Caros Antónios
Sei
que, com grande probabilidade, não irão ler estas linhas porque, a esta
hora, deverão estar a afinar, com os vossos estrategas de campanha, as
frases com que cada um espera "arrasar" o outro, nos três debates
televisivos que aí vêm. Mas será talvez por isso mesmo que me sinto na
obrigação de vos escrever.
Entrámos
um dia no mesmo governo, vai para duas décadas, levados pelo carisma do
António Guterres, ao som do Vangelis. À nossa frente, tínhamos o
objetivo de dar a volta a um país cansado de bem mais de uma década de
cavaquismo. Foram tempos entusiasmantes, em que, juntos, fizemos muitas
coisas de que ainda hoje me orgulho e de que, creio, o país beneficiou.
Tenho o gosto de dizer que, passado todo este tempo, cimentei, com cada
um de vocês, uma boa amizade, que é também de grande e sincero respeito
por aquilo que, cada um a seu modo, fez por Portugal. É apenas nesta
qualidade que vos escrevo - a de um "compagnon de route", em definitivo
afastado da ação política, mas que não abdica de se interessar pela
causa cívica.
A
vida colocou-vos agora em rota de colisão democrática pela liderança do
PS. Devo dizer que me sinto feliz por poder constatar que, cada um de
vocês à sua maneira, representa um PS com uma elevada consciência ética.
Convosco, os portugueses sabem que estão a tratar com gente de bem,
porque vocês fazem parte, em termos de honestidade e de serviço à
comunidade, do melhor que o partido tem para apresentar. E essa é, desde
logo, a primeira vitória deste tempo socialista que agora vos tem como
protagonistas principais.
A
campanha que travam era praticamente inevitável. É "chover no molhado"
discutir agora se o processo das "primárias" era a maneira mais correta
de testar a legitimidade da atual liderança. O António José Seguro
entendeu que a vitória em duas eleições, antecedida da consagração num
congresso em que abriu espaço aos que o contestavam, lhe conferia a legitimidade que lhe permitia continuar na liderança e consolidar a
posição maioritária do PS. O António Costa considerou que não se podia
furtar a ser a voz de muitos que se sentiam insatisfeitos, não apenas
com a forma da atual liderança, mas principalmente com os resultados que
o PS, enquanto oposição, ia obtendo, que viam como prenúncio de um
forte risco para as hipóteses socialistas numas futuras eleições
legislativas. Nunca me senti muito acompanhado quando exprimi, desde a
primeira hora, que a solução das "primárias" era aquela que, muito
provavelmente, permitia testar quem tinha razão, mesmo com o desgaste
que esta longa campanha necessariamente representaria.
Reduzir agora ao mínimo esse
desgaste ainda está nas vossas mãos. Quero com isto dizer que os debates que aí vêm seriam, se
vocês assim o quisessem, um momento de transformar aquilo que todos
temem que venha a ser uma lamentável "guerra" fratricida num tempo de
assestar baterias naquele que é o adversário comum, não apenas do PS,
mas do próprio país em geral - uma ex-maioria a quem os portugueses
deram há pouco tempo o mais arrasador voto de desconfiança de que há
memória na nossa história democrática.
É mais do que
claro que os militantes e os simpatizantes socialistas já sabem muito
bem em quem vão votar, no dia 28 de setembro. Por isso, será uma pura
perda de tempo da vossa parte estar agora a tentar "esclarecê-los" sobre
qual de vocês tem o "direito" a liderar o PS ou pode ser mais eficaz na
chefia futura, não apenas do partido como de um eventual governo socialista. Em
especial, será tristemente auto-flagelatório se acaso optarem por
"deitar sal nas feridas", com acrimónias de cariz pessoal, que só vos
diminuirão aos olhos dos portugueses. E que diminuirão também a imagem
do PS, por arrasto.
O
que muitos gostaríamos - excluo, naturamente, dessa vontade os
"talibans" e as "taliboas" de ambos os lados, que enxameiam de acidez
"segurista" ou "costista" as redes sociais, as colunas de jornais e as
televisões - era ver-vos concentrados na explicação serena da melhor
forma de afirmar uma gestão credível para o país, como alternativa
futura ao lamentável estado em que a governação que por aí anda deixou
Portugal. Essa era a palavra que os portugueses esperariam de duas
pessoas politicamente responsáveis, não uma "fulanização" do debate,
transformada num fastidioso "eu-é-que-já-cá-estava" contra o
"eu-é-que-sou-melhor-do-que-tu". Querem dar-nos uma alegria?
Surpreendam-nos!
Estou esperançado de que isso assim
aconteça? Aqui entre nós, meus caros, não estou. Mas até ao lavar dos cestos são as
vindimas, e como o tempo delas está aí...
Com um forte e solidário abraço do
Francisco