sábado, maio 09, 2015

Um novo Renascimento


Frequentemente, os cidadãos europeus tendem a esquecer que a ação política que sustenta a vida das suas instituições é apenas o modelo enquadrador de um projeto multidimensional de vida e civilização, fruto de um compromisso entre as diversas expressões nacionais de poder. Um projeto cuja sustentação depende da continuidade da adesão dos cidadãos a um imaginário que se renova no quotidiano, alimentado pela dinâmica do processo de construção europeia.

Porque se impõe mediaticamente, a coreografia dos atores políticos surge, muitas vezes, aos olhos da opinião pública, como uma espécie de substituto daquilo que é, na realidade, a essência desse projeto: os objetivos, os valores, as expetativas, isto é, a narrativa em torno de uma ideia de paz e desenvolvimento, interiorizada pelos cidadãos.

De um conceito mobilizador, que foi capaz de organizar institucionalmente a esperança e edificar um inigualável período de bem-estar e de apaziguamento de tensões, a Europa pareceu, nos últimos anos, ter perdido o elã coletivo que a motivou, surgindo mesmo, aos olhos de alguns, como o bode expiatório das suas frustrações e desencantos.

Em muitos casos, o espírito crítico abandonou a sua indispensável função promotora de alternativas para se situar para além da linha da preservação do modelo, às vezes contestando mesmo a validade da sua própria permanência no tempo.

A Europa e quem nela acredita não podem deixar vencer-se por um qualquer pessimismo, por um derrotismo de conjuntura que amorteça a vontade de garantir um futuro àquele que é, sem a menor dúvida, o maior e mais completo caso de sucesso, em toda a História, em matéria de cooperação internacional. Colocar em causa este fantástico adquirido seria uma imensa irresponsabilidade.

Mas o mero voluntarismo não é suficiente para garantir a vitória de uma ideia. Há que convocar para ela a vontade dos cidadãos, assegurar a sua adesão. Para tal, não devemos persistir numa mera repetição do mantra rotineiro, devemos trabalhar o discurso com base na evolução da própria realidade.

Uma nova e mobilizadora narrativa europeia tem assim de ser construída e deve assentar em dois pilares que se complementam.

Por um lado, deve conseguir envolver os cidadãos, em especial as novas gerações, na revisitação dos seus fundamentos culturais coletivos, explorando as virtualidades das novas tecnologias e da vida sustentável, a imensidão de plataformas de incentivo à criatividade, as dimensões das práticas sociais solidárias, gerando uma afetividade ao projeto europeu, produto de uma adesão voluntária às suas imensas virtualidades e potencialidades. Deve, no fundo, trabalhar para um Novo Renascimento.

Esse registo deve também assentar na exploração das dinâmicas resultantes dos novos “territórios” comuns que a Europa conquistou entretanto para os seus cidadãos, introduzindo, progressivamente, uma reflexão de matriz europeia nos espaços públicos, nacionais ou continental. Há que dar passos na construção da Europa “como cidade”, uma polis com alma própria, identificável pela sua projeção civilizacional autónoma. Trata-se, assim, de organizar o discurso em torno de um Novo Cosmopolitismo.

(Artigo que hoje, Dia da Europa, publico no jornal "Expresso)

9 comentários:

Anónimo disse...

É verdade, mas a UE sempre foi um projeto de elites e faltam no momento as lideranças. Por muitos Diálogos com os cidadãos que se façam a falta de vontade política no topo não é substituída por delegação. Razão teve Renzi ontem em Florença dizendo que a Europa anda demasiado ao socorro de crises na sua periferia e não na vanguarda das iniciativas e dos projectos.

Abraham Chevrollet disse...

A Europa,que se saiba,vai do Atlântico aos Urais,do Mediterrâneo ao Mar de Barents. Quem o esquece lá terá as suas razões,que não são as da Europa real.

Anónimo disse...

Enquanto se passar fome e o dinheiro valer mais que o ser humano, sequestrado por mercados financeiros com nomes ridiculos, os ideais da Europa continuam minados.

Joaquim de Freitas disse...

Para permitir aos europeus de crer nas suas palavras, Senhor Embaixador, seria preciso dinamitar os blocos de betão armado do Berlaymont onde trabalham 28 comissários e 2750 funcionários repartidos em 130 000 m2° de escritórios em 16 andares!!!, onde se preparam muitas decisões que impactam negativamente , frequentemente, o nosso quotidiano e o nosso futuro.
Aquilo que o Senhor escreve é o que está gravado ao pé duma árvore numa placa da Society of European Affairs Professionals, ( "E é por discursos, debates e votos que devem ser resolvidas as grandes questões, com determinação, paciência e dedicação"),um cenáculo de 345 lobbyistas.
Só falta dissolver o povo, como diria Brecht, porque quando em 2005 , os franceses votaram "non" a 54,68%, e os Holandeses "non" a 63,1%, os dirigentes não ligaram nada ao voto do povo.
E quando os Irlandeses votaram "no" em 2008 ao Tratado de Lisboa, foram "convidados" a reflectir! antes de votar de novo a 67,1%.

