Era um cavalheiro urbano e elegante, com mundo, inteligente e sabedor das coisas económicas, com um sorriso social algo distante, mas de trato pessoal simpático. Pelo menos, foi essa a imagem que dele guardei do escasso tempo em que foi ministro dos Negócios estrangeiros, quando Cavaco Silva chefiava o governo, bem como dos poucos contactos anteriores e posteriores que com ele tive. Já antes havia sido ministro do Comércio e Indústria e presidente da Comissão de Integração europeia. Profundo conhecedor do mundo dos petróleos, havia também sido nomeado "embaixador político", para especificamente tratar dessa questão. Nasceu em 1928 e morreu ontem.
Na sua breve passagem pelas Necessidades (1985-87), deu sempre ares de estar sempre algo desconfortável no seu papel. Na gíria da casa, atendendo à sua formação, era conhecido como o "petroleiro", sendo então chamado "cacilheiro" ao seu secretário de Estado da Cooperação, o comandante (da Marinha) Eduardo Azevedo Soares.
Embora nunca tenha tido a certeza de quem foi o verdadeiro "pai" da ideia, foi com Pires de Miranda na chefia da diplomacia que se processou uma das mudanças estruturais mais polémicas que o MNE sofreu. Tratou-se da eliminação da Direção-geral dos Negócios económicos, que foi fundida com a Direção-geral dos Negócios políticos, para dar origem à Direção-geral dos Negócios político-económicos, de que viria a ser titular José Cutileiro, também "embaixador político". Esta reforma acabou por fazer desaparecer parte significativa da dimensão económica do MNE, que acabou por ser claramente ultrapassada pela dimensão política, numa casa onde, como costumo dizer (para desagrado de muitos), o tropismo natural é para "mais Kosovo e menos batatas". Só não esperava isto quem desconhecesse o MNE. Concedo que a ideia parecia teoricamente boa: dar maior coerência ao tratamento integrado dos espaços regionais. Mas falhou redondamente e a máquina diplomática portuguesa sofreu imenso com isso.
Anos mais tarde, procurar-se-ia corrigir a medida com a criação do Gabinete de Assuntos Económicos (GAE) e, mais tarde, da Direção-geral dos Assuntos Técnico Económicos (DGATE). Com o governo que agora cessa funções, a machadada na dimensão económica do MNE seria definitiva: a DGATE foi extinta, a AICEP "pareceu" integrar o MNE por algum tempo, isto é, até ao momento que Paulo Portas, irrevogavelmente, a levou no seu bolso político para o palácio das Laranjeiras, como veículo para o seu saltitar entre aeroportos, na versão moderna do "Oliveira da Figueira", a promover os nossos produtos. Conjunturalmente pode ter sido um remendo útil, institucionalmente é mais um desastre.
Volto ao engenheiro Pedro Pires de Miranda (na foto, à direita, com Jacinto Nunes e Mota Pinto), para aqui deixar registada uma sentida nota de pesar pela sua desaparição.
4 comentários:
Mais uma perda neste mês de abril, que tem feito muitas baixas. E os três que estão em primeiro plano, já todos nos deixaram.
A seguir ao Embaixador José Cutileiro e a mim próprio ( passe a vaidade) a pessoa a quem devo a minha ida para a Embaixada de Portugal em Paris, em 1987, foi o Eng. º Pedro Pires de Miranda. Corrigiu um erro a tempo, apostou em mim e julgo que não desmereci.
Era uma pessoa séria, boa, elegante, acessível, simples e simpática. Sei do que falo.
Quando saiu, o MNE mudou para pior.
Não o via há décadas. Agora é tarde.
Curvo-me respeitosamente perante a sua memória, num dia em que só me vieram à mente boas memórias.
João Pedro Garcia
o mne tem sofrido machadas sobre machadadas desde pires de miranda até paulo portas, está meio esvaziado.
que faça bem e com meios suficientes o que lhe resta
Senhor Embaixador, sobre esta questão da Diplomacia Económica eu gostava de ter a sua sincera opinião sobre o tema. Sendo o Senhor um profundo conhecedor dos quadros que exercem funções de embaixador e consul ao serviço de Portugal, acha que esses teriam o perfil indicado e as competências necessárias para promoverem e apoiarem processos de internacionalização/exportação das empresas portuguesas? As empresas portuguesas que exportam são essencialmente PMEs de setores como metalomecânica, alimentar, couros, calçados, cortiças etc Ou seja, é preciso conhecer-se a realidade do mercado para se fazer a ponte entre o fornecedor e o comprador. Identificar, por exemplo, quem pretende importar arame farpado ou ferramentas. Portugal tem muitos poucas, e cada vez menos, grandes empresas mas são essas que geralmente cativam a atenção dos embaixadores e consuls. Essas, as empresas de vinhos (setor considerado nobre) e os eventos culturais para elites. Penso que é preciso ser-se frontal e admitir que o MNE não tem quadros, pelo menos no exterior, que falem a linguagem das empresas. A Diplomacia Económica tem que ser feita pelos agentes que atuam na economia e no comércio. Parece-me que o MNE sempre pretendeu chamar para si competências que na realidade não tem. Contudo, seria um privilégio ter a sua opinião sobre o assunto. Obrigado!
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