer.
O quanto é necessário separar o trigo do joio neste país!

Ésse Gê (sectário-geral) disse...

Será um gesto de 'generosidade' e reconhecimento serôdio.
Recordo que quando Dias Loureiro foi MAI a Fátima Padinha era sua secretária e mulher do PPC.

Unknown disse...

Senhor Embaixador
Entao,o Dr Mario Soares nao elogiou o Dr Isaltino numa cerimonia publica.
O que e bom para uns tera que ser para os outros.Ou nao sera?llembra-se do Lopes da Neta, melhor dizemdo da NOTA....\E vida
No banco tambem havia socialistas?

Unknown disse...

Peco desculpa nao inseri o meu nome

Liberal Correia

Anónimo disse...

Pensando bem, o PC é que procedeu bem ao elogiar o DL. Vem aí tempos próximos em que é necessário arranjar um emprego e, nesse sentido, há que ir preparando as "coisas"...

Anónimo disse...

Olhe que a inveja não é bonita...

Fernando Correia de Oliveira disse...

Absolutamente de acordo. Atente-se, no entanto que, se há políticos moral e eticamente inatacáveis, nunca os ouvi denunciar, em tempo útil, situações mais do que flagrantes passados com adversários, quanto mais com correligionários seus. A omerta funciona entre a classe política, para vergonha de todos os que a ela pertencem.

Anónimo disse...

Distração não deve ter sido, talvez cansaço, mas mesmo assim… Como é que um político experimentado, pouco dado a arroubos e elogios e com a endurance de Passos Coelho lhe ocorre um descabido (e para quê? ) elogio a Dias Loureiro a propósito de alguém que singra bem na vida? Foi há dias na inauguração de uma queijaria e é tão esquisito e inesperado no pisar prudente do primeiro-ministro que apetece perguntar o que se terá passado? Ignorava que Dias Loureiro lá estava e teve de dizer algo à pressa (porquê?). Não lhe prepararam a visita? Não há um staff encarregue de obviar as surpresas e de preparar o caminho como fazem os avisados? Não há explicação possível, tendo em conta os personagens. Mas compreensão, também me parece difícil que haja e aceitação ainda menos. Os tempos não estão para infelizes demonstrações públicas de amizade.

Maria João Avillez em "Observador"

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...