Dá vontade de rir quando se lê que o texto de Lisboa conforta o dogma da "concorrência livre e não falseada" numa "economia social de mercado", prevista trazer o bem estar e a prosperidade. Sete anos mais tarde vê-se o estado da Europa! A concorrência "livre" e não "traficada" é o mundo da corrupção para obter os mercados! E os acordos entre multinacionais para impor "um preço" combinado entre eles! As multas chovem mas o flagelo não para!

O conglomerado de Estados heteróclitos embalados na bandeira de estrelas sobre fundo azul não se precipita para controlar eficazmente os bancos, socorridos pelos milhares de milhões de euros dos contribuintes após o krach de 2007/2008, e é incapaz de aplicar uma taxa simbólica de 0,001 % sobre as transacções da bolsa afim de circunscrever os fluxos de capitais.

Os interesses das burguesias nacionais gozam com as chaves da Europa nos seus bolsos, sem nenhum constrangimento.

Entretanto a crise faz a cama do Front National, em França, tanto mais que, alimentada pelos excessos da abertura ao leste ela torna mais atractivas as sirenes do recuo dentro das fronteiras.

Esta é a Europa que os Europeus vêm hoje e não vêm no horizonte líderes à altura para incarnar aquela Europa que o Senhor Embaixador proclama, excepto o "seguidismo" atlântico de Obama, que de qualquer maneira controla a Europa militar e é o verdadeiro interlocutor de Putin.

O Renascimento europeu dos XV e XVI° século comportava , além das Artes e das Letras, uma dose importante de Humanismo. Era talvez o mais importante do Renascimento. Não é dos EUA que se deve esperar um humanismo qualquer, o dinheiro sendo o único valor consagrado, e quanto à cultura, excepto os Mac DO e as horríveis séries americanas, não vejo o que nos podem trazer doutro.

Anónimo disse...

Caríssimo Chico

Para haver Renascimento tem de existir previamente um "Mundo de Trevas"(que na altura) era a Idade Média.

Neste momento a Europa não é um "Mundo de Trevas" e não estamos na época feudal. Já aqui escrevi que fui um europeísta convicto. Agora a descrença da UE não me permite pensar em Renascimento. De quê? De quem?

Mario Monti quando era o comissário para a Unificação Fiscal disse-me um dia em Bruxelas que estava convicto que ela impossível, tal como a política. Renascimento da Europa? Só se fosse um Fénix hodierna... ou uma Hidra de sete cabeças que neste caso são muitas mais...

Abç

Anónimo disse...

Não sei se chegou alguma vez a ler o livro de Viriato Soromenho-Marques, “Portugal na queda da Europa”. Se não o fez, aconselho.
Está lá o que deve ser dito desta União Europeia, dos nossos dias, e do “instrumento” que limita a soberania monetária, cambial, económica e financeira de cada membro da UEM, o tal “Euro”.
É um excelente livro, muito bem escrito, há 1 ano atrás, actual, que faz uma análise lúcida e sem rodeios do que é a UE. E, por junto, do Euro.
Não há, hoje, espaço, nem vontade para o tal “Renascimento” A UE de hoje é um fracasso completo. É tempo de assumir isto.
O que aqui escreve, nesse artigo do Expresso é conversa para iludir incautos. É pura fantasia que nada tem a ver com a realidade. Aquela que nos cai em cima diariamente. O projecto europeu morreu. Os mercados, a Banca, o vergar dos Estados perante a Finança, etc, acabaram com o sonho europeu. Venceu o neo-liberalismo, morreu a solidariedade, o Estado Social, etc.
Um dia destes, lá para 2017, o RU poderá votar pela saída da UE e estou em crer que depois outros lhe seguirão os passos, como a R.Checa, Hungria (extrema-direita) e sabe-se lá quem mais! E, até lá, talvez a Grécia.
Se, porventura, a UE falhar e até vier a desaparecer a última coisa que farei é deitar uma lágrima que seja.
A UE de hoje não serve, não presta e não resolve nenhum problema substancial. A União Europeia será vítima de si própria. Morrerá, se calhar, um dia, de autofagia.
Ricardo Lemos



Anónimo disse...

Senhor Embaixador,
O seu texto pode estar bem articulado nos conhecimentos que tem das especificidades em que assenta a Europa e que a distingue de outros continentes... mas não estão menos "esclarecidos" os comentadores ao seu texto, que antes de mim lembram magistralmente que esta Europa de que fala só já é de "alguns"... Peço desculpa se caí em erro. Eu cá já vejo a Europa a tentar apanhar os modelos de sociedade asiática, e, pouco preocupada com as suas raízes ou tradições...

Anónimo disse...

Apetece gritar: Revolução Europeia! Já!

Portugalredecouvertes disse...


Um novo Renascimento do lado do coração seria bem-vindo!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